Roberto Vasconcellos – Vice-Presidente Jurídico do Clube Atlético Mineiro, Vice-Presidente do Instituto Mineiro de Direito Desportivo – IMDD – e Professor de Direito Desportivo na FEAD.
“I would give all my fame for a pot of ale, and safety.” (Shakespeare – A Vida do Rei Henrique V, Ato III).
A bebida alcoólica é conhecida do homem muito antes do pão e a ela tem se atribuído prazeres, comportamentos refinados, um certo “savoir faire” e, até mesmo, medicamentos, daí porque é chamada por alguns de “aqua vitae”.
No Brasil, fato notório, o líquido fermentado mais consumido é a cerveja, preparada a partir de cereais, geralmente a cevada. A sua ingestão está tão intimamente vinculada ao lazer do cidadão que muitos a consideram como um direito subjetivo público, inclusive nos locais onde são realizados os eventos desportivos.
A defesa desse pretenso direito – nos locais onde são realizados os eventos desportivos – é equivocada, haja vista que se aplica com um único fundamento para duas realidades radicalmente diversas: a ingestão moderada da “cervejinha” como forma de lazer e o seu consumo pelo torcedor enquanto assistente presente do espetáculo.
Isso porque, como é do conhecimento de todos, apesar de considerada uma droga lícita, o álcool irreverentemente absorvido torna-se tóxico, perigoso e agressivo ao organismo, causando, dentre outros sintomas, euforia desmedida, depressões, excitações e alucinações.
Anote-se que, no caso do torcedor partícipe do evento desportivo, antes, durante e após a realização das partidas, ele tem estatutariamente garantido direito à segurança e à qualidade dos produtos vendidos no local (Lei nº 10.671, de 15.05.2003).
Portanto, levando-se em consideração que a missão fundamental da lei é garantir a convivência ordenada e pacífica do plano de vida coletivo, resta patente a falta de coerência harmônica entre os direitos assegurados aos torcedores partícipes do evento esportivo e a permissibilidade legal para o consumo da bebida alcoólica nos estádios e ginásios, ainda mais quando se contrapõem a isso tudo as reiteradas declarações das nossas autoridades no que diz respeito ao percentual expressivo das ocorrências policiais relacionadas à ingestão do álcool.
Não à-toa, a Assembléia paulista, com fundamento na Constituição Federal, que permite ao Estado-membro legislar, concorrentemente, sobre direito econômico (art. 24, I), produção e consumo (art. 24, V) e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII), editou a Lei nº 9.470, de 27.12.1996, que, dentre outras disposições, proibiu a venda, a distribuição ou utilização de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e ginásios de esportes, a um raio de 200 (duzentos) metros de distância das suas entradas (arts. 5º, I, e 6º).
Vale o registro de que, no território nacional, a Lei nº 6.368, de 21.10.1976, embora não proibisse a comercialização das bebidas alcoólicas, obrigava, dentre outros, também os dirigentes de estabelecimentos recreativos e esportivos, nos recintos ou imediações de suas atividades, a adotarem, de comum acordo e sob orientação técnica de autoridades especializadas, todas as medidas necessárias à prevenção do uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física.
Atualmente, a Lei nº 11.343, de 22.08.2006, de maneira mais ampla ainda, dispõe como um dos princípios do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – “a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados;”.
Comparativamente, é interessante citar a Lei portuguesa nº 38, de 04.08.1998, sobre medidas preventivas e punitivas em caso de manifestações de violências associadas ao desporto, que permite às autoridades policiais submeterem “ (…) a testes os indivíduos que, manifestando comportamentos violentos ou que possam pôr em perigo a segurança do espetáculo, apresentem indícios de estarem sob a influência do álcool, devendo ser vedado o acesso a recintos desportivos àqueles cujos testes se revelem positivos e a todos os que recusem submeter-se aos mesmos.”.
Em conclusão, se, por um lado, o dirigente da associação desportiva brasileira deve se dedicar com afinco para obter as receitas extraordinárias auferidas nos prélios de que participa a sua agremiação, indispensáveis para o financiamento das atividades clubísticas, temos que, por outro lado, é um dever legal imposto a ele se empenhar para proporcionar aos torcedores um espetáculo sadio e seguro, o que, indubitavelmente, implica no apoio à proibição da venda, distribuição ou utilização de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e ginásios de esportes, de resto iniciativa do Estado de São Paulo que deveria inspirar a todos os legisladores brasileiros, sem exceção.