Milton Jordão
O futebol é um dos esportes que mais cresce no mundo. Considera-se, talvez, o que tenha maior número de adeptos. A sua populariedade espanta e assombra. Foi e é capaz de promover tréguas em conflitos armados, movimentar inúmeros bilhões de dólares e euros em economias, pautar jornais, blogs e revistas exclusivos, e, principalmente, servir de alento para a vida de milhões de pessoas. Tudo isso em virtude da paixão pelo esporte bretão.
A Copa do Mundo é um grande exemplo disso, senão o melhor – que digam o Brasil e os brasileiros. Altas taxas de audiência televisiva, cotas de patrocínio intangíveis, investimentos altos em infraestrutura das nações que a hospedam, atração de multidões para irem aos jogos, enfim, sonhos, lágrimas e aplausos. São 30 (trinta) dias que o mundo (quase que) pára, todos querendo saber quem é o dono da bola na aldeia Terra.
No entanto, existem certas coisas que fazem parte deste inebriante mundo (o do “futebol”) que ainda nos causam perplexidade e até mesmo ojeriza. Não obstante a evolução política que a maioria dos países do globo viveram e vivem, elevando Estados e Nações do obscurantismo de regimes de governo atrozes para as luzes da democracia, ainda vemos no âmbito do desporto bretão (aliás, não mais exclusivo dos súditos de Sua Majestade, mas dos demais habitantes do planeta) este período de trevas.
No dia de ontem a CONMEBOL (a confederação sulamericana de futebol) anunciou que o seu atual presidente, o paraguaio Nicolás Leoz, agora é vitalício, somente deixando o cargo por dois motivos: morte ou desinteresse (renúncia). Diz-se que o suprasumo do futebol da América do Sul contou com apoio dos presidentes de federações nacionais.
A notícia que deveria causar espanto e insatisfação aos amantes do futebol, passou desapercebida, quiçá, em virtude de mais uma quarta-feira com rodada da Libertadores e Copa do Brasil.
Lastimável.
Curiosamente, a América do Sul vive um momento diametralmente oposto. Desde o início da década passada, os países experimentam crescimento das frentes políticas de origem esquerdista, vide Brasil com Lula e Dilma Roussef, Uruguai com Tabaré Vázquez e José Mujica, Bolívia com Evo Morales, Equador com Rafael Correa, Chile com Ricardo Lagos e Michelle Bachelet. Muito provável que esta “onda vermelha” (como alguns gostavam de chamar) seja um desaguar das duras e violentas ditaduras que as nações sulamericanas experimentaram nos idos de 60 até o seu desfecho, por volta de meados dos anos 80. Não quero entrar neste mérito, é apenas uma opinião furtiva.
Então, pergunta-se: porque no futebol não vemos esta mudança de postura? Logo nele, o esporte mais querido e amado, se aceitar nos tempos atuais que alguém se proclame ou seja proclamado como mandatário eterno?
João Havelange, Ricardo Teixeira, Nicolás Leoz, Julio Grondona, Joseph Blatter, todos têm grandes contribuições na evolução do esporte, diria até, dentro e fora das quatro linhas. Mas a delonga em se desapegar dos cargos e do poder se reverteu e reverte em prejuízo para a evolução do próprio esporte. Alguns já deixaram seus postos, obrigados ou não, pouco importa. Deixaram. Outros, ainda insistem.
É hora de sair das tribunas de honra, deixar os privilégios, e ser aquilo que eles mais exaltam: apenas um torcedor, um apaixonado pelo futebol. Tirar o terno, colocar a bermuda. Dar a vez para que novos nomes surjam e possam alavancar o futebol deste obscuro mundo de “donos do poder”, “reis”, “imperadores”, “presidentes eternos”, para um futebol democrático (fora de campo).
Nesse diapasão é bem-vinda a preocupação do Ministro do Esporte Aldo Rebelo ao se dizer preocupado com o futuro do desporto nacional, revelando o interesse de criar uma comissão de experts para repensar o modelo vigente (ver jornal Estado de São Paulo, 17 de abril de 2012, p. E2). Apesar da luta pela democracia efetiva em federações e clubes não ser a tônica do seu discurso, feita uma análise mais profunda (principalmente nas demais modalidades desportivas) este tema não passará ao largo.
Por mais que se questione a interferência de governos no esporte – confesso, hipótese que me causa arrepio, pois o direcionamento político é sempre perigoso e desastroso, vide as experiências negativas no âmbito do Esporte na década de trinta com Hitler e mais adiante, em meados de 70 e 80, com a guerra fria -, no caso nacional, o papel do Estado é chamar o particular, encastelado em seus feudos (federações e clubes), por décadas e décadas, à reflexão, conclamando uma mudança para uma novel realidade.
É preciso que o torcedor de futebol passe a vibrar com a democracia, além dos dribles, passes e gols!
O Brasil, que se autoproclama país do futebol, precisa se apartar de um passado de capitanias hereditárias, senhores de engenho, romper os grilhões que ainda nos atam a uma estrutura desportiva reduzida a poucos e fazer ventilar a democracia.
A América do Sul, coitada, a terra dos highlanders Leoz e Grondona, também deveria ser repensada, não é crível que ante tantas mudanças que saboreamos, ainda tenhamos que nos contentar com o gosto amargo de saber que a democracia está distante da realidade da organização do futebol.
Enquanto isso…Salve o eterno Nicolás Leoz!
Milon Jordão: Advogado Criminalista, Conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Conselheiro Estadual da OAB/BA, Procurador e ex-Defensor Dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, Diretor Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e Professor de Direito Penal.