CLÁUSULA INDENIZATÓRIA DESPORTIVA NA HIPÓTESE DE DISPENSA DE ATLETA DE FUTEBOL POR JUSTA CAUSA: DEVIDA OU NÃO?

Leonardo de Oliveira Maximo¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

O Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD) reveste-se de uma série de particularidades que o diferencia de outras avenças de natureza trabalhista. Dentre as singularidades a ele inerentes, a extinção do pacto laboral figura como instituto peculiar, que segue normas bastante próprias. Desde o prazo determinado do contrato de trabalho (art. 30 da Lei nº 9.615/98) – em oposição à regra geral da continuidade indeterminada do vínculo no tempo – à composição das verbas indenizatórias, há um universo de especificidades que hão ser observadas.

O art. 28, § 5º, da Lei nº 9.615/98 dispõe que o vínculo desportivo do atleta, por ser acessório ao vínculo empregatício, dissolve-se nas ocasiões em que este segundo se extinguir. Passa, assim, a enumerar as circunstâncias em que referida cessação do contrato de trabalho pode se operar. São elas:

– Término da vigência do contrato de trabalho ou seu distrato;

– Pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou compensatória desportiva;

– Rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva pagadora;

– Rescisão indireta nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista;

– Dispensa motivada do atleta, na ocorrência de hipóteses de justa causa praticada pelo mesmo.

No tocante a esta última circunstância, emerge uma curiosa (e preocupante) constatação: a de que a Lei nº 9.615/98 simplesmente não traz previsão legal para a ocorrência de justa causa do trabalhador. Com efeito, a Lei nº 6.354/76, que precedeu a Lei Pelé na disciplina do regime jurídico dos atletas profissionais (os de futebol, especificamente), trazia comandos específicos acerca da matéria, estabelecendo hipóteses próprias de ocorrência da justa causa, inclusive preceituando a eliminação do atleta do futebol nacional.

Não obstante, a Lei nº 12.395/2011, ao introduzir uma série de alterações à Lei Pelé, determinou, em seu art. 19, a revogação integral da Lei nº 6.354/76. Assim é que, por disposição direta e literal de lei, eliminou-se a disciplina específica da extinção do contrato de trabalho por justa causa para atletas de futebol.

Por certo, a doutrina e jurisprudência entendem, de forma assente, a possibilidade da aplicação subsidiária do art. 482 da CLT à matéria. Utilizam-se, portanto, as causas gerais de demissão por justa causa também no tratamento da modalidade específica que é o contrato especial de trabalho desportivo.

Diante, porém, da lacuna legislativa própria, exsurge a questão: caso o atleta passe a praticar os atos previstos no art. 482 da CLT, dando azo, assim, à dispensa por justa causa, o cometimento de tal justa causa daria azo à cobrança, pelo clube, da cláusula indenizatória desportiva, prevista no art. 28, I, da Lei nº 9.615/98?

A resposta seria afirmativa, segundo parte da doutrina e jurisprudência. Leia-se o entendimento do Ministro Alexandre Belmonte² sobre o tema:

“Se na transferência de um clube para o outro o primeiro tem direito a uma indenização por abandono de serviço, da mesma forma o clube também deveria ser indenizado se ocorrem um dos casos de despedida por justa causa previstos na CLT. Se o atleta deu causa ao término do contrato, ele tem que pagar a cláusula indenizatória, disciplinada no artigo 28 da Lei Pelé”

A corrente que escora a interpretação supra exposta baseia-se no conceito da cláusula indenizatória desportiva como instrumento de ressarcimento ao clube pela extinção antecipada do contrato de trabalho, decorrente da atuação do atleta. Lembre-se que tal verba é vista como pacificamente devida quando ocorre uma das hipóteses do art. 28, I, a e b, da Lei nº 9.615/98: transferência do jogador para outra entidade na constância da pacto laboral presente, ou retorno do mesmo às atividades em outro clube no prazo de até 30 meses.

Em que pese a referida inteligência, parte da doutrina entende em sentido contrário. Baseia-se na noção de que a dispensa por justa causa será sempre, em última análise, uma faculdade do empregador. Ao fazer uso de seu poder disciplinar e efetivamente fulminar o contrato de trabalho em razão de uma das hipóteses do art. 482 da CLT, o clube está optando por exercer uma possibilidade que lhe é ofertada pela lei, mas jamais imposta. Ou seja, quem demite em casos de justa causa é sempre o empregador, nunca o empregado (a este assiste a rescisão indireta, tratada em artigos outros da legislação). Este segundo pode, de fato, haver cometido atos sobejamente reprováveis e que abalam a relação laboral, estremecendo o vínculo de confiança indispensável a uma convivência saudável. Todavia, ainda assim, quem ultima a dispensa motivada e sepulta a relação de trabalho, nesta circunstância, é o empregador, por meio de opção que a ele assiste exclusivamente.

Buscando dirimir as dúvidas suscitadas pela lacuna legislativa, o Senado Federal apresentou, em 2014, o Projeto de Lei do Senado nº 109/2014, que tratava justamente de da dispensa motivada do atleta e da cláusula indenizatória a ela referente. Basicamente, o projeto propunha que a justa causa cometida pelo atleta daria ensejo ao pagamento de cláusula indenizatória desportiva ao clube, tendo seu valor, nesta circunstância, limitado ao que o próprio jogador receberia em condições idênticas. Inobstante a iniciativa legislativa, a tramitação do referido Projeto de Lei foi encerrada em 21.12.2018, com seu arquivamento ao final da Legislatura.

Por outro lado, o projeto de nova Lei Geral do Esporte prevê, em seu art. 87, § 6º, que “a dispensa motivada do atleta profissional acarreta a obrigação de pagar o valor da cláusula indenizatória esportiva à organização esportiva empregadora”. Responde, destarte, de forma literal ao questionamento, atribuindo ao trabalhador a obrigação de indenizar ao clube.

Não obstante, enquanto não houver tramitação definitiva do projeto de lei em comento, a questão restará por ser decidida de acordo com o caso concreto, e segundo o entendimento do julgador. 

 Referências

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¹ Advogado, Sócio Fundador da Movement Football Management. ChiefCommercial Officer da E-Flix. Coordenador da Pós Graduação em Negócios do Esporte e Direito Desportivo do CEDIN. Coordenador regional do IBDD em MG.

² BELMONTE, Alexandre Agra. Lei Pelé deixou coluna sobre demissão por justa causa. Disponível em :[http://www.conjur.com.br/2013-jun-16/nao-previsao-legal-demissao-atletas-justa-causa-lei-pele]. Acesso em: 01.10.2015

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