CONJUGANDO A DIRETRIZ TÉCNICA OPERACIONAL – RETORNO DAS COMPETIÇÕES CBF COM O CBJD. NUANCES E DESAFIOS.

João Marcos Guimarães Siqueira¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

No mês de julho do corrente ano, no intuito de permitir o retorno seguro das competições, a Confederação Brasileira de Futebol publicou a Diretriz Técnica Operacional – Retorno das Competições CBF”, impondo aos participantes a observância de normas básicas de segurança, com o propósito de impedir a disseminação da Covid 19 no ambiente dos estádios de futebol e salvaguardar a integridade física e psíquica de todos aqueles envolvidos no espetáculo desportivo.

Trata-se de comando imperativo emanado pela entidade nacional de administração do desporto (CBF), merecendo a parte introdutória do documento a seguinte transcrição:

“Esta Diretriz Técnica tem como objetivo detalhar e regulamentar os conceitos empreendidos no “GUIA MÉDICO DE SUGESTÕES PROTETIVAS PARA O RETORNO ÀS ATIVIDADES DO FUTEBOL BRASILEIRO”, doravante denominado GUIA, em seu item 13 –Fase de Competições, dentro do escopo das competições coordenadas pela CBF, tendo como foco exclusivo a operação da partida. O início e reinício das competições coordenadas pela CBF, bem como a aplicação deste documento, se darão em estrito alinhamento com as recomendações da Organização Mundial da Saúde, do Ministério da Saúde do Brasil e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Esta Diretriz Técnica se torna parte integrante do Regulamento Específico de cada competição a ser iniciada ou reiniciada sob coordenação da CBF em 2020, permanecendo em vigor, em razão da pandemia da Covid-19, enquanto houver necessidade.”

A norma não é um simples capricho, algo que possa ser ignorado. Decorre, necessariamente, das recomendações emanadas pelo poder público, em especial pelo Ministério da Saúde que no dia 20/03/2020, por meio da Portaria 454 declarou o estado de transmissão comunitária da Covid 19 em todo o território nacional (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-454-de-20-de-marco-de-2020-249091587).

O documento, que é parte integrante do RGC de 2020, fixa premissas e estabelece conceitos bem definidos, na esteira dos capítulos 1 usque 9.

A rigor, o aditamento ao RGC 2020 não é consequência de um movimento isolado da Confederação Brasileira de Futebol. A atividade esportiva profissional, de alto rendimento, vem sendo promovida mundo afora com todas as cautelas necessárias, observada a evolução do quadro pandêmico em cada país.

Segundo disciplina a legislação em vigor, o desporto assenta-se em princípios fundamentais insculpidos no Capítulo II da Lei Pelé, em especial aquele expressamente referido em seu artigo 2º, inciso XI, a seguir transcrito:

Art. 2o O desporto, como direito individual, tem como base os princípios:

XI – da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial;

A segurança não é um bem negociável à luz da norma geral do desporto. O legislador estabeleceu como premissa fundamental e alicerce para o exercício da prática desportiva a integridade física, mental ou sensorial do participante. Trata-se, a rigor, de direito indisponível e sobre o qual não se permite qualquer tipo de renúncia.

Com base nesse princípio é que o Regulamento Geral das Competições do ano de 2020² abraçou integralmente o quesito integridade ao prever em seu artigo 7º, inciso IX o seguinte:

“Art. 7º -Compete ao Clube detentor do mando de campo

IX –zelar pela segurança de atletas e comissões técnicas, árbitros e assistentes, profissionais da imprensa e demais pessoas que estejam atuando como prestadoras de serviços autorizados.”

Tanto o RGC de 2020 quanto a “Diretriz Técnica Operacional – Retorno das Competições CBF” trazem em seu bojo um conceito clássico de responsabilidade civil denominado “culpa in vigilando” que encontra ressonância não só no direito comum, mas também no direito do trabalho, a exemplo das disposições constantes do artigo 932, inciso I do Código Civil³ e Súmula 331[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4], inciso IV do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, c/c artigo 5-A, §º 5 da Lei 6.019/74[5], citadas apenas a título ilustrativo.

Há conclusões insofismáveis advindas da Diretriz Técnica Operacional – Retorno das Competições CBF , quais sejam compete não aos atletas e membros da comissão técnica como também às entidades de prática desportiva a plena observância do protocolo de retorno e segurança emanado pela Confederação Brasileira de Futebol, sob pena de manifesta violação ao Regulamento Geral das Competições do corrente ano.

O conceito de culpa in vigilando não é exatamente uma exclusividade do Brasil, tampouco está restrita ao futebol. No modelo americano, especificamente na NFL, há sinais de convergência com a realidade brasileira. A aplicação de sanções pecuniárias pelo descumprimento dos protocolos de segurança é algo que se nota não só no plano individual (atleta/técnico), como também no âmbito coletivo (franquias), conforme estampa a seguinte publicação jornalística[6]:

“A NFL está mesmo determinada a exigir que as franquias respeitem e sigam à risca os protocolos sanitários durante os jogos por conta da pandemia do coronavírus. Depois de Denver Broncos, San Francisco 49ers e o Seattle Seahawks serem multados por violarem o uso de máscaras no banco durante os jogos da semana 2 da liga, mais dois técnicos foram punidos pelo mesmo motivo. São eles: Sean Payton, do New Orleans Saints, e Joe Gruden, do Las Vegas Raiders.

As franquias que não cumpriram os protocolos receberam multa milionária. Cada time foi punido em US$ 250 mil, cerca de R$ 1,34 milhão. No caso dos técnicos, o valor a ser pago pela infração pessoal é menor, US$ 100 mil, cerca de R$ 539 mil.

Sean Payton e Joe Gruden foram flagrados sem máscara na rodada desta segunda-feira entre New Orleans Saints e Las Vegas Raiders. No final de semana, outros três técnicos já tinham sido punidos: Vic Fangio, dos Broncos; Kyle Shanahan, dos 49ers; e Pete Carroll, dos Seahawks. “

Procura-se através deste artigo, sem prejuízo de toda introdução que o tema mereça, analisar os efeitos disciplinares advindos do não cumprimento do aditamento do RGC trazido à reflexão. Neste contexto, necessária a leitura individualizada de alguns itens da Diretriz Técnica.

Leiam-se os seguintes termos:

(…)

CONCEITOS

  1. PARTIDAS

As medidas aqui estabelecidas levam em consideração que a retomada do futebol se dará sem público. Qualquer alteração nesse quadro será devidamente comunicada e este documento será ajustado se necessário for. Todas as partidas serão realizadas com acesso restrito ao campo de jogo e vestiários, limitado aos funcionários essenciais à administração do estádio no dia do jogo, atletas das equipes e respectivas comissões técnicas, além da equipe de arbitragem, delegados da partida e equipe de controle de dopagem.

(…)

Capítulo 6. Pós-Jogo

4. Coletivas de Imprensa

b. A responsabilidade da gestão das coletivas será do profissional de comunicação de cada clube a quem incumbe, entre outras atribuições, o gerenciamento dos convites virtuais, perguntas, abertura e encerramento;

(…)

“Capítulo 9. Atletas em Campo

– d. Fica proibida a troca de camisa entre atletas;

A norma destina-se em sua essência não só aos atletas, como também às entidades de prática desportiva, a exemplo dos itens 1 e 6 transcritos acima. Há, no entanto, trechos em que a norma pode ser estendida de forma concomitante ao atleta e clube, como é o caso da expressa proibição de troca de camisas constante do Capítulo 9, item “d” da Diretriz.

O atleta, de sua parte, infringe o RGC quando participa da troca de camisas ao fim da partida. O clube, de outro, segue o mesmo caminho quando deixa de fiscalizar o cumprimento do protocolo de segurança por parte dos seus subordinados.

O artigo 191 do CBJ e seus, incisos II e II[7] apresentam-se como verdadeiros guardiões de toda e qualquer deliberação, resolução, ato normativo e regulamento geral da competição. Aplicam-se seus efeitos de forma ampla, irrestrita, tanto ao empregado (atleta ou membro da comissão técnica), quanto ao empregador (entidade de prática desportiva), na medida em que o § 2º do referido dispositivo ressalva a aplicação do caput também às pessoas naturais submetidas ao Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Neste sentido trilham os fundamentos do acórdão da 5ª Comissão Disciplinar, publicado em 16.09.2020 (Processo 129/2020), de relatoria pela Exma. Auditora Alessandra Perez Paiva, em que figurou como denunciado o Sr. Paulo Roberto de Souza Carneiro, presidente do Esporte Clube Vitória, conforme transcrição a seguir:

“Entretanto, em sede de sessão de julgamento capitaneada por esta honrosa 5ª Comissão, ocorrida em 21.08.2020, o Sr. Paulo Carneiro figurou como denunciado em um processo cuja denúncia, EM SÍNTESE, dava conta do não uso de máscara, infringindo, desse modo, as diretrizes técnicas elaboradas pela CBF.

Esse colegiado, por maioria, entendeu, naquela oportunidade, que a retomada das competições era incipiente e que, portanto, SERIA compreensível a adequação PAULATINA ao uso da máscara, razão pela qual foi prolatada em seu favor a absolvição.

(…)

o uso da máscara deve ser adotado como um acessório de contingência para evitar a contaminação pela COVID-19 e a sua propagação e que, portanto, deve ser utilizada. Por essas razões eu mantenho a condenação no artigo 191, inciso III e aplico a multa de R$ 3.000,00 “

Não se nega, contudo, a possibilidade de enquadramento no artigo 258 do CBJD, quando a violação do regulamento é perpetrada por pessoa física justamente pela amplitude do referido tipo desportivo.

Independentemente do exercício jurídico que possa ser feito na leitura e interpretação das normas desportivas aplicáveis a situações delineadas pela Diretriz Técnica da CBF, o momento exige, sobretudo, a conscientização de atletas, corpo técnico e entidades de prática desportiva na salvaguarda do bem inegociável denominado “vida”.

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.


¹João Marcos Guimarães Siqueira – Membro filiado ao IBDD – Instituto Brasileiro de Direito Desportivo; Advogado; Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Basquete; Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Vôlei; membro da International Sports Lawyers Association e Especialista em Direito Desportivo e do Trabalho, Sócio do Escritório Bosisio Advogados.

² https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191210210852_304.pdf

³ Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

[4] CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

[5] Art. 5o-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017.

 § 5o A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017).

[6] https://globoesporte.globo.com/futebol-americano/noticia/mais-dois-tecnicos-da-nfl-recebem-multa-astronomica-por-nao-usar-mascara-a-beira-do-campo.ghtml

[7] Art. 191. Deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento:

PENA (Revogada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

II -­ de deliberação, resolução, determinação, exigência, requisição ou qualquer ato normativo ou administrativo do CNE ou de entidade de administração do desporto a que estiver filiado ou vinculado;

III – de regulamento, geral ou especial, de competição.

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