Competição nos Desfiles das Escolas de Samba e o conceito do Desporto

Gustavo Lopes Pires de Souza 

Todos os anos durante o Carnaval, o Brasil Acompanha os desfiles das Escolas de Samba e cada brasileiro torce pela Agremiação preferida. Atualmente, as Agremiações participantes, conhecidas como “Escolas de Samba” movimentam milhões de reais e a disputa nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro são transmitidas ao vivo em rede nacional com ampla audiência.

Neste esteio, até que ponto a competição entre as “Escolas de Samba” pode se enquadrar no conceito de esporte? Para obter a resposta, é necessário identificar os elementos que compõem o conceito de esporte.

Em sentido amplo, conforme exposto na Carta Européia do Esporte (Rodas, 1992) esporte define-se como “todo tipo de atividades físicas que, mediante uma participação, organizada ou de outro tipo, tenham por finalidade a expressão ou a melhora da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados em competições de todos os níveis”.

Neste mesmo sentido dispõe o Manifesto sobre o Esporte elaborado pelo Conselho Internacional para a Educação Física e o Esporte (CIEPS) em colaboração com a UNESCO (México, 1968) que conceitua esporte como “toda atividade física com caráter de jogo, que adote uma forma de luta consigo mesmo ou com os demais ou constitua uma confrontação com os elementos naturais.”

Como se observa, segundo os conceitos amplos de esporte, poder-se-ia considerar desporto praticamente qualquer atividade física. Entretanto, esta conceituação comporta o risco de se desvirtuar o próprio conceito de desporto ao incluir como esporte expressões culturais que não fazem parte da sua autêntica natureza. Ademais, essa perspectiva abrangente de esporte poderia levar a identificá-lo com qualquer atividade física de caráter lúdico, recreativo o que não corresponde à realidade, especialmente desde uma perspectiva jurídica.

Assim, deve-se buscar uma definição que delimite juridicamente os elementos que compõem o fato desportivo, motivo pelo qual em sentido estrito, esporte deve ser entendido como conjunto de atividades físicas institucionalizadas que suponham uma supérflua confrontação ou competição consigo mesmo ou com um elemento externo. Portanto, para uma atividade ser definida como esporte deve possuir:

a). Atividade Física: Manifestação de dimensão externa, física, do homem que compreende qualquer atividade que suponha e exija a participação do sujeito e que suas qualidades físicas, sejam de resistência, potência, elasticidade, agilidade, reflexos, habilidade, destreza, sejam determinantes. Exclui-se do conceito de esporte, portanto, atividades em que o sujeito principal é um animal ou uma máquina, tal como corrida de cachorros.

b). Institucionalização: Conjunto de regras e princípios próprios regulamentados por uma Entidade, tal como ocorre com as Federações de futebol e basquete, por exemplo.

c). Confrontação ou Competição: O elemento agonístico é essencial ao esporte, eis que é inerente ao desporto a necessidade de vencer um obstáculo, intencionalmente assumido, que pode servir para comparação aos demais. Na concepção de confrontação supõe-se a necessária existência de dois elementos, a regulamentação e a possibilidade de se objetivar os resultados, eis que toda competição precisa que os resultados sejam mensuráveis e que suas regras permitam determinar com certeza e exatidão o vencedor.

d). Supérflua: O esporte não é uma atividade útil, pois a atividade física realizada deve ser inócua para satisfazer as necessidades vitais. A finalidade do esporte deve se exaurir em si mesma dentro de limites estabelecidos de tempo e espaço.

Resta, analisar se o Desfile das Escolas de Samba enquadra-se no conceito estrito de esporte.

Pode-se entender existente a atividade física, pois, necessita da atividade intelectual ao elaborarem os temas (sambas-enredos), organizarem as alas, ritmos, danças, coordenando as infinitas possibilidades de movimentos corporais combinados aos elementos de ballet e dança teatral, realizados fluentemente em harmonia com o tema (samba-enredo). Desenvolve-se hamornia, graça e movimentos criativos traduzidos em expressões pessoais através da combinação musical e técnica, que transmitem satisfação estética aos que a assistem.. A atividade intelectual existe em esportes como o xadrez e o bridge (jogo de cartas) e os movimentos corporais na ginástica rítmica desportiva.

A institucionalização decorre do regulamento dos desfiles que estabelece entre outras coisas, o tempo máximo e mínimo do desfile, número de integrantes, carros alegóricos e até critérios para acesso e descenso. Ademais, em várias cidades há órgãos autônomos que organizam os desfiles, como a LIESA (Liga Independente das Escola de Samba) no Rio de Janeiro e a LigaSP (Liga Independente das Escolas de São Paulo).

Durante os desfiles, as “Escolas de Samba” são avaliadas por jurados segundo quesitos previamente estabelecidos no regulamento, vencendo a que obtiver maior pontuaçao total, donde se apreende a confrontação.

Finalmente, as atividades das “Escolas de Samba” são supérfluas, ou seja, não correspondem à necessidades vitais.

A inclusão dos desfiles das “Escolas de Samba” no conceito de esporte possui conseqüências jurídicas relevantes eis que implica na aplicação à competição de Leis atinentes ao esporte como a Lei Pelé, o Estatuto do Torcedor e até mesmo o Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Assim, as “Escolas de Samba” poderiam, por exemplo, receber recursos do Ministério dos Esportes, nos termos do art. 7º, da Lei Pelé, teriam que criar Tribunais de Justiça Desportiva e, ainda deveriam atender às exigências do Estatuto do Torcedor.

Ante o exposto, percebe-se a possibilidade do enquadramento do desfile das “Escolas de Samba” no conceito de desporto, eis que as competidoras precisam ter graça, leveza, beleza e técnicas precisas em seus movimentos, alegorias e adereços para demonstrar harmonia e entrosamento com o samba-enredo, seus componentes e adereços em um ambiente de expressão corporal contextualizada inclusive pelos sentimentos transmitidos através do corpo, das alegorias e das fantasias e pelas capacidades psicomotoras nos âmbitos físico, artístico e expressivo. Por essa reunião de característica pode-se definir os “Desfiles das Escolas de Samba” como esporte-arte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– BARMEJO VERA, José: La irrupción de los nuevos fenômenos deportivos em La ley Del deporte de 1990, em El Volumen “ Las Leyes Del deporte de la democracia: Bases para uma ley Del siglo XXI ´´, dirigido por Nicolás de la Plata Caballero, Ed Dykinson S.L., Madrid, págs. 53 y SS., 2002.
– BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. In: TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé: das proposições à Lei n. 9.615. Brasília: Senado Federal, 1998.
– CARRETERO LESTÓN, J.L (Dir.): El nuevo Derecho deportivo disciplinario, Ed. Laborum, Murcia, 2009.

– REAL FERRER, Gabriel: Derecho Público Del Deporte, Civitas-UA, Madrid, 1991.

Gustavo Lopes Pires de Souza é Coordenador do Curso de Capacitação em Direito Desportivo da SATeducacional. Professor de Organização Jurídica do Esporte no MBA de Gestão em Eventos Esportivos das Faculdades Del Rey. Autor do livro: “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003) Formado em Direito pela PUC/MG, Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Membro e colunista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro do Instituto Mineiro de Direito Desportivo e da Associação Portuguesa de Adepstos Colunista do Instituto de Direito Desportivo da Bahia e do portal “Papo de Bola”. Agraciado com a medalha “ Dom Serafim Fernandes de Araújo” pela eficiência na atuação jurídica. Jurista, Articulista, Advogado licenciado em razão de função pública no TJMG. Professor de matérias Jurídicas no MEGA CONCURSOS, FAMINAS e Arnaldo Jansen.
Para interagir com o autor: [email protected]

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