Contrato de Trabalho Intermitente e sua incompatibilidade com o Desporto

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

              O contrato de trabalho desportivo está situado na área limítrofe do Direito do Trabalho com o Direito Desportivo, em constante simbiose entre a lógica da tutela trabalhista e a lógica que envolve as competições desportivas. 

              A reforma trabalhista está em vigor no ordenamento jurídico brasileiro desde 11/11/2017, com as alterações posteriormente introduzidas pela Medida Provisória nº 808/2017, cuja validade findou em 23/04/2018, para aumentar as incertezas na relação capital e trabalho.

              O contrato especial de trabalho desportivo, em razão de sua natureza, justifica a sua sujeição a um regime diferenciado, razão pela qual as normas trabalhistas gerais terão aplicação subsidiária, desde que não haja incompatibilidade com os princípios gerais do desporto e o vínculo de trabalho desportivo.

     A maioria dos tópicos introduzidos pela reforma guardam pertinência com o desporto, mesmo que com certas nuances e peculiaridades, mas que podem ser aplicados aos contratos especiais de trabalho desportivos.

              Entretanto, no que diz respeito ao contrato intermitente, algumas questões merecem ser abordadas com maior atenção.

              Estabelece o art. 443 da CLT que o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente, enquanto que o parágrafo terceiro do referido artigo conceitua essa modalidade como:

“o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.”

              A forma e as exigências desta modalidade contratual, por sua vez, estão insculpidas no art. 452-A da CLT, ao determinar que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

              Nada obstante a expressão contida no texto legal “independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”, não se pode perder de vista que a legislação trabalhista somente será aplicada no desporto quando houver lacuna e, mesmo assim, desde que haja compatibilidade.

              O trabalho intermitente tratado na presente lei não é aquele trabalho realizado de tempos em tempos, mas sim o trabalho não habitual, razão pela qual, na presente hipótese não há que se falar em lacuna da legislação desportiva, bem como há manifesta incompatibilidade da prestação de trabalho intermitente com o contrato especial desportivo.

              Nesta mesma linha de raciocínio se posicionou o advogado Rafael Teixeira Ramos² ao afirmar que “não se concebe permitido extrair hermenêutica subsidiária de aplicação do contrato de trabalho intermitente ao contrato de trabalho dos atletas, sendo este uma espécie contratual bem complexa, submetida a especificidades de uma legislação particular que envolve a imbricação da Lei Laboral com a Lex Sportiva.”

              A existência da continuidade é uma das características do contrato de trabalho especial desportivo tendo em vista ser essencial desde a formação do atleta.

              Com efeito, para que um atleta possa se vincular a um clube é necessário que não haja vinculação com nenhuma outra entidade de prática desportiva, até mesmo porque, em termos desportivos, não são admitidos registros de contratos sobrepostos, nos termos do art. 216 do CBJD.

              Deve ser ressaltado que o referido dispositivo não se limita em negar validade ao registro dos contratos, pois o artigo é contundente ao estabelecer sanção para quem celebrar contrato de trabalho com duas ou mais entidades de prática desportiva, por tempo de vigência sobrepostos, levados a registro, sendo que a referida pena é de suspensão de trinta a cento e oitenta dias, podendo ser cumulada com multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

              Trata-se, portanto, de infração desportiva e que também por essa razão é incompatível com o contrato especial de trabalho desportivo.

              Por fim, cumpre trazer à tona os ensinamentos de João Lyra Filho³ que já nos longínquos anos de 1950 ao invocar o doutrinador espanhol Arturo Majada, trazia as peculiaridades do contrato de trabalho desportivo e o definia como um verdadeiro negócio jurídico privado, ou seja, uma modalidade contratual que não estava enquadrada em nenhuma instituição civil delimitada. No seu autorizado entender, atento que estava à natureza jurídica do referido contrato, este deve ser considerado dentro do marco fluido dos contratos mistos ou múltiplos.

              Para o autor espanhol, citado por Lyra Filho, os contratos desportivos estavam incluídos dentro do grupo denominado contratos mistos latu sensu e, dentro desse grupo, no sub grupo dos contratos combinados ou gêmeos, nos quais uma das partes se obriga a várias prestações principais, que correspondem a vários tipos de contratos, enquanto que a outra promete uma contraprestação unitária.

              A divisão em contratos mistos e sub divisão em contratos combinados (ou gêmeos) como forma de enquadramento do contrato de trabalho desportivo deve ser analisada com bastante atenção, pois ajuda a compreender a razão pela qual estamos diante de um contrato diferenciado.

              Nota-se, portanto, que as obrigações dos contratantes são distintas até mesmo na quantidade de contraprestações, o que torna impossível o seu cumprimento se faltasse o requisito da continuidade da prestação de serviços.

              Existe uma vinculação permanente existente entre atleta e entidade de prática desportiva, devendo ser ressaltado que a expressão permanente, neste caso, será compreendida no período de 3 meses a 5 anos, vigência permitida do contrato de trabalho desportivo, contudo, não poderá sofrer solução de continuidade sem que tal fato seja configurado no término da relação contratual.

              Portanto, em que pese o fato do contrato de trabalho do atleta profissional ter um prazo determinado, durante este período ele será eterno, quer seja para o jogador, mas principalmente para o torcedor que irá transpor para aquele profissional as suas perspectivas de glória, o que nos remete ao Soneto da Felicidade do poeta e diplomata Vinícius de Moraes: que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito, enquanto dure.   

              Logo, na medida em que o contrato desportivo, por sua natureza é especial, muitas formas de execução do contrato de trabalho ordinários não serão possíveis quando transportadas para o universo desportivo, por uma questão de bom senso e incompatibilidade com o desporto.   


¹ Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa; Professor à contrato da Universidade La Sapienza de Roma; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, titular da Cadeira n.º 03; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito Desportivo do CFOAB; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados

² Disponível em: https://ibdd.com.br/o-contrato-de-trabalho-intermitente-da-reforma-trabalhista-e-o-contrato-de-trabalho-dos-atletas-questao-subsidiaria/ . Acesso realizado em 29.01.2020.

³ LYRA FILHO, João. Introdução ao Direito Desportivo. 1ª edição. Irmãos Pongetti Editores: Rio de Janeiro, 1952 – p. 317.