As Três Chinas no Rio-2016
Rio de Janeiro, Tênis de Mesa, 12 de agosto, Jogos Olímpicos de 2016. Jogo emocionante, rivalidade em cena: “Hong Kong, China” vs. “China Taipei”?
Calma, duas Chinas? E a terceira China? A vermelha, a grande, a que ficou em terceiro lugar no quadro de medalhas e que sediou os Jogos de Pequim, 2008?
Sim, há, de fato, 3 (três) “Chinas” competindo nos Jogos Olímpicos. Quanto à primeira, a famosa Hong Kong, a explicação é mais fácil. A região de Hong Kong teve seu Comitê Olímpico reconhecido internacionalmente em 1951, época em que ainda era um território pertencente à Coroa Britânica. Assim, a exemplo de outras possessões do Reino Unido, Hong Kong já participava dos Jogos Olímpicos como “nação independente”, apesar de, politicamente, não ser um território soberano. No Rio 2016, podem ser citados os casos de Bermuda, Ilhas Cayman e Ilhas Virgens Britânicas, os quais não são países politicamente independentes, mas possuem autonomia desportiva, competindo separadamente do Reino Unido nos Jogos Olímpicos há algumas décadas.
Nessa toada, após a incorporação do território de Hong Kong pela República Popular da China, em 1997, tornando-se uma mera Região Especial Administrativa no plano político do Governo Chinês, a autonomia desportiva reconhecida olimpicamente foi mantida. A designação “Hong Kong, China”, apenas foi aposta para demonstrar que Hong Kong pertence, politicamente, à República Popular da China, a gigante, apesar de competir separadamente nos Jogos, inclusive com bandeira própria (o hino tocado no pódio, entretanto, é o chinês).
Por outro lado, a “China Taipei”, ou “Taipei Chinês”, nome oriundo do inglês “Chinese Taipei”, é a denominação referente à delegação oriunda da Ilha de Taiwan. Mas, por que Chinese Taipei e não, simplesmente, “Taiwan”?
A história é longa. Taiwan, em verdade, é a República da China. Seu comitê olímpico nacional participou pela primeira vez dos Jogos Olímpicos em 1932, sob o nome de “República da China”. É o remanescente do país que existia onde hoje é a República Popular da China.
Isso porque a Revolução Comunista de Mao Tsé Tung rebelou-se contra o Governo da República da China e, após décadas de guerra, os revoltosos venceram, expulsando o antigo governo para a pequena Ilha de Taiwan, no Oceano Pacífico, próxima à costa do que conhecemos como República Popular da China, até hoje governada pelo Partido Comunista.
O soberano governo dos exilados, instaurado em Taiwan, fixou sua capital na cidade de Taipei, ao norte da ilha, porém nunca deixou de utilizar, de fato, o nome de “República da China”, apesar de não obter reconhecimento oficial da comunidade internacional, quiçá do governo comunista chinês, soberano sobre todo o território chinês continental.
Assim, o do Governo da República Popular da China, comunista, recusou-se a participar dos Jogos Olímpicos enquanto a delegação de Taiwan fosse denominada como “República da China”. A pressão deu certo. Em 1976, o nome foi finalmente vetado, eis que o país sede dos Jogos, o Canadá, não reconhecia a legitimidade do governo taiwanês sobre a China. Em 1979, o Comitê Olímpico Internacional, editou a Resolução de Nagoya, em que a delegação da Ilha de Taiwan deveria ser designada como “Chinese Taipei”, ou Taipei Chinês, nome de cunho ambíguo, pois ao mesmo tempo em que soa como um local pertencente à China, leva à conclusão de que se trata de um local independente, alusivo à Capital do governo taiwanês, a cidade de Taipei.
A problemática da bandeira.
Voltando ao jogo de Tênis de Mesa mencionado no início do texto, uma amiga minha nele esteve presente. Brasileira nascida na Ilha de Taiwan, década de 90, ela (e sua família) se identifica com o governo local, independente e rival da República Popular da China, a vermelha, comunista.
Portanto, como boa filha que é, torcia pelo atleta do Taipei Chinês, portando uma bandeira do governo de Taiwan, o qual até hoje se denomina, repita-se, governo da “República da China”. As cores são vermelha e azul, em formato de dois retângulos sobrepostos (o menor, azul, na parte superior esquerda), praticamente idêntica à bandeira da Samoa Ocidental ou à antiga bandeira de Myanmar. Sua presença até foi notícia em um jornal taiwanês (http://sports.ltn.com.tw/news/breakingnews/1795421 – também não consigo ler, mas vale pelas fotos).
Contudo, enquanto torcia, ela foi abordada por um dos voluntários, informando-a que haveria várias redes de televisão da China (a comunista) transmitindo o evento e que ela deveria guardar a bandeira (de Taiwan), sob pena de ser convidada a se retirar.
Sim, no Brasil de 2016, Rio de Janeiro, uma torcedora brasileira, de origem taiwanesa, foi compelida por um brasileiro, mediante ameaça de expulsão, a guardar uma bandeira alusiva ao governo da China de Taiwan, para atender interesses do governo da China comunista, poderosa, continental.
No país da Constituição Cidadã, de 1988, que se julga republicano, livre, justo e solidário (artigo 3º, I, da Carta) e que eleva a autodeterminação dos povos e a liberdade de expressão a princípios fundamentais (artigos 4º, III, e 5º, IV, da própria Carta).
Claro, protestei contra essa odiosa intervenção do voluntário carregando a bandeira da “República da China”, a famosa Taiwan, de minha amiga, para o jogo Estados Unidos e Sérvia de basquete, no mesmo dia. Ostentei-a com orgulho, apesar de minha origem ítalo-espanhola-portuguesa-corinthiana, sem qualquer empecilho, inclusive aparecendo no vídeo gravado pelo Jerome Meyinsse, o “Grandão”, ex-pivô de basquetebol do Flamengo (v. 0:51 – link: https://www.facebook.com/JeromeMeyinsse55/videos/1135377843188974/?autoplay_reason=all_page_organic_allowed&video_container_type=0&video_creator_product_type=0&app_id=165907476854626).
Mas qual a problemática da bandeira? Por que guardá-la?
A pressão do governo chinês sobre o Comitê Olímpico Internacional (“COI”), exitosa em 1979 e que permitiu a participação oficial da República Popular da China nos Jogos Olímpicos a partir de 1984, teve efeito, também, sobre a bandeira do governo de Taiwan. O COI impediu a China Taipei de competir utilizando-se da bandeira vermelha e azul sob o pretexto político de que esta não seria internacionalmente reconhecida. Na verdade, atendiam-se os interesses da “China Popular”, que se recusava a reconhecer a soberania dos governantes de Taipei.
Assim, a delegação da China Taipei compete, até os dias de hoje, com uma bandeira “olímpica”, predominantemente branca, em que há uma flor de detalhes azuis e vermelhos envolvendo o símbolo olímpico. A justificativa do COI para tanto é, simplesmente, o fato de que o governo da “China Taipei” ou “Taipei Chinês”, não integra a ONU, carecendo de reconhecimento político internacional.
Vale ressaltar, contudo, que Kosovo não é um Estado reconhecido como soberano pela ONU, nem pelo Brasil, país sede dos Jogos, mas foi autorizado pelo próprio COI a competir com bandeira própria (inclusive conquistando uma medalha de ouro).
Ainda, como visto, diversos povos, apesar de não serem soberanos, nem terem qualquer reconhecimento internacional, podem ostentar suas bandeiras, a exemplo de Hong Kong, mera região administrativa integrante da República Popular da China. Por que ceder, então, à pressão política, extirpando o direito dos taiwaneses de levantar as bandeiras daquilo que identificam como nação?
Felizmente, por fim, minha amiga contou que, no dia seguinte ao fatídico episódio da bandeira, em um mais um jogo de tênis de mesa da “China Taipei” ou “Taipei Chinês”, ela foi reconhecida e abordada pela mesma voluntária, a qual disse-lhe ter consultado o jurídico do COB a respeito da bandeira de Taiwan.
E o lábaro vermelho-celeste foi autorizado, para delírio dos “chineses de Taipei” presentes.
VICTOR TARGINO DE ARAUJO
Filiado ao IBDD.
Advogado do Sport Club Corinthians Paulista.