Por Lásaro Cândido da Cunha – Diretor Jurídico do Clube Atlético Mineiro
Os dilemas enfrentados pelos dirigentes dos clubes do futebol profissional na fixação dos períodos de tempo de validade dos contratos dos atletas são apenas mais uma dentre outras questões do quotidiano com as quais convivem esses gestores, situações quase sempre ignoradas pelos torcedores e até por alguns profissionais que trabalham na produção de notícias do segmento.
A regulação dos direitos trabalhistas dos atletas de futebol está especialmente concentrada na chamada Lei Pelé (Lei 9.615/1998 e outras alterações subsequentes, especialmente as produzidas pela Lei 12.305/2011). As questões não tratadas na citada legislação são, naturalmente, regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, com as adaptações compatíveis com a atividade, face à necessidade de uma interpretação sistêmica das normas aplicáveis à modalidade.
Apesar da singularidade da atividade do atleta profissional e da forma absolutamente diferente das atividades laborais comuns, ainda assim a cultura legislativa brasileira caminha no regramento do absurdo, ao impor limite de tempo de concentração e da jornada de trabalho semanal, pouco importando os deslocamentos e as viagens para jogos distantes da sede do clube — para não falar em outras esquisitices legais, inteiramente incompatíveis com a natureza e a especificidade da atividade desempenhada pelo atleta de futebol.
Aliás, não é incomum os clubes serem pressionados, com multas administrativas e ações judiciais, em atuações do Ministério do Trabalho e Emprego e da Procuradoria, impondo que a contratação de menores aprendizes e de pessoas com deficiência observe o mesmo modelo exigido para as empresas comuns.
Para esses órgãos públicos, as centenas de jovens acolhidos nos seus centros de treinamentos sequer podem integrar a relação para preenchimento da quota que a lei trabalhista comum estabelece para a contratação de menores aprendizes, em clara ofensa à singularidade da atividade do futebol profissional, desporto classificado como de alto rendimento.
Construídas essas esquisitices e anomalias legais trabalhistas, convivem os clubes com amarras que escapam ao olhar da maioria dos brasileiros interessados na melhoria qualitativa do futebol.
Especificamente no contrato de atletas, por exemplo, o desconhecimento do assunto impressiona. Com efeito, no processo trabalhista comum, a regra geral preceitua ser o contrato de trabalho por prazo indeterminado. O contrato por prazo determinado é exceção à regra trabalhista geral, e não pode ser superior a 2 anos, sendo facultada apenas uma renovação, que ainda assim é vinculada (i) a um termo prefixado; (ii) à execução de serviços específicos, ou (iii) à realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.
No direito desportivo do futebol profissional, a regra é o contrato por prazo determinado, o chamado “Contrato Especial de Trabalho Desportivo”. No caso do atleta em formação, ao atingir 16 anos de idade, tem o clube direito de celebrar com o jovem o primeiro contrato de trabalho por período não superior a 5 anos.
No caso do contrato de trabalho comum, em havendo vínculo contratual por prazo determinado, uma vez decidida a rescisão sem justa causa antes do termo final, tem o empregador a obrigação de pagar ao empregado-dispensado apenas a metade da remuneração a que faria jus pelo período restante de contrato. Ou seja, se no caso de contrato por 2 anos, houver fluído 1 ano, então o empregador, para rescindir o contrato, terá que pagar ao empregado apenas 6 meses de remuneração (metade do tempo faltante), finalizando assim o vínculo.
Por sua vez, no futebol profissional, ao contrário, como os contratos são obrigatoriamente por tempo determinado, em caso de rescisão antecipada do prazo inicial fixado, terá então o clube que pagar ao atleta-empregado, no mínimo, a integralidade da remuneração restante. Assim, se em um contrato de 5 anos, após 2 anos de vigência resolver o empregador finalizar o vínculo com o jogador, terá que pagar, ao menos, a remuneração integral dos 3 anos restantes.
Essa regra consta da Lei Pelé e coloca os clubes em situações difíceis: se optar por um tempo de contrato curto, e se o jogador despontar no cenário do futebol, correrá o clube o risco de perder o jogador sem qualquer indenização compensatória, com as críticas comuns de “falta de cuidado” do clube em “segurar” o atleta que se destaca.
Por outro lado, se a opção for por um contrato longo, dadas as avaliações técnicas de possibilidade de crescimento do atleta, assume o clube o risco de o atleta não evoluir, tendo a agremiação, ainda assim, de arcar com, pelo menos, a integralidade da remuneração por todo o período contratual.
Os milhões de torcedores dos grandes clubes do Brasil, por desconhecerem essas regras, muitas vezes cobram dos dirigentes contratos por maior tempo quando um atleta se destaca, mas ao mesmo tempo exigem que um outro, caindo em desgraças com a torcida, seja sumariamente “demitido”, como se as questões financeiras e administrativas do clube pudessem ser resolvidas em passe de mágica.
Certo é que o sistema normativo brasileiro continua, de forma gradativa, criando obrigações adicionais para os clubes (visto que a Lei Pelé vem sofrendo sucessivas alterações desde 1998), circunstância que se agrava com os entraves interpretativos promovidos seja pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho ou pela atuação judicial de procuradores em ações civis públicas levadas ao Poder Judiciário trabalhista — o que assombra esse ramo singular de atividade, mas que, inegavelmente, dá visibilidade e muitos minutos de fama a esses atores que navegam na onda do futebol.
Fonte: Conjur