RAMON BISSON FERREIRA¹
- INTRODUÇÃO
Na última semana o desporto brasileiro passou a sentir na pele os efeitos da pandemia mundial do “novo coronavírus”, devido à quantidade de pessoas vítimas do Covid-19 ao redor do mundo.
A Confederação Brasileira de Futebol, no dia 15 de março, optou por suspender todas as partidas de suas competições por tempo indeterminado, incluindo campeonatos profissionais e de formação².
O movimento foi seguido nos campeonatos estaduais, os quais iniciaram suas paralisações no dia 16 de março com as suspensões de partidas determinadas pelas Federações dos estados do Rio de Janeiro³, Rio Grande do Sul[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4], São Paulo[5], seguidos por todas as outras Entidades Regionais de Administração do futebol na última semana.
A decisão indiscutível das Entidades de Administração do Desporto, a qual fez prevalecer o interesse na saúde e na vida da população do país, gera inúmeros desdobramentos na vida de clubes, atletas e demais profissionais envolvidos na indústria do futebol no país.
Entretanto, as consequências das paralisações em razão da pandemia devem ser discutidas e analisadas o mais rápido possível, minimizando os prejuízos futuros para clubes e atletas de futebol profissional.
- IMPACTOS NAS RELAÇÕES LABORAIS
Com a paralisação de todos os campeonatos, o primeiro impacto sentido pelos clubes e atletas diz respeito à situação contratual durante e após a crise.
Como se sabe, a maioria dos contratos dos atletas profissionais abrange apenas as competições locais, com término previsto para a última semana do mês de abril. Além do prazo contratual, as entidades de prática desportiva deverão diminuir em grande proporção suas receitas com a ausência de jogos e competições nos próximos dias, dificuldade a execução dos pagamentos planejados anteriormente.
Sobre a continuidade dos pagamentos durante a paralisação, muitos apontam como solução a aplicação do Artigo 503 da CLT, o qual dispõe acerca da possibilidade de redução salarial de 25% nos casos de força maior, desde que fique comprovada a existência de prejuízos ao empregador. Tal disposição está contida no texto original da CLT, datado de 1º de maio de 1943.
De início, destaca-se que sua aplicação pode ser questionada pela suposta não recepção do artigo em questão pela Constituição Federal de 1988, vez que seu Artigo 7º, inciso VI, trata como um dos direitos dos trabalhadores, a irredutibilidade do salário, com exceção do disposto em convenções ou acordos coletivos. Também pode ser questionada em razão da suposta revogação tácita com a edição da Lei 4.923/1965, a qual prevê situação semelhante com a exigência de acordo com a entidade sindical representativa[6].
Independente do julgamento sobre sua aplicabilidade, o dispositivo em questão não representa a solução dos problemas que clubes e atletas enfrentarão durante os próximos meses. A simples redução salarial no patamar de 25%, sem outras medidas será insuficiente para contornar a provável longa crise que se instala.
No início desta semana, o Poder Executivo Federal apresentou sua primeira medida sobre as relações laborais em virtude da crise do “Coronavírus”. Foi editada a Medida Provisória 927/2020, a qual tem como principais instrumentos a possibilidade de suspensão negociada do contrato de trabalho, antecipação de férias individuais ou coletivas com facilidades no pagamento de valores decorrentes, antecipação de feriados e compensação do período em banco de horas.
Mesmo que as medidas criadas sejam de difícil aplicação no âmbito do futebol profissional, também é questionável sua aplicação em decorrência da delimitação de aplicação criada pelo Artigo 32 da Medida Provisória.
Sendo assim, o conteúdo do novo instrumento jurídico criado em nada parece favorecer a solução da problemática entre empregados e empregadores no futebol profissional.
Considerando a grave problemática constatada no presente momento, no qual prevalece a incerteza geral sobre a relação entre atletas e clubes durante e após o período de crise vivida, apresenta-se uma solução não tão nova, mas que pode representar a grande solução: a negociação coletiva.
Os instrumentos de negociação coletivas estão presentes em nossa CLT desde o ano de 1967 (Decreto-Lei n. 229, de 28 de fevereiro), em seu Artigo 611. Todavia, no esporte brasileiro a negociação coletiva nunca foi explorada em seu potencial, ao contrário de países como os Estados Unidos em que os acordos coletivos são usuais em momentos que as associações de atletas profissionais de cada modalidade negociam diversas questões diretamente com cada uma das principais ligas do país (MLB, NBA, NFL, NHL).
O acordo e a convenção coletiva de trabalho consistem em instrumentos jurídicos válidos para solucionar os conflitos de interesses entre empregados e empregadores, bem como para complementar lacunas e normatizar dentro da realidade fática de cada categoria de trabalhadores e empregadores. O momento de exceção vivido nos últimos dias e que deverá perdurar por mais algum tempo se adequa à possibilidade de negociação coletiva para preservação do interesse das partes.
Conhecendo o instrumento jurídico capaz de colaborar com a solução dos problemas a serem enfrentados nas relações laborais entre clubes e atletas em razão da atual crise, devemos observar os princípios e elementos necessários para o sucesso da negociação coletiva.
Já se observa nas redes sociais o início da queda de braço entre clubes e atletas, com informações advindas de ambos os lados as quais nada agregam ao movimento negocial. Se de um lado representantes de clubes sugerem medidas drásticas como o não pagamento de salários durante o período de paralisação, pessoas ligadas à atletas asseveram que estes não devem renunciar a qualquer parte de seus salários ou de suas férias.
Sem dúvida este é o primeiro passo para que o problema permaneça e os efeitos da crise sejam definitivos na vida de atletas e clubes. Entretanto, é importante ter em vista que todos estão envolvidos em um mesmo sistema, em que um lado não vive ou se desenvolve sem o outro. Clubes precisam de atletas e atletas precisam de clubes. A solução está na consciência das partes em pensar no melhor para todos e não apenas para si mesmo.
Dessa forma, devem representantes de clubes e atletas trabalhar em conjunto para a negociação coletiva, da qual deve resultar convenção ou acordos capazes de compor os interesses e reviver o futebol após o encerramento da crise trazida pelo “coronavírus”.
- IMPACTOS NO CALENDÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO
Ultrapassando os impactos na questão laboral, é necessário refletir sobre os impactos da paralisação no calendário e nas atividades do futebol brasileiro.
Considerando a parada forçada a partir da semana do dia 16 de março, levando-se em consideração os principais torneios do país, restam ainda cinco datas aos campeonatos estaduais, quatro rodadas da Taça Libertadores da América e toda sua fase final (sete jogos), além das 38 datas designadas para os Campeonatos Brasileiro das Séries A e B[7].
É evidente que com a paralisação esperada torna-se inviável a efetivação do calendário na forma proposta originalmente no início do ano.
Para os maiores clubes do país, os quais possuem importantes competições ao longo do ano, talvez a melhor opção possa parecer a suspensão definitiva dos campeonatos estaduais, com o seu retorno no ano de 2021, invalidando as competições locais disputadas ao longo de 2020.
Entretanto, a mais “fácil” solução apresentada acabará por atender ao interesse de poucos clubes do país. Talvez a opção seja interessante para os 60 (sessenta) clubes participantes das três principais divisões do futebol brasileiro (Séries A, B e C), mas contrarie o interesse dos outros 814 (oitocentos e quatorze) clubes[8], os quais “apostam todas suas fichas” nos campeonatos estaduais, seja para o acesso à divisão principal do Estado, seja para obtenção de vagas em competições nacionais ou pelo simples fato de ser a única competição que poderão disputar ao longo do ano.
Ademais, o simples encerramento dos estaduais poderá prejudicar a continuidade da temporada para divisões de acesso que têm início na segunda metade do calendário do futebol brasileiro, bem como as equipes que tem como única opção a disputa das Copas Estaduais, tais como em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina.
De acordo com o relatório “Impacto do Futebol Brasileiro[9]” encomendado pela Confederação Brasileira de Futebol à Ernst & Young, quase 90% dos atletas profissionais de futebol registrados pela CBF permanecem sem contratos ativos durante a maior parte do ano. Esse fato não deve ser esquecido, pois medidas que beneficiem apenas 10% dos clubes profissionais ativos acarretarão incalculável prejuízo para a extensa maioria dos atletas profissionais.
No intuito de equacionar o interesse de todos as partes envolvidas, não somente dos clubes, mas também dos atletas que dependem do futebol para sua subsistência e de suas famílias, faz-se necessária uma readequação do calendário originalmente proposto, sem que os campeonatos estaduais sejam simplesmente esquecidos.
A alteração do formato do Campeonato Brasileiro para o ano de 2020 é necessária para a manutenção de clubes e empregos de atletas, membros de comissão técnica e demais profissionais envolvidos no futebol, estimados pelo estudo da Ernst & Young em 156 mil empregos[10].
Por fim, após a resolução dos problemas criados pela pandemia do “coronavírus”, demonstra-se oportuno o momento para repensar o calendário do futebol brasileiro, o qual atualmente visa a participação anual de apenas 128 (cento e vinte e oito) clubes, excluindo os outros 746 (setecentos e quarenta e seis) clubes do país da disputa de campeonatos nacionais.
- CONCLUSÃO
Diante do preocupante cenário observado, é possível verificar que a solução para os problemas ocasionados pela pandemia do Covid-19 passa necessariamente pela negociação e pela prevalência do interesse geral.
Na questão laboral, a negociação coletiva é o único caminho que pode levar a uma solução viável para clubes, atletas e demais atores do futebol brasileiro. No entanto, para que o caminho seja percorrido a contento, os interesses de cada lado devem ser flexibilizados, não se admitindo a intransigência de qualquer das partes envolvidas.
Solução semelhante se dá na problemática do calendário do futebol brasileiro. Os interesses de todos os clubes devem ser levados em consideração para que haja uma justa adaptação aos meses úteis que restarão para conclusão do ano de 2020. Quando falamos em justa adaptação, não devem ser esquecidos os clubes de menor poder aquisitivo, bem como os atletas e funcionários dos mais de 800 (oitocentos) clubes do país.
¹ Ramon Bisson Ferreira é Gerente Jurídico e Coordenador de Futebol do Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes/RJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD.
² Disponível em https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/cbf-suspende-competicoes-de-ambito-nacional-por-tempo-indeterminado. Acesso em 23 mar. 2020.
³ Disponível em http://www.fferj.com.br/Noticias/View/17974. Acesso em 24 mar. 2020.
[4] Disponível em https://www.fgf.com.br/noticia/fgf-determina-suspensao-do-gauchao-ipiranga-2020-e-da-divisao-de-acesso-2020. Aceso em 23 mar. 2020.
[5] Disponível em http://www.futebolpaulista.com.br/Noticias/Detalhe.aspx?Noticia=14822. Acesso em 23 mar. 2020.
[6] Este foi o entendimento no julgamento do Recurso de Revista 1156-96.2011.5.04.0811, julgado no ano de 2015.
[7] Disponível em https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro/cbf-publica-calendario-de-2020-com-datas-fifas-livres-e-16-datas-para. Acesso em 23 mar. 2020.
[8] Disponível em https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191213172843_346.pdf. Acesso em 23 mar. 2020.
[9] Disponível em https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191213172843_346.pdf. Acesso em 23 mar. 2020.
[10] Disponível em https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191213172843_346.pdf. Acesso em 23 mar. 2020.
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