Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga ¹
Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
Está em discussão no Congresso Nacional a regulamentação do projeto de Lei que tem como objetivo o reconhecimento, o fomento e a regulamentação dos esportes eletrônicos, os chamados e-Sports. O tema tem sido alvo de acalorados debates entre os que defendem a proposta e os que negam a possibilidade de enquadramento da prática como modalidade desportiva.
O Projeto de Lei do Senado n. 383, de 2017 define o esporte eletrônico (e-Sport) como a prática desportiva em que duas ou mais pessoas ou equipes competem em modalidade de jogo desenvolvido com recursos das tecnologias da informação e comunicação.
O esporte eletrônico abrange práticas formais e não formais, sendo que quando praticado de modo profissional, observará as regras nacionais e internacionais aceitas pelas entidades de administração do desporto.
Em obra pioneira e esclarecedora, o magistrado Ricardo Miguel define os e-Sports como uma “competição de jogos virtuais, realizada de forma organizada e com premiação aos jogadores.”²
Em boa hora a previsão legislativa reconhece que o praticante de esporte eletrônico passa a ser denominado “atleta”.
Em que pese o grau de subjetivismo na interpretação do preceito legal, não será considerado esporte eletrônico a modalidade que se utilize de jogo com conteúdo violento ou de cunho sexual, que propague mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que faça apologia ao uso de drogas, definida em decreto.
Assim como consta na Lei Geral do Desporto do Brasil (Lei n. 9.615/1998), o esporte eletrônico tem como base os princípios fundamentais que regem o desporto, sendo objetivos do esporte eletrônico: 1) a promoção da cidadania, valorizando a boa convivência humana; 2) propiciar o desenvolvimento dos valores educacionais do esporte baseado no fair play, na cooperação, na participação e no desenvolvimento integral do indivíduo; 3) desenvolver a cultura por intermédio da prática desportiva, aproximando participantes de diversos povos; 4) combater o ódio, a discriminação e o preconceito em razão de etnia, raça, cor, nacionalidade, gênero ou religião; e 5) contribuir para o desenvolvimento intelectual, físico e motor de seus praticantes.
Por fim, o esporte eletrônico será coordenado, gerido e normatizado por ligas e entidades nacionais e regionais de administração do desporto, sendo que tais entes poderão ser organizados em federação e confederação.
O Senador Marcos Rogério apresentou emenda ao projeto na qual o quarto princípio do esporte eletrônico passaria a vigorar com a seguinte redação: “garantir o acesso à prática esportiva eletrônica sem quaisquer distinções ou formas de discriminação”
O argumento para alteração é no sentido de que a promoção normativa do direito ao esporte como elemento formador de cidadania o faz de forma positiva, utilizando as expressões “fomentar”, “ampliar”, “assegurar”, “fortalecer” e “potencializar” e não de forma negativa, com listagem específica de “distinções ou formas de discriminação.
O PLS foi encaminhado primeiramente à CCT, para designação de Relator para apreciação da Emenda. Posteriormente, será encaminhado à CE.
Desde o dia 14.08.2019 está pendente de designação de relator para acompanhar o PLS na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática – CCT.
No dia 27.08.2019, a Senadora Leila Barros apresentou requerimento no qual pleiteia a realização de audiência pública para tratar do tema, embasado no art. 58, § 2º, II, da Constituição Federal e do art. 93, II, do Regimento Interno do Senado Federal, com a participação da Subcomissão Permanente sobre Esporte, Educação Física e Formação de Categorias de Base, com o objetivo de aprofundar a discussão sobre o PLS.
Com efeito, a possibilidade de aprovação do Projeto de Lei trará para a legalidade algo que já acontecia no mundo real. O projeto prevê, inclusive, que os praticantes de e-Sports passem a ser reconhecidos como atletas e, portanto, possam usufruir dos mesmos direitos. Muitos dos praticantes de e-Sports já têm contratos com empresas.
Uma das polêmicas envolvendo o e-Sports é o reconhecimento desta prática como modalidade desportiva. Há quem diga que o e-Sports não pode ser considerado um esporte porque não tem o esforço físico. Antes de se fazer qualquer análise ou estabelecer critérios é importante quer se faça uma contextualização histórica em relação a outras práticas que foram, posteriormente, reconhecidas como esporte. À título de exemplo, há muitas décadas havia a discussão se o xadrez poderia ser reconhecido como esporte. Havia uma crítica muito grande no sentido de que não movimento físico suficiente, por isso, não era possível justificar o xadrez como uma prática desportiva.
Da mesma forma, as críticas relacionadas ao e-Sports são mitos que podem ser derrubados quando se conhece a modalidade. A prática envolve mente, destreza, competição, além de obediência ao regulamento, que é o principal ponto para que um mero jogo seja reconhecido como prática desportiva.
João Lyra Filho, o pai do direito desportivo no Brasil, já considerava a prática do xadrez dentro da modalidade dos esportes da mente. Até hoje a doutrina é utilizada e a atualidade dos ensinamentos impressiona, podendo ser utilizada, pelo menos em parte, ao movimento do e-Sports.
No ano de 1978 foi apresentada ao mundo a Carta Internacional da Educação Física e do Esporte, ocasião na qual nasceu o conceito de esporte contemporâneo, voltado a interesses sociais, integração de povos e de culturas e promoção da paz.
Os e-games, quando televisionados, têm a capacidade de atingir mais de 100 mil pessoas. Esses campeonatos atraem verdadeiras multidões. Existem questões comerciais, tributárias, empresariais que estão por trás dos campeonatos. Por isso, é necessário trazer a modalidade para a legalidade já que existem fontes de receita, emprego e tributos envolvidos.
Além disso, é necessário pensar na saúde física e mental desses jogadores. Com a aprovação do Projeto, será possível disponibilizar um acompanhamento mais próximo e efetivo aos atletas, considerando a existência do desgaste físico para o praticante desta modalidade e, evidentemente, dos desgastes mental e psíquico.
Outro ponto importante é o controle de mensagens de ódio e até mesmo preconceito a esses atletas. Talvez, esse seja um dos maiores desafios, em razão da dinâmica e da velocidade que as mídias sociais propagam mensagens, razão pela qual o controle tem que ser efetivo.
Por fim, outra questão que merecerá atenção diz respeito às consequências do reconhecimento desta prática como esporte. Uma das consequências imediatas será a aplicação do Estatuto do Torcedor que traz deveres e obrigações para os organizadores das competições, além de proteger o torcedor que é todo aquele que está assistindo ao evento, seja na arena ou até mesmo em sua residência pela televisão ou streaming. Será necessário que os organizadores dos campeonatos estejam atentos à esta questão. Além disso, o torcedor que se sentir lesado poderá fazer valer o estatuto do torcedor e reivindicar esta proteção.
Para a melhor compreensão desta prática é necessário se despir de pré-conceitos e encarar uma nova realidade que se apresenta.
¹ Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa, Membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB; Coordenador do Módulo de Direito do Trabalho Desportivo do LLM Trevisan; Professor da CBF Academy; Diretor Jurídico do Club de Regatas Vasco da Gama.
² MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. O enquadramento jurídico do esporte eletrônico – Quartier Latin. São Paulo, 2019 – p. 46