As manifestações do Bom Senso F.C. e a inexistência de infrações desportivas

O movimento do Bom Senso F.C., liderado pelos principais jogadores do futebol profissional brasileiro vem ganhando destaque, não somente pela importância e pertinência dos assuntos que defendem, mas também por conta das manifestações dos jogadores dentro dos gramados. O movimento clama, na verdade, por melhores condições desportivas e de trabalho na temporada brasileira de futebol.

 

Nessas manifestações já nos deparamos, antes do início das partidas, com jogadores de braços cruzados, ora sentados ao chão e até mesmo com uma simples e despretensiosa troca de passes, após o jogo autorizado. Após alguns instantes, a partida efetivamente começa com se desenvolvimento regular.

 

Diante disso, há quem entenda que a postura dos jogadores poderia configurar atitude antidesportiva, punível com cartão amarelo. Em tese, havendo, ensejaria em conduta contrária à ética desportiva[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][1] em desfavor dos jogadores. E no tocante ao árbitro da partida, sua omissão em não punir e não relatar tais fatos na súmula da partida poderia ensejar infração ao artigo 261-A, IV do CBJD.

 

Norteados pelo fair-play acadêmico e buscando o fomento de discussões saudáveis, entendemos que tais manifestações não são passíveis de punições, eis que não podem ser consideradas como infrações às normas do CBJD.

 

Não basta apenas nos atermos a um puro e simples “encaixe” do fato a norma, principalmente quando esta se apresenta como um tipo aberto. Não é qualquer conduta que poderá ser considerada antidesportiva ou contrária á ética desportiva, eis que se mostra imprescindível utilizarmos dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para interpretar e aplicar toda e qualquer norma do CBJD.

 

A conduta antidesportiva ou contrária à ética desportiva passível de punição diz respeito aquela em que a desistência em disputar a partida por abandono ou simulação, ou mesmo, que impeça seu prosseguimento está norteada pela má-fé desportiva, pelo “jogo sujo” que visa manipular o resultado desportivo, perenizando e tornando permanente a não continuidade de uma partida, o que não é o caso.

 

As normas do CBJD visam garantir o desenvolvimento normal das atividades desportivas, punindo ações contrárias à ética, ao decoro, bem como o respeito às regras oficiais do jogo ou da competição e o movimento do Bom Senso em nosso sentir está longe de contrariar essas disposições.

 

Outrossim, os atletas desse movimento estão exercitando um direito de envergadura constitucional, que é o da liberdade de expressão do pensamento que não está limitado por condicionantes territoriais.

 

Já que não se tratam de infrações disciplinares, eis que a norma repressiva desportiva não pode ser interpretada de forma extensiva, há de se procurar compreender a natureza das manifestações que, em verdade, buscam condições mais apropriadas para o desenvolvimento da atividade juslaborativa.

 

No campo laboral, o movimento clama, como pontos nevrálgicos, a questão das férias e por um período adequado de pré-temporada dos atletas. Pertinentes são os reclames dos jogadores por conta dos direitos assegurados pela Lei Geral do Desporto e da própria legislação celetista.

 

O encurtamento do período destinado às férias não só propicia e aumenta a probabilidade de lesões musculares por conta da carga excessiva de jogos da temporada anterior, forçando os atletas a um descanso (muscular) inadequado, como, principalmente, fere de morte direitos dessa classe específica de trabalhadores.

 

O inciso V do §4º da referida Lei já assevera o período de “férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas”.

 

Uma pré-temporada adequada não só condiciona fisicamente o atleta para o exercício de seu labor, isto é, mantém as condições físicas que lhe permitam participar em alto rendimento das competições desportivas, como, outrossim, constitui como acréscimo remuneratório em favor do atleta, consoante inciso III do mesmo §4º.

 

Em linhas gerais, salutar e necessária são as mudanças no calendário brasileiro, de modo a se ajustar com os grandes centros europeus, propiciando melhores condições desportivas e de trabalho aos atletas do nosso futebol, além de que a interpretação das normas desportivas devem acompanhar a evolução do nosso contexto social e cultural, equalizando-se com o movimento das relações humanas, principalmente quando elas buscam melhorias em favor do desporto.

 

 

Edio Hentz Leitão – Advogado.

 

Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela UGF/RJ. Pós-Graduando em Direito Desportivo pela UNIFIA/IIDD. Juiz Substituto do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Município de São Paulo. Auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportivo da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Jundiaí/SP. Membro do IBDD.

 

            Hudson Mancilha – Advogado

Especialista em Direito Desportivo pelo Instituto IberoAmericano de Derecho Deportivo/UNIFIA/SP. Presidente do Instituto Sergipano de Direito Desportivo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e da Academia Brasileira de Processo Civil. Defensor Dativo do TJD/Futebol e Auditor do TJD/Futsal, ambos de Sergipe. Advogado de atletas e clubes de futebol. Autor de artigos jurídicos voltados ao direito desportivo e autor da obra “coletânea de legislação desportiva e do futebol”.

 

 



[1] Art. 258 do CBJD

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