Com dinheiro, mas sem formação, esportes olímpicos têm mais desafios que futebol no Brasil

Com mais investimentos, mas persistentes problemas na formação de novos atletas e na gestão das federações, o esporte olímpico brasileiro enfrenta desafios ainda maiores do que os do futebol nacional.

Na esteira da derrota humilhante para a Alemanha nas semifinais daCopa do Mundo, ganhou força o debate sobre reformas no processo de formação dos atletas do futebol. Mas essa é uma discussão conhecida em outras modalidades esportivas no país.

Um ano e meio antes da Olimpíada do Rio-2016, especialistas e profissionais ouvidos pela BBC Brasil dizem que, apesar do aumento do investimento financeiro e da melhoria de infraestrutura, os problemas persistem.

“Estamos olhando para o exemplo da Alemanha no futebol, mas há também países como o Irã, que não tem tradição nenhuma no vôlei e agora está entre os dez melhores do mundo”, disse à BBC Brasil Marco Antonio Bortoleto, professor e pesquisador de Educação Física da Unicamp.

“A questão é que outros países investem muito nas categorias de base e a consequência são resultados maiseficientes no esporte de alto rendimento. O que acontece no Brasil agora é que o investimento é muito grande, só que todo verticalizado nas equipes de ponta. Não é falta de dinheiro. É falta de organização, de profissionalização da gestão do esporte brasileiro.”

Procurado pela BBC Brasil, o Ministério do Esporte não respondeu a perguntas sobre como lida com as questões levantadas pelos especialistas ouvidos na reportagem.

Penúria dos pequenos

 

Apesar das diferenças e especificidades de cada esporte, as queixas têm alguns pontos em comum. Uma delas é a falta de mecanismos para fortalecer clubes poliesportivos menores – o que dificulta a formação dos atletas e contribui para um “monopólio de grandes clubes”, que concentram mais investimento.

“Temos cerca de seis a oito clubes poliesportivos tradicionais. Quando, em um país do tamanho do Brasil, eu consigo sintetizar em menos de dez nomes o que é a estrutura do esporte olímpico, isso significa que temos muitos problemas”, diz Katia Rubio, pesquisadora da USP e especialista no esporte olímpico brasileiro.

“Os clubes de modalidades esportivas são empresas que abrem e fecham todos os anos, deixando de contribuir para a evolução da modalidade e fazendo com que o atleta seja um nômade, o que também traz consequências pessoais ruins.”

Profissionais de modalidades como judô e ginástica artística apontam como problema o “sequestro” de atletas consagrados em clubes menores pelos grandes clubes.

“Eles pegam os atletas de outros Estados e levam para seus clubes. Então não conseguimos formar bases em Estados fora desse eixo”, disse à BBC Brasil Expedito Falcão, técnico da judoca piauiense Sarah Menezes, medalha de ouro em Londres 2012.

“Depois que Sarah se tornou campeã olímpica, nossa intenção é que ela deixe um legado para o Piauí. Hoje está sendo construído em Teresina um centro de lutas que será um dos melhores da região. Mas só conseguimos isso porque Sarah é campeã e o estado tem uma referência esportiva”, afirma.

Para Marcos Goto, técnico do ginasta Arthur Zanetti, também medalhista de ouro em Londres, os clubes de pequeno porte ficam “a ver navios” pela falta de uma normativa que inclua, no contrato com os atletas, uma compensação ao seu clube de origem pelo investimento em sua formação.

 

“Se o atleta ficou dez anos no clube, quem o contrata tem que pagar por isso também. Quando o atleta tem oportunidade de ganhar um pouco mais, naturalmente vai. Mas se o seu clube original é um formador de atletas desde a base até o alto nível, ele precisa ter condição de formar outros. Quem consegue (os recursos da) lei de incentivo e os investimentos do governo são os grandes clubes”, disse Goto à BBC Brasil.

Ele admite que aumentou, nos últimos anos, o investimento na infraestrutura dos clubes menores de ginástica. Os recursos chegam do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), do Ministério de Esporte e das prefeituras das cidades que são pólos de treinamento, como São Caetano do Sul, onde treina Zanetti.

No entanto, ele diz que o trabalho feito até agora ainda não é suficiente para garantir a renovação das equipes para os próximos ciclos olímpicos.

“As mudanças são pequenas, mas estão acontecendo. Você já tem muitas entidades trabalhando com ginástica hoje no Brasil, mas não tem muitos clubes trabalhando com alto nível. A nossa safra para 2020 e 2024 vai ser fraca, não temos muitos atletas”, afirma.

Esporte x Educação

Ao contrário do futebol, cuja popularidade no país garante um fluxo de novos atletas para as equipes, as modalidades mais dependentes da estrutura de clubes criticam o que dizem ser um esvaziamento do esporte escolar.

“Não temos uma cultura de esporte na escola e nem universitário. Temos um grande celeiro de atletas, mas todos formados em clubes. Em outros países, a escola é um diferencial. É da quantidade que se tira a qualidade”, disse Rosicleia Campos, ex-judoca e atual técnica da seleção brasileira de judô feminino, à BBC Brasil.

“O judô está conseguindo fazer a formação de base, mas de uma forma meio torta. Os projetos sociais são o nosso celeiro, muito mais do que as escolas ou universidades.”

Contar com os projetos sociais para a identificação de novos talentos do esporte é comum, mas depender deles pode ser perigoso para um projeto de longo prazo, segundo Marco Antonio Bortoleto. “Estamos delegando o futuro do nosso esporte – a educação esportiva – a um conjunto de ONGs. E uma ONG pode desaparecer a qualquer momento, quando uma empresa não quer mais apoiar. Isso é o que mais acontece no Brasil.”

Segundo dados do Ministério do Esporte, parcerias com o Ministério da Educação tem garantido o espaço do esporte no currículo de escolas brasileiras. O programa Atleta na Escola, que começou em 2013, capacita professores e monitores de quase 45 mil escolas privadas e públicas do país a selecionar estudantes em modalidades como atletismo, judô e vôlei para a etapa nacional dos Jogos Escolares da Juventude, organizada pelo COB.

Os Jogos, financiados com recursos da lei Agnelo Piva, são a única contribuição direta do COB ao esporte escolar no país e revelaram recentemente talentos como Sarah Menezes e Mayra Aguiar, judoca também medalhista em Londres 2012.

Apesar de ser obrigado a destinar 10% dos recursos que recebe da Loteria Nacional ao esporte escolar e outros 5% ao esporte universitário, a principal atribuição do Comitê Olímpico Brasileiro é lidar com o esporte de alto rendimento. No entanto, de acordo com o diretor do COB, Marcus Vinícius Freire, o órgão está “tentando colaborar” com o desenvolvimento do esporte escolar.

“O mundo inteiro tem problemas na base e cada um tem a sua receita. Eu visitei as escolas de Cuba, as peneiras de atletas da China e fui conhecer o modelo universitário dos Estados Unidos. Estamos estudando todos eles, mas esse papel é do governo, do estado, do município”, disse Freire à BBC Brasil.

“Fazemos a identificação dos talentos pelos Jogos Escolares, mas entendemos que as etapas de confirmação e de desenvolvimento do talento são um papel das federações. Quando recebemos o direito de receber a Olimpíada, assumimos também um pouco essa parte. Estamos desenvolvendo um plano.”

Para o técnico de atletismo Aristides Junqueira, que treina o saltador Mauro Vinícius da Silva, o investimento nas competições escolares não rende o esperado, se o acesso de crianças e jovens à educação física escolar estiver sob ameaça.

“Temos no Brasil um paradoxo: a Caixa e o Ministério do Esporte estão investindo no trabalho de formação em alguns clubes e cidades, mas, na mesma proporção, o Ministério da Educação está acabando com a educação física na escola”, disse à BBC Brasil.

“O número de aulas está diminuindo e agora elas podem ser até teóricas. Secretarias estaduais de Esporte ajudam atletas com bolsas, mas secretarias de Educação acabam com incentivos para que o professor treine o atleta nas escolas. O COB organiza os campeonatos juvenis e escolares, mas o número de estudantes que as escolas inscrevem tem caído.”

Um debate semelhante acontece na Grã-Bretanha, onde uma das promessas do governo para o legado da Olimpíada de Londres 2012 foi fomentar o esporte de base no país (ver quadro).

Grã-Bretanha tenta manter legado esportivo de Londres 2012

O governo britânico divulgou o segundo relatório anual de ações destinadas a manter o legado esportivo dos Jogos de 2012 aos esportes de base. Conheça algumas delas:

No início de 2013, todas escolas primárias públicas receberam o repasse de 150 milhões de libras (R$ 567 milhões). Em novembro, um financiamento extra foi anunciado, elevando o total de aportes para 450 milhões de libras. As escolas devem prestar contas de seus gastos aos pais dos alunos.

Um fundo de 18 milhões de libras foi repassado a 601 escolas primárias do país para melhorar suas instalações esportivas. Muitas delas têm pouca área externa e deverão equipar espaços de atividade física internos.

Um novo programa está treinando 120 professores de educação física para trabalharem como especialistas em suas regiões. Outros 120 serão treinados em 2015.

O Sport England, órgão ligado ao Ministério de Cultura, Mídia e Esporte investiu 91 milhões de libras (R$ 344 milhões) na reforma de 1.600 clubes esportivos locais. Mais 20 milhões de libras para o projeto foram anunciados em março.

Colaborou Fernanda Nidecker, da BBC Brasil em Londres

 

Fonte: BBC Brasil

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