Breves Considerações Sobre a Medida Provisória 984/2020

Felipe Legrazie Ezabella¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD

Na última quinta-feira dia 18 de junho a comunidade jurídica-desportiva foi surpreendida com a publicação da Medida Provisória 984/2020² que alterou a legislação desportiva.

Em breve resumo, a MP alterou 4 (quatro) pontos importantes da legislação desportiva, quais sejam:

  1. O Direito de Arena³, que é o direito de negociar a transmissão de uma partida, passou a ser exclusivo da equipe mandante e não mais de ambas as equipes disputantes;
  2. O percentual de 5% (cinco por cento) sobre a receita de transmissão deve ser repassado aos atletas diretamente pela entidade e não mais através dos sindicatos de atletas profissionais;
  3. Até o final de 2020 o período de vigência mínima do contrato de trabalho do atleta profissional será de 30 (trinta) dias e não mais de 90 (noventa) dias; e
  4. Foi revogada a proibição das emissoras de rádio e de televisão, inclusive por assinatura, patrocinarem equipes.

Imediatamente após a publicação da novel e inesperada legislação iniciaram os debates entre todos os stakeholders do esporte, em especial do futebol, cada um desenvolvendo argumentos favoráveis ou contrários às mudanças, especialmente sobre a questão envolvendo o Direito de Arena.

Nossa opinião sobre o tema é um pouco peculiar. Defendemos sempre o debate, a discussão, as propostas e as contrapropostas. Temos que examinar sempre todos os pontos de vistas, os exemplos dos demais países, sobretudo os que têm sistemas similares ao nosso e fazer as mudanças sempre pensando na indústria esportiva, nunca pontualmente.

Aí que vemos o problema da Medida Provisória.

Temos que discutir o sistema, publicamente, com a opinião de clubes, atletas, federações, confederações, emissoras de rádio, de televisão, jornalistas, treinadores, patrocinadores, enfim, ANTES da mudança.

Logicamente que o debate também deve acontecer depois de cada mudança, até porque, nessa área de direitos de televisão, são diárias as inovações e possibilidades tecnológicas.

Mas o que gostaríamos de passar aqui é que não convém que num país democrático, com duas casas legislativas em perfeito funcionamento onde tramitam um sem-número de projetos de lei sobre o esporte, uma mudança repentina no sistema que vige desde 1973 aconteça na calada da noite, sem debate prévio.

Da noite para o dia, em tweets de 200 caracteres surgiram especialistas sobre o sistema de transmissões mexicano ou o português, esquecendo-se que antes de pensar em tais sistemas temos que averiguar a legalidade, a constitucionalidade da referida Medida Provisória!

A Medida Provisória é prevista no artigo 62 da nossa Carta Magna 4 . Os requisitos para a sua edição são apenas dois: relevância e urgência. Determinado tema, tendo relevância e urgência e não se enquadrando nos temas proibidos previsto no parágrafo 1º, pode ser objeto da MP que desde a publicação passa a ter força de lei. E ainda, tem eficácia até a deliberação no Congresso Nacional, com um prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por igual período.

A questão que colocamos, além da ausência do debate prévio sobre a mudança, é sobre a relevância e a urgência.

Logicamente é um tema relevante. Os valores recebidos a título de direitos televisivos são as principais fontes de receita de clubes, federações e confederações.

E logicamente não é um tema urgente para uma Medida Provisória uma vez que não há qualquer justificativa plausível para a mudança, estando as principais equipes e torneios juridicamente cobertos com acordos válidos e vigentes por mais um longo período.

Qual a urgência de se alterar um sistema vigente desde a Lei nº 5.988 de 1973 5 , sistema que passou pela Lei Zico 1993 (Lei nº 8.672/93) e pela Lei Pelé em 1998 (Lei nº 9.615/98) e suas diversas alterações (Lei 12.395/11; Lei 13.155/15) sem qualquer estudo ou justificativa prévia?

A única justificativa existente no texto da Medida Provisória é a que fala que está sendo editada “em razão da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19”.

Como dito antes, não somos contrários a qualquer mudança. Muito provavelmente um sistema vigente desde a década de 70 precise mesmo de uma alteração, uma oxigenada, um banho de modernidade, de tecnologia, de inovação. Mas o caminho é tão, ou até mais, importante que a chegada.

Das quatro principais mudanças propostas, a única que efetivamente pode ser enquadrada como relevante e urgente é a referente à possibilidade de o período de vigência mínima do contrato de trabalho do atleta profissional ser de 30 (trinta) dias e não mais de 90 (noventa) dias. Isso porque são muitas as competições suspensas e a faculdade de se contratar por um menor período pode facilitar as suas conclusões. As demais poderiam muito bem esperar o processo legislativo ordinário.

* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do(a) Autor(a) deste texto.


¹ Advogado; Bacharel, Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo; Sócio fundador e Conselheiro do IBDD.

² Texto integral pode ser acessado em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-984-de-18-de-junho-de-2020-262234310

³ Direito de arena nada mais é do que o direito conferido às entidades de prática desportiva, e não aos atletas, de negociar a transmissão ou retransmissão das imagens de qualquer evento de que participem. Clubes detêm todos os direitos relativos à imagem coletiva espetáculo, com a exceção dos flagrantes para fins jornalísticos. Os atletas somente terão direito a um percentual do que for negociado. EZABELLA, Felipe Legrazie. O direito desportivo e a imagem do atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006.

4 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º,

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;

III – reservada a lei complementar;

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

 § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.

5 O artigo 100 da antiga lei dos direitos autorais regulamentou a questão pela primeira vez: Art. 100. A entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga.