Filipe Orsolini Pinto de Souza¹
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, conhecida como Lei Pelé e que já foi bastante modificada desde a sua promulgação, define, em seu artigo 29, parágrafo 6º, que os contratos de formação desportiva devem incluir, obrigatoriamente, a identificação das partes e dos seus representantes legais, a sua duração, os direitos e deveres das partes contratantes, inclusive a garantia de seguro de vida e de acidentes pessoais para cobrir as atividades do atletas contratados, além da especificação dos itens de gastos para fins de cálculo da indenização da formação desportiva.
Embora a observância de todos os requisitos exigidos para a validade dos contratos de formação desportiva seja de extrema relevância, parece ainda mais importante conhecer o caminho a ser percorrido para que um clube possa se legitimar a celebrar o referido instrumento com os seus atletas que sejam maiores de 14 anos e menores de 20 anos de idade.
Com o objetivo de proteger os clubes que investem na formação de atletas, para que possam ter o retorno sobre os investimentos desportiva e/ou financeiramente, bem como para proteger os atletas em formação, especialmente pelas condições dignas para a prática esportiva, sem prejuízo dos estudos e da convivência familiar, o artigo 29, parágrafo 2º, da Lei Pelé indica quais são as entidades de prática desportiva consideradas como formadoras de atletas, que ficam autorizadas a assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo com o seus atletas, cujo prazo não poderá ser superior a 05 anos. Oportuna a ressalva de que a FIFA não reconhece contratos celebrados por prazo superior a 03 anos para atletas menores de 18 anos.
Dentre os requisitos exigidos pela legislação para o gozo dos direitos sobre a autorização decorrentes, o clube deve oferecer a formação gratuitamente e as suas expensas, com programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional, comprovando que o atleta está inscrito por ele na respectiva entidade regional de administração do desporto há, pelo menos, 01 ano, e que o atleta em formação está inscrito em competições oficiais. Deve o clube, ainda, comprovar a participação anual em competições organizadas por entidade de administração desportiva, em pelo menos duas categorias da respectiva modalidade, e cuidar para que o período de seleção não coincida com os horários escolares.
Além disso, o clube deve garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar, mantendo alojamento e instalações desportivas adequados, notadamente em relação à alimentação, higiene, segurança e salubridade, bem como manter corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva.
Outro aspecto relevante diz respeito aos estudos, pois o clube deve ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação, não superior a 04 horas diárias, aos horários do currículo escolar ou curso profissionalizante, propiciando matrícula escolar e exigindo frequência e aproveitamento satisfatório.
Preenchidos todos requisitos legais, caso a entidade de prática desportiva queira se qualificar como clube formador e, portanto, ser autorizada a celebrar o contrato de formação desportiva, deve solicitar a expedição do “certificado de clube formador”, expedido pela entidade nacional de administração desportiva da modalidade. No caso do futebol, a Confederação Brasileira Futebol – CBF descentraliza a certificação dos clubes a partir das suas federações, ou seja, se um clube de determinado estado pretende ser certificado como formador, deve procurar a respectiva federação, que será responsável pelo procedimento, seguindo as diretrizes da CBF.
Ao ser certificado como clube formador, a entidade de prática desportiva pode assinar os contratos de formação desportiva com os seus atletas, concedendo-lhes, inclusive, auxílio financeiro denominado “bolsa de aprendizagem”, sem que seja gerado vínculo empregatício.
Pelo instrumento jurídico do contrato de formação desportiva, que deve ser registrado na respectiva entidade de administração do desporto, o clube tem o direito de assinar com o atleta em formação o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, sob pena de elevada indenização.
Se o atleta fizer oposição à assinatura do primeiro contrato especial de trabalho desportivo ou, ainda, se vincular, de qualquer forma, a outro clube, sem autorização daquele que o formou, deverá indenizar o clube formador em montante limitado a 200 (duzentas) vezes os gastos comprovadamente efetuados com a sua formação, sob pena de não ser permitido o novo registro.
O valor de 200 vezes se mostra, em regra, bastante excessivo, pois está relacionado aos gastos efetuados pelo clube com aquele atleta, desde que devidamente especificados no contrato de formação desportiva, e que abrangem, entre outros, os valores proporcionais da comissão técnica, transporte, alimentação, assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, além da bolsa de aprendizagem.
Como exemplo, se o clube comprova que gastou com um atleta, durante a vigência do contrato de formação desportiva, o valor total de R$ 20.000,00, o que, convenhamos, é algo extremamente factível, a indenização pode alcançar R$ 4.000.000,00. Trata-se de uma quantia verdadeiramente impagável para a imensa maioria dos nossos jogadores e mesmo para os clubes que desejam contratá-los – dificilmente algum clube pagaria esse montante por um jogador que não seja um talento reconhecidamente especial.
Ao exigir que o atleta assine o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, salvo algum outro clube esteja disposto a negociar o valor da multa, a entidade de prática desportiva formadora ainda preserva o direito de preferência para a primeira renovação do vínculo empregatício, que não poderá ser superior a 03 anos, salvo equiparação de proposta de terceiros.
Evidentemente que o exercício do direito de assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, bem como o exercício do direito de preferência, exigem que o clube formador cumpra determinadas formalidades, como notificar o jogador do seu interesse, enquanto na vigência contrato de formação desportiva, e apresentar a proposta relativa ao direito de preferência à respectiva entidade de administração desportiva até 45 dias antes do término do contrato em curso, além de outras etapas que decorrem da possível equiparação.
É verdade que a vontade do jogador é um elemento muito importante ao se considerar a sua permanência ou não em determinado clube, mas a indenização devida ao clube formador é realmente expressiva e, em muitos casos, quando pode ser exigida, inibe a transferência do atleta para outra agremiação.
Em alguns casos, embora o clube seja devidamente certificado como formador, a despeito de formalizar contrato de formação desportiva de acordo com a legislação vigente, incluindo todos os direitos e deveres, a entidade de prática desportiva não materializa aquilo a que se obriga contratualmente, como exigir a matrícula escolar, com frequência e aproveitamento satisfatório, contratar seguro de vida e de acidentes pessoais.
Quando não há a efetiva entrega daquilo que exige a legislação, evidentemente que o contrato de formação desportiva pode ser questionado, afastando a incidência da indenização prevista e permitindo ao atleta que escolha livremente o seu destino, entretanto, quando o clube formador cumpre aquilo que está contratualmente previsto, terá condições extremamente favoráveis para colher os resultados esportivos e financeiros dos investimentos realizados na formação.
*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.
¹Mestre em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto Superior de Derecho y Economia – ISDE (Espanha), Pós-Graduado em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela FGV, graduado pela FACAMP – Faculdades de Campinas, Participante do Programa de Negociação da Harvard Law School Executive Education, Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Subsecção Campinas/SP, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB Seção São Paulo, Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, membro do ISDE Sports Law Alumni e Membro da Association Internationale des Avocats du Football – AIAF. Advogado Sócio de Brocchi e Souza Sociedade de Advogados.