A Formação do Atleta como Ferramenta do Desenvolvimento Humano

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Mauro Silva
Vice-presidente da Federação Paulista de Futebol, campeão mundial com a Seleção Brasileira em 1994, Bola de Ouro do Campeonato Brasileiro em 1991 e melhor jogador da história do Deportivo La Coruña.

O esporte tem o poder de mudar o mundo. Tem o poder de inspirar, tem o poder de unir as pessoas de um jeito que poucas coisas conseguem
Nelson Mandela

O esporte é, sem qualquer dúvida, uma das maiores potências em termos de projeção e reconhecimento profissional. Porém se engana quem desassocia todo esse movimento da evolução acadêmica e desenvolvimento humano. E posso afirmar com certeza: eu sou a prova viva disso.

Quando jovem, a minha mãe, já viúva e mãe de três filhos, fez uma exigência para que eu pudesse iniciar a minha trajetória no futebol: eu não poderia parar de estudar. Coloquei o meu compromisso com a minha educação em destaque desde cheguei no Guarani, em Campinas/SP, clube em que iniciei a minha carreira em 1986, onde fui acolhido numa entidade muito estruturada.

A organização do clube permitiu com que todos os cuidados com o meu desenvolvimento, quer seja enquanto atleta ou quanto indivíduo, fossem tomados de maneira consciente, possibilitando as melhores condições de saúde, nutrição, acompanhamento psicológico e, especialmente, planejamento acadêmico.

A formação integral que tive no clube me permitiu alcançar níveis de desenvolvimento como atleta de alto rendimento, em que tive a oportunidade de traçar todo um caminho que me levou ao sonhado Mundial, ápice da carreira de um jogador de futebol. O ponto mais importante, contudo, foi a preocupação constante com as ferramentas de desenvolvimento humano que sempre caminharam em paralelo. Ouso dizer que, sem esse fator, jamais poderia ter tido a chance de alcançar patamares tão elevados.

É ínfimo o percentual de atletas não profissionais, das categorias de base dos clubes, que irão, efetivamente, seguir a carreira no futebol profissional. Após os seus 20 (vinte) anos completos, os atletas podem continuar as suas carreiras, para disputa de competições oficiais e não amadoras, somente se os clubes os profissionalizem, posto que, a partir desta idade, já não será permitida a manutenção do status de atleta não profissional. Quem serão esses atletas para a sociedade? Qual o futuro se pode prometer para esses jovens?

Infinitos são os questionamentos, a única certeza que se pode ter é da necessidade de evidenciar o papel das entidades de prática desportiva em formar cidadãos, para além da atividade esportiva.

Um esportista de excelência é aquele que compreende em sua trajetória um desenvolvimento integral de alto rendimento. Isso é, priorizar em essência a formação humana como pilar básico da construção cognitiva e física de um atleta bem-sucedido. Dentro e fora de campo, a tomada de decisões exige rapidez, eficiência e consistência. Assim, quanto mais consciente do seu papel, constante com os estímulos acadêmicos, e fisicamente preparado esse atleta estiver, melhores decisões ele estará apto a tomar.

O futebol auxilia, conforme comprovado por diversos estudos, no desenvolvimento do pensamento estratégico, na interação social, no trabalho em grupo. Portanto, o melhor desenvolvimento integral do atleta permite que ele aplique também fora de campo os seus aprendizados. Ao caminharem lado a lado, o esporte e a educação permitem que o atleta leve para a sua vida uma grande herança: a perspectiva de futuro.

A boa formação do atleta possibilita o desenvolvimento do indivíduo de diferentes formas, desde o aspecto da comunicação interpessoal – uma vez que o atleta precisa ter boa capacidade para transmitir mensagens, dar entrevistas e se relacionar com os demais stakeholders do futebol –, até mesmo o da liderança, passando pela necessidade de se ter conhecimentos básicos sobre Direito e Finanças.

Tal como se faz no mundo corporativo, ao pensar em uma análise SWOT, técnica usada para identificar forças, oportunidades, fraquezas e ameaças no desenvolvimento de pessoas e projetos, ao fazer uma breve analogia com o futebol, todos os pilares básicos de um bom planejamento estratégico da carreira de um atleta estariam comprometidos sem o equilíbrio de uma prestação digna e consistente da estrutura educacional, técnica, organizacional, médica e psicológica.

Como bom exemplo, atletas de alta performance costumam ter a sua remuneração baseada no seu desempenho esportivo, entretanto, os dividendos recebidos não se resumem ao salário, mas também pela exploração da sua imagem, que recai na preocupação em preservar uma boa reputação, uma boa imagem perante o seu público, e o posicionamento diante de causas relevantes como um todo à sociedade. Nesse sentido, até mesmo para amplificar o potencial de gerar receitas para si e para o próprio clube em que está inserido, cabe ao atleta tornar-se relevante para além das quatro linhas do gramado.

É importante, ainda, lembrar que não se pode perder de vista que os atletas de alto rendimento são inspiração para jovens de substrato social pouco (ou nada) privilegiado, que se veem representados, assimilando que existe a possibilidade de quebrarem barreiras, uma vez que existem oportunidades que vão além daquelas oferecidas no seu meio de convívio. Já passou da hora de o futebol entender o seu papel na sociedade e a sua voz ativa como potencializador de talentos e pessoas.

É fundamental que os esportistas tenham noção do papel que ocupam na sociedade e da importância da educação permanente e continuada deve ter em suas vidas. Assim como é uma responsabilidade social do clube educar e formar cidadãos, criar bons pais, boas mães, boas pessoas, bons exemplos, bons cidadãos, há uma responsabilidade de todos os operadores desse mercado garantir que o futuro desses atletas não se resumirá somente ao campo de futebol, até mesmo considerando a curta duração da carreira de atleta.

A metodologia do futebol, com o devido estímulo técnico e motor, ensina o atleta a ser um bom profissional em qualquer setor. As habilidades sociais e a superação dos próprios limites, trabalhados durante a prática desportiva, acabam fazendo parte da personalidade do atleta. Assim, a sua visão de mundo se amplia e se fortalece.

A formação esportiva e a formação acadêmica devem andar alinhadas, possibilitando o desenvolvimento humano. Essa mentalidade me permitiu ficar na Seleção Brasileira por 11 anos, somados a mais 13 anos na Europa, atuando no Deportivo La Coruña, e, principalmente, me permitindo com competência e discernimento, trazendo a experiência de dentro do campo, persistir e compartilhar conhecimento, hoje, fora, como gestor e vice-presidente da Federação Paulista de Futebol.

Eu acredito nesse processo e tive a oportunidade de aplicá-lo durante toda a minha vida. Por isso defendo que o futebol é uma ferramenta de transformação do mundo, defendo o desenvolvimento humano por meio do esporte e defendo a luta diária por um futuro melhor para os atletas brasileiros. Nesse caminho, vou além! Vamos transformar essa filosofia em realidade para mais e mais clubes no Brasil.

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