AS REGRAS DA FIFA SOBRE O REGISTRO E TRANSFERÊNCIA DE ATLETAS DE FUTSAL
Pedro Mattei
Advogado. Vice-Presidente da ANDD-Lab
A seleção brasileira masculina de Futsal conquistou o hexa campeonato da Copa do Mundo de Futsal, organizada pela FIFA, e recentemente disputada no Uzbequistão, o qual contou com 24 seleções nacionais na competição. A partida final que deu à nossa seleção o título foi disputada contra nossa arquirrival Argentina, e o placar foi 2×1 pra equipe verde e amarela.
Além do título mundial, quatro atletas canarinhos foram premiados pelo desempenho na competição[1], a exemplo dos atletas Dyego, que ganhou a bola de ouro da competição, Marlon, que ganhou a bola de prata, Marcel, que ganhou a chuteira de ouro, e Willian, que ganhou a luva de ouro.
Até hoje foram realizadas 10 edições da Copa do Mundo de Futsal, e a seleção brasileira masculina, sem surpresa alguma, venceu 06 delas, sendo hoje a maior campeã dentre todas outras seleções que já disputaram a competição.
Fato importante que merece destaque, apesar de também merecer críticas, é a realização da Copa do Mundo Feminina de Futsal, anunciada em 04 de outubro de 2024 pelo Conselho da FIFA, que será realizada em 2025, e o país sede serão as Filipinas.
O merecido destaque se dá pela organização da Copa do Mundo de Futsal para mulheres, que possui grande adesão popular por atletas em nosso país e no mundo. A crítica reside na organização da primeira competição apenas em 2025, ao passo que para o público masculino, o torneio já chegou na sua décima edição.
Importante explorar o sistema de registro e transferência internacionais de futsal, em especial após a conquista do sexto título brasileiro, porque percebe-se que se olha muito menos para o Futsal no Brasil, ao se comparar com o futebol.
As primeiras linhas deste texto servem para reverenciar não apenas o Futsal brasileiro, mas a modalidade enquanto esporte, já que é genuinamente brasileira, criada em nosso país, e que naturalmente, na opinião deste autor, nos dá vantagem sobre às demais seleções nacionais.
Esta vantagem ocorre porque aqui no Brasil a prática do futsal é muito mais acessível que a do futebol, já que o número de quadras de futsal supera e muito o número de campos de grama e terra, destinados à prática do futebol.
Talvez por não necessitar de um investimento tão grande para construção e manutenção, ao se comparar com campos. Talvez pela diferença nas dimensões da quadra e dos campos. Talvez pelo número de praticantes ser menor para que o jogo ocorra. Talvez porque a maioria das escolas possuem quadras, ao invés de campos, assim como bairros, condomínios, dentre outros.
Esta é apenas uma reflexão, dotada de empirismo, sobre o desenvolvimento do futsal em nosso país, comparado ao futebol, modalidade criada na Inglaterra, com enorme popularidade em nosso país comparada a todas outras modalidades praticadas em nosso território. Aqui o futebol é a mais popular, sem sombra de dúvidas.
Dito isso, levando em consideração a hegemonia brasileira no futsal, interessa aos operadores do direito desportivo, em especial àqueles que operam o direito desportivo internacional, refletir sobre a sistemática de transferências internacionais de atletas de futsal, a partir da aplicação do Regulamento de Registro e Transferências de Atletas da FIFA, que nesse texto chamaremos apenas de RSTP[2], que faz referência ao nome do regulamento na língua inglesa.
Aqueles que estudam e aplicam o RSTP já devem ter percebido que de todos os anexos desta norma transnacional, existe um anexo dedicado apenas ao registro e transferência de atletas de futsal, e este artigo se dedicará a trazer alguns elementos de reflexão a respeito da sua sistemática, quando comparado ao futebol.
As regras sobre registro e transferência internacional de atletas de futsal estão dispostas no anexo 06 do RSTP, composto por 46 dispositivos, organizados em 10 capítulos. Interessante notar que alguns dispositivos vinculam regras dispostas em outros anexos do RSTP, a exemplo do primeiro dispositivo do segundo capítulo do Anexo 06. Vejam:
O item 2.1 do anexo 06 do RSTP declara que o artigo 1ter do anexo 01 se aplica aos registros e transferências de atletas de futsal. O anexo 01 do RSTP trata exatamente da liberação de atletas para se vincularem a outras equipes, e o art. 1ter, basicamente, regula os princípios para registro, liberação e transferência de atletas de futsal.
Como o assinto principal deste artigo é tratar de registro e transferências internacionais de atletas de futsal, comentar-se-á alguns dispositivos deste anexo, como forma de clarear a visão dos operadores do direito desportivo sobre o assunto.
Diante da semelhança entre o futsal e o futebol, existe uma previsão que impede o registro de atletas de futsal por qualquer clube, que já tenham jogado alguma partida de futebol, conforme previsto no item 1.2 do anexo 06 do RSTP.
De início, atletas de futsal só podem representar apenas uma confederação nacional, mesmo se esta confederação também administrar o futebol no respectivo país. Qualquer atleta que já tenha disputado uma partida, seja inteira ou em parte, em competições organizadas por uma confederação nacional, de qualquer categoria ou qualquer tipo de futebol[3], não poderá jogar por uma seleção nacional de outra equipe.
A finalidade desta regra, pelo que nos parece, serve para impedir que um atleta que já tenha, por exemplo, competido profissionalmente por alguma equipe brasileira de futebol de campo, possa, eventualmente, ao retornar a jogar futsal competitivamente, se naturalizar e competir por outra seleção nacional.
Sabe-se que no futsal é comum atletas nascidos em um país nacionalizarem-se e competire por seleções nacionais de outros países, que não o seu de origem, o que também ocorre no futebol de campo, entretanto, em menor escala.
Assim como no futebol, atletas de futsal precisam estar registrados em uma confederação para ter o direito de competir por algum clube, profissional ou amador, e apenas os que possuem registro têm o direito participar de competições organizadas pela FIFA ou qualquer de suas filiadas, segundo o item 3.1 do Anexo 06.
Suponhamos que um atleta profissional de futsal registrado em um clube que também desenvolva o futebol de campo de forma organizada, com base na regra citada, só poderá jogar por este clube. Entretanto, o clube não pode estar filiado à diferentes confederações esportivas, seja de futsal, ou de futebol.
Para melhor explicar a aplicabilidade deste dispositivo, ele se enquadra no contexto em que o futsal é organizado no Brasil, uma vez que atualmente existem três entidades esportivas a nível nacional que desenvolvem o futsal em alto nível de desempenho, quais sejam, a CBFS[4], a LNF[5] e a CBF[6].
Existe a possibilidade de atletas profissionais que tenham contrato com um clube de futebol, assinar um contrato com outro clube para competir futsal, desde que este atleta obtenha autorização do clube de futebol empregador, e vice-versa, segundo o item 3.3 do anexo 06 do RSTP.
Com base nesta previsão, vale citar o caso do atleta Falcão, maior referência mundial no futsal na opinião deste autor, que ao deixar as quadras de futsal para competir futebol pelo São Paulo Futebol Clube – SPFC no ano de 2005, poucos meses depois, deixou de competir futebol e retornou à atividade no salão, onde sempre reinou.
Existem mais casos de atletas que trocaram as quadras pelos campos, e depois acabaram retornando para o futsal. Entretanto, casos de atletas de futebol que decidem competir no futebol de salão não parecem ser de amplo conhecimento popular.
Richard Rios, atleta colombiano que atualmente joga pela Sociedade Esportiva Palmeiras e pela seleção nacional de seu país, é um caso que vale ser citado. Dedicou-se até os 18 anos de idade ao futsal, e ao participar de uma competição pela seleção colombiana no Rio de Janeiro, foi notado por um olheiro do Clube de Regatas do Flamengo, que o levou para testes no clube da gávea, onde foi aprovado, e deu início a sua carreira no futebol[7].
Sobre transferências de atletas de futsal, vale destacar o item 1 do título 5.2 do anexo 06 do RSTP, o qual regula o processo de transferência de atletas e a expedição do International Futsal Transfer Certificate – IFTC[8].
Durante as janelas de transferências, sempre que um clube quiser contratar algum atleta que dispute competições em outro país, deve protocolar um requerimento de expedição do IFTC na confederação onde ele está registrado[9].
Junto a este requerimento, o clube deve entregar à confederação onde ele está registrado uma cópia do contrato de trabalho entre eles, além do contrato de transferência, ou algum contrato congênere, entre o clube que requer sua contratação e o clube que detém os direitos econômicos do atleta[10].
Uma regra interessante que se aplica às transferências de atletas de futsal diz respeito à obrigação dos clubes envolvidos na transferência demostrarem certos documentos.
Primeiro, o contrato de trabalho do atleta com o clube em que está registrado profissionalmente, para comprovar que o prazo de seu contrato terminou. Caso este prazo não tenha terminado, ao menos um termo entre ambos os clubes que comprove que mesmo o contrato do atleta não ter sido extinto, os clubes estão de acordo com a transferência. Por fim, caso necessário, qualquer deles deverá demonstrar à confederação onde o atleta está registrado, que existe algum tipo de disputa jurídica entre ambos os clubes[11].
Em casos em que o IFTC seja expedido pela confederação de origem, ela deverá anexar uma cópia do passaporte esportivo do atleta, informar à confederação que registrará o novo contrato de trabalho se existe alguma sanção esportiva pendente de cumprimento, e por fim, apresentar uma cópia do IFTC expedido pela FIFA, segundo o item 6 do título 5.2 do anexo 06.
O IFTC deve ser expedido de forma gratuita, sem qualquer condição ou limitação de tempo sobre sua validade. Qualquer imposição contrária a esta previsão normativa será considerada nula ou vazia[12].
Caso a Confederação de origem não responda ao requerimento de expedição do IFTC em 30 dias, a confederação de destino do atleta poderá registrá-lo provisoriamente em seu sistema de registros. Este registro provisório se tornará definitivo caso a Confederação de origem não se manifeste, segundo o item 9 do título 5.2 do anexo 06.
Se houver alguma disputa jurídica entre os clubes que trate do contrato de transferência do atleta, o IFTC não será expedido, entretanto a FIFA poderá tomar medidas provisórias, desde que a situação seja excepcional. A comprovação da excepcionalidade, além do teor da disputa, tem de ser demostrado por qualquer dos clubes envolvidos na negociação, e o Tribunal da FIFA decidirá se a transferência deve ocorrer, ou não. A medida provisória tomada pela FIFA não poderá tratar do mérito de eventual disputa entre os clubes. Eis o que prevê o item 10 do título 5.2 do anexo 06 do RSTP.
Importante dizer que estas regras se aplicam tanto para atletas profissionais, quanto amadores, sem distinção, desde que, nesta transferência internacional, o atleta se torne profissional, ou retorne à condição de amador, segundo item 11, o último item do título 5.2 do anexo 06 do RSTP.
As regras de transferência internacional de atletas de futsal citadas anteriormente também valem para transferências de empréstimo, entre clubes de diferentes países[13].
O referido anexo também traz previsões sobre aplicação de sanções disciplinares, proteção de atletas de futsal menores de 18 anos de idade, os quais não podem se transferir internacionalmente, diferentemente do que ocorre no futebol, onde a existem exceções para atletas entre 16 até completar 18 anos de idade, segundo o RSTP da FIFA
A indenização por formação e o mecanismo de solidariedade, comumente aplicados por advogados que atuam na área do direito internacional (privado) do futebol, não se aplicam ao ecossistema do Futsal. Importante diferença para o mercado do futebol e futsal[14].
Por fim, este anexo também prevê a competência da FIFA para analisar e julgar eventuais disputas que envolvam registros e contratos de transferência de atletas, treinadores, clubes e confederações de futsal, sem prejuízo dos clubes levarem os casos à análise do respectivo poder judiciário estatal[15].
Este artigo não tem caráter exauriente, dada a extensão e o nível de detalhes presentes no anexo 06 do RSTP da FIFA, aqui analisado. Entretanto, acreditamos que com o conteúdo produzido, será possível verificar os principais aspectos sobre o registro e a transferência internacional de atletas de Futsal.
Este esporte genuinamente brasileiro é regulado pela FIFA desde 1989, e acreditamos que esta modalidade esportiva deve ser motivo de orgulho, curiosidade e atenção por todo brasileiro, dada a semelhança com o futebol, onde perdemos protagonismo ao longo dos anos.
No futsal nós temos o maior número de títulos mundiais, e acreditamos que esta modalidade deve ser cada vez mais fomentada, observada e utilizada para transformar o futebol brasileiro. Se nós não utilizarmos esta modalidade para isso, outras nações farão. E já têm feito, basta pesquisar.
[1] https://www.fifa.com/pt/tournaments/mens/futsalworldcup/uzbekistan-2024/articles/premios-copa-do-mundo-futsal-2024.
[2] https://digitalhub.fifa.com/m/69b5c4c7121b58d2/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-June-2024-edition.pdf.
[3] Pela expressão “futebol”, de forma contextualizada, entendemos que o item 1.2 do anexo 06 se refere ao futsal e ao futebol de areia. Todas as modalidades esportivas de invasão praticadas com a bola no pé são reguladas e administradas pela FIFA.
[4] Confederação Brasileira de Futebol de Salão.
[5] Liga Nacional de Futsal.
[6] Confederação Brasileira de Futebol.
[7] https://www.fifa.com/pt/tournaments/mens/futsalworldcup/uzbekistan-2024/articles/richard-rios-colombia-futsal.
[8] Certificado Internacional de transferência de atletas de Futsal.
[9] Item 1 do Título 5.2 do anexo 06 do RSTP da FIFA.
[10] Idem.
[11] Item 4 do Título 5.2 do anexo 06 do RSTP da FIFA.
[12] Item 7 do Título 5.2 do anexo 06 do RSTP da FIFA.
[13] Título 5.3 do anexo 06 do RSTP da FIFA.
[14] Capítulo 8 e 9 do anexo 06 do RSTP da FIFA, respectivamente.
[15] Capítulo 10 do anexo 06 do RSTP da FIFA.