Caso Portuguesa: Kelsen?

O “Caso Portuguesa” ainda está rendendo calorosos debates, inclusive depois de uma liminar deferida pela Justiça Comum.

Algumas manifestações favoráveis ao clube paulista – respeitáveis – se apresentam – é a nossa percepção – permeadas por um grau de certeza que faz tudo parecer fácil, óbvio.

A nova tese – já foram várias – se baseia na pirâmide de Kelsen, ou seja, na hierarquia das normas, assim, como o Estatuto do Torcedor é lei federal e o CBJD uma resolução do CNE, vale o Estatuto. A tese é apresentada como uma “certeza matemática”.

Não temos a ousadia de contrariar ou negar Kelsen, mas não acreditamos que tudo seja tão elementar como vem sendo apresentado.

Assim:

a)      Se a Constituição Federal outorga legitimidade e competência material a Justiça Desportiva; Se a Lei Pelé (Lei Federal) outorga ao CNE competência para elaboração do CBJD; Se a Lei Pelé (Lei Federal) diz que a organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas nos Códigos de Justiça Desportiva; se o Decreto regulamentar da Lei Pelé que é de 2013, diz que a Justiça Desportiva é regulada por ele, pela Lei Pelé e pelo CBJD, SILENCIANDO-SE com relação ao Estatuto do Torcedor, a “análise matemática” sobre a Teoria de Kelsen fica ou é tão simples assim?

 

b)      Quando o EDT fala que as “decisões proferidas pelos órgãos da JD devem ter a mesma publicidade que a decisões dos tribunais federais” significa condicionamento dos efeitos jurídicos da decisão? Qual o fundamento legal?

 

c)        Seguindo o raciocínio da questão “b”, se na Justiça Comum, decisão em audiência a intimação é imediata, e note-se que o Código de Processo Civil também garante a publicação dos atos processuais e decisões no órgão de publicação dos atos oficiais, qual o fundamento lógico e jurídico para que isso não tenha validade na Justiça Desportiva, principalmente se o torcedor não tem legitimidade para praticar atos processuais no processo desportivo?

 

d)      Segundo o EDT, as decisões dos órgãos da Justiça Desportiva devem ter a mesma publicidade que a decisões dos tribunais federais, logo, por que as decisões dos órgãos da Justiça Desportiva também não podem ter a mesma efetividade das decisões dos tribunais federais dadas em audiência, que prescindem de publicação no DO? É o Estatuto do Torcedor que teria que regular isso? Ou o silêncio – eloquente? – do Estatuto do Torcedor sobre essa questão revela que não há conflito com artigo 133 do CBJD, já que a Justiça Desportiva é regulada pela Lei Pelé, Decreto 7984/13 e pelo CBJD?

 

e)       O torcedor em nome próprio pode defender direito alheio? O Código de Processo Civil diz que a lei precisa permitir isso expressamente, logo, onde está a previsão legal expressa que autoriza o torcedor a defender, de forma indireta, os direitos privativos de um clube?

 

A busca de respostas por meio de uma hermenêutica lógica, razoável, que mantenha a harmonia e a credibilidade do sistema jurídico como um todo, inclusive com as especificidades do Direito Desportivo, não dá espaço para obviedades, ilações ou “achismos”, sendo preciso um enfrentamento direto e profundo de todas as questões postas.

No Direito, “Se você não tem dúvidas, está mal informado.” (Mário Sérgio Cortella)

 

Edio Hentz Leitão – Advogado. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela UGF. Pós-Graduado em Direito Desportivo pela UNIFIA/IIDD. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Jundiaí/SP.

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