Por Cristiano Augusto Rodrigues Possídio¹
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Desde a publicação da MP 984 no Diário Oficial de 18.06.2020 se instalou no país debates e polêmicas em torno da titularidade exclusiva dos direitos de transmissão dos jogos – instituto juridicamente chamado de direito de arena. É até natural e previsível a controvérsia, diante da forma como a alteração aconteceu, sem debates prévios em torno da mudança e suas repercussões, principalmente considerando os diversos atores sociais interessados, especialmente a maioria dos clubes (parece que o lobby junto ao Presidente da República partiu de uma única agremiação), as empresas que exploram ou podem explorar a captação, transmissão e retransmissão das imagens dos espetáculos esportivos e os atletas – sem contar advogados, demais especialistas e militantes na área jusdesportiva.
A presente coluna almeja, sem nenhuma pretensão de esgotamento da matéria, abordar duas questões, a partir do interesse dos atletas, sendo uma efetiva mudança trazida no texto e uma polêmica decorrente do novo modelo proposto. A mudança consiste exatamente na retirada da prerrogativa dos Sindicatos para a distribuição da verba, que será abordada em último lugar por ser mais prática. A polêmica é interpretativa e tem a ver com os destinatários do direito de arena de cada campeonato ou partidas comercializadas pelos mandantes, ou seja, tentar desnudar se a partir da vigência da MP 984/20, todos os atletas envolvidos no espetáculo fariam jus ao recebimento dos valores decorrentes do direito de arena, incluindo os visitantes, mesmo sem possuírem qualquer relação jurídica trabalhista contratual com o detentor do direito à comercialização do espetáculo.
Permita-me iniciar, caro leitor, trazendo à baila o revogado artigo 100, da Lei nº 5.988/73 – primeira legislação a prever o direito de arena. Em situações duvidosas, revela-se importante verificar como o instituto passou a integrar o mundo jurídico, especialmente porque ele é próprio do direito desportivo brasileiro e não tem, ao menos que se saiba, qualquer paralelo similar em outras legislações alienígenas. Sem dúvida alguma, isso pode ajudar na formação do convencimento e trazer um cenário interessante na busca da melhor interpretação do instituto, a partir da proposta da MP 984/20 (caso ela venha a ser aprovada no Congresso Nacional).
Pois bem. O artigo 100², da Lei nº 5.988/73 era expresso ao fixar que o direito de comercializar a transmissão do espetáculo desportivo pertencia à “entidade a que esteja vinculado o atleta”; e, em seu parágrafo único, referendar que 20% do “preço da autorização” – leia-se do contrato – deveria ser repassado aos atletas. Por obviedade ululante, a norma se referia ao atleta que mantivesse contrato de trabalho com determinado clube que autorizasse/vendesse os direitos de transmissão.
Bingo! Aqui nasceu o direito de arena e, ninguém discordará, estava induvidosamente atrelado à comercialização dos espetáculos desportivos pelo clube empregador do atleta profissional de futebol. Nada mudou de lá para cá, ao menos neste prisma!
Nunca ninguém sequer ousou discutir que o percentual de direito de arena destinado aos atletas participantes dos espetáculos desportivos poderia ser desvinculado às condições de pagamento e cifras específicas dos contratos de transmissão mantidos entre as empresas de telecomunicações e os clubes empregadores dos jogadores profissionais. Isso não foi cogitado, nem mesmo quando houve significativa alteração do instituto por meio da Lei nº 12.395/11 – com redução de 20% para 5% do percentual; expressa menção à natureza jurídica indenizatória/civil da verba e destinação aos Sindicatos da prerrogativa de distribuição – sendo inexoravelmente mantido o pressuposto de que os valores pagos aos profissionais mantinham relação direta com o CETD³ firmado com a agremiação desportiva empregadora. Tanto é assim que o Decreto nº 7.984/2013, que regulamentou a Lei Pelé foi taxativo ao fixar no seu artigo 46 4 que a própria emissora detentora dos direitos de transmissão repassaria os 5% do direito de arena destinado aos atletas diretamente ao Sindicato de âmbito nacional, prevendo no parágrafo único que o repasse pela entidade sindical “aos atletas profissionais participantes do espetáculo” deverá ocorrer no prazo máximo de 60 dias. Estabeleceu-se, portanto, que os atletas de determinado clube, receberão sua cota parte do direito de arena relativo aos jogos que participarem deste mesmo clube, decorrentes do contrato de transmissão firmado por ninguém mais ou ninguém menos que este clube empregador e no máximo em dois meses.
Destarte, a legislação passada também fazia remissão aos “atletas profissionais participantes do espetáculo”; todavia a distribuição, de igual forma, sempre obedeceu ao critério da vinculação contratual do atleta com o seu clube empregador e aos valores e formas de pagamento dos contratos mantidos para transmissão dos eventos desportivos deste mesmo clube. A própria redação do §1º, do artigo 42, da Lei nº 9.615/98, dada pela Lei nº 12.395/11, falava em distribuição dos 5% “da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais (…) em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo”. Dessume-se da análise dos textos, novo e antigo, que o que estava escrito antes se manteve na redação do artigo 1º 5 da MP 984/20, mesmo a menção à “atletas profissionais participantes do espetáculo”.
Jamais houve dúvida quanto aos pressupostos de distribuição do direito de arena que se mantém, quais sejam, (i) prévia vinculação de atleta a um clube por força de CETD; (ii) existência de contrato de transmissão firmado por esse clube empregador e uma empresa de telecomunicações e, finalmente, (iii) participação do atleta nos jogos transmitidos. A redação do §1º, do artigo 42, proposta pela MP 984/20, não mudou absolutamente nada do que já existia antes neste sentido, repita-se, veementemente.
Poder-se-á dizer, como muitos já o fazem – pensamentos respeitáveis e jurídicos, diga-se, firmados por grandes pensadores do direito desportivo, mas que parecem destoar da essência do instituto jurídico – que a mudança da titularidade compartilhada para titularidade exclusiva que passará a ser do mandante, atrairia, de per si,a necessidade de ampliação do direito de arena aos atletas visitantes, porque jogando e com imagens captadas, nada estariam recebendo pelos contratos de transmissão subscritos individualmente pelo clube mandante, o que poderia redundar numa possível violação do artigo 5º, XXVIII, “a”, da CF 6 – norma que protege as participações individuais em obras coletivas, reprodução de voz e imagem humanas, inclusive nas atividades desportivas.
Ora, mas isso não faz o menor sentido, principalmente se analisada a questão dentro da dinâmica de distribuição e dos pressupostos de recebimento que sempre prevaleceu até hoje para o direito de arena, inclusive, por ausência de comunicação entre os contratos firmados individualmente por cada clube brasileiro, especialmente após a implosão do chamado Clube dos 13 7 .
É preciso registrar que a expectativa de recebimento do direito de arena para o atleta profissional nasce exatamente a partir da assinatura do CETD e se constitui pleno e constituído com sua escalação para partidas transmitidas. Portanto, o direito de arena está inter-relacionado com o contrato trabalho e deixa de ser expectativa para virar realidade com sua participação em um ou mais jogos. A causa primária e prévia do recebimento é a assinatura e execução do contrato de trabalho do atleta profissional.
Se prevalecer a tese de que a partir de agora isso teria mudado, tão-somente por força da entrega absoluta do direito de transmissão ao mandante, numa espécie de desvinculação do instituto ao CETD ou de seu “esquartejamento”, será possível defender que tudo foi feito até agora esteve também redondamente equivocado, em prejuízo dos próprios atletas, porquanto o direito de arena deveria ter sido compartilhado igualitariamente, centavo por centavo, com todos os profissionais participantes do espetáculo, mesmo que decorrentes de contratos firmados por clubes que não possuíam relação jurídica.
Sim! Afinal de contas, partindo da premissa de que cada clube negociou separadamente seus contratos (no que se mantém com a vigência da novel disposição) e as imagens de todos os atletas, inclusive visitantes, foram projetadas numa transmissão regulada por dois contratos distintos (do mandante e visitante) deveriam eles receber, logicamente, o direito de arena resultado da soma dos dois contratos, já que estaria desvinculado do CETD e sua execução e, ao revés, atrelada exclusivamente à captação de suas imagens na transmissão dos jogos. Mas não foi isso que ocorreu, porque não era correto acontecer; simples assim! Os valores foram distribuídos considerando, exclusivamente, o valor do contrato firmado por cada clube empregador, distribuídos pelos jogos transmitidos em cada competição.
Analisando na prática o modelo antigo e para demonstrar a incoerência do discurso de quem defende a extensão e a interpretação ampliativa, utilize-se como exemplo um clube tradicional e bicampeão brasileiro, o Esporte Clube Bahia e outro de massa, também detentor de glórias e grandes títulos nacionais, o Sport Club Corinthians Paulista 8 : Sabidamente, os contratos de transmissão firmados pelo Corinthians são mais vantajosos financeiramente, por motivos que não cabem aqui debater; apesar disso, nenhum atleta do Bahia recebeu valores – ou suscitou ser credor de diferenças de direito de arena – relativo aos contratos mais vantajosos firmados pelo Corinthians, por ter jogado contra ele, em casa ou fora dela, ainda que o modelo anterior fosse o de uma espécie de “compartilhamento” ou, no mínimo, “alinhamento” para os direitos de transmissão, decorrentes de dois jogos realizados, por exemplo, no Brasileirão de 2019.
A razão era muito simples e permanece valendo, ao meu sentir, mesmo com a mudança proposta na MP 984/20: os valores de cada contrato, independente de ser mandante ou visitante, eram divididos entre os atletas do clube que contratava com a emissora, considerando os 38 jogos da competição nacional, dentro e fora de casa, sendo dois deles, justamente com o Corinthians. Isso pode e deve continuar, na hipótese dos contratos firmados para transmissão por determinada plataforma ou emissora para todo o campeonato.
Volto a dizer: apesar da transmissão do jogo Corinthians x Bahia de 2019 realizado na Arena de Itaquera, em tese, decorrer de um contrato do Corinthians (firmado individualmente) com a empresa transmissora, cuja reprodução das imagens foi apenas anuída pelo Bahia, especialmente porque não colidia com o contrato similar por ele assinado com a mesma empresa de telecomunicações, os atletas do Bahia receberam o direito de arena considerando, apenas, a importância da avença originária do seu clube empregador. O que mudou com a MP 984/20 foi a desnecessidade de anuência do clube visitante para a transmissão e que ao mandante pode e deve ser destinado os direitos absolutos reservados à transmissão.
Não é só.
Muita gente confunde a natureza jurídica de verbas recebidas por atletas profissionais com a sua específica inclusão no contexto geral da remuneração. A remuneração de um jogador é composta de diversas rubricas ou para facilitar o entendimento de quem não tem familiaridade com o direito do trabalho, por vários itens ou verbas, a saber: a) salário fixado no CETD, arquivado na entidade de administração do desporto, registrado na CTPS e que serve de parâmetro para cálculo das obrigatórias cláusulas compensatórias e indenizatórias desportivas; b) direito de imagem, quando houver contratação, ainda que de natureza civil indenizatória e em avença à parte (a imagem está incluída no plexo remuneratório do atleta, apenas não integrando “o salário” para efeito de repercussão no recolhimento do FGTS, férias e gratificação natalina, ressalvados os casos de fraude); c) luvas, também firmadas em pré-contratos ou em documentos alheios ao específico CETD; d) bichos, quando acertados, ainda que tacitamente; e) auxílios diversos, a exemplo de moradia, mesmo que figurem como ajuda de custo e sem natureza salarial; f) e o próprio direito de arena, decorrente de um contrato civil firmado pelo clube empregador com empresa para transmissão dos jogos, diante de específica previsão legal que ao atleta destina uma indenização (por muito tempo tida como uma espécie de gorjeta, inclusive, incrivelmente no âmbito do TST) hoje equivalente a 5% deste contrato.
O direito de arena é uma verba trabalhista de natureza civil, vinculada ao contrato de trabalho de atleta profissional e também decorre da avença firmada por seu clube empregador com a empresa de transmissão do evento. Essa tentativa de extensão que se pretende fazer, parece-me totalmente equivocada, especialmente se analisada sob o prisma de toda a construção jurídica do instituto, desde o seu nascimento na Lei nº 5.988/73 e os pressupostos que incidem para o seu pagamento.
Algumas perguntas supletivas merecem ser produzidas para demonstrar a fragilidade da tese: a MP 984/20 foi tão avassaladora assim que teve o poder de tornar a Justiça do Trabalho incompetente, em parte, para apreciar e julgar pleitos relacionados com supostas diferenças de direito de arena, exatamente aquelas não pagas pelo clube mandante aos atletas do clube visitante com quem não têm vínculo trabalhista ou sequer de mera prestação de serviços? Será possível defender o absurdo jurídico de uma espécie de subdivisão de competências do tipo: “olha, quando o atleta cobrar diferença de direito de arena, em função dos contratos do clube empregador, deve utilizar a Justiça do Trabalho, porque assim determina o art. 114, da CF e a verba consequência de uma relação de emprego; mas se ele for cobrar do clube mandante, com quem não tem vínculo algum, a competência será da Justiça Comum”?
Isso seria um caos absoluto!
De mais a mais, falar em solução pela via regulamentar privada para inclusão em regulamentos pela entidade de administração do desporto, parece uma espécie de jeitinho brasileiro de resolver um problema, porém sem a verificação de outras consequências mais graves: a um, tratar-se de uma proposta que na prática invade a autonomia das entidades desportivas (ou não?). A dois, tratar-se de uma ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, inclusive no seio trabalhista, porque, querendo ou não (com norma administrativa ou não) o destinatário da previsão legal é o atleta e a ele não poderá ser vedado o direito de ação e cobrança de hipotéticas diferenças e o que precisa ser sacramentado para efeito de segurança jurídica é qual sistema jurídico aplicar, entre eles, a própria definição do juízo competente em razão da matéria.
Amigo leitor, a esmagadora maioria das competições nacionais são formadas por jogos de ida e volta ou turno e returno. Raríssimas são as hipóteses da ocorrência de partidas únicas. O sistema na prática se mantém. Quando ocorrer jogo único e não houver mandante, a solução estará no parágrafo 4º[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][9], do artigo 42, da Lei nº 9.615/98, redação proposta na MP 984/20, ou seja, o contrato deve abranger os dois clubes contendores e o cálculo, especifica e isoladamente, realizado para aquela partida, ai sim, com repartição uníssona para todos atletas que jogarem. Havendo, todavia, mandante mesmo em jogo único, a exemplo das duas primeiras fases da Copa do Brasil, caso o clube visitante não detenha contrato prévio para transmissão dos seus jogos, incluindo aleatoriamente aquela competição específica, a imagem e voz dos atletas deve ser protegida através da existência de um contrato prévio de imagem ou, senão existentes, firmados especificamente para aquela partida jogada nestas circunstâncias.
Não há violação alguma do artigo 5º, XXVIII, “a”, da CF, preexistindo um contrato de imagem, sendo certo que o direito de arena nada mais é do que um mero apêndice do mesmo. Isso é claríssimo, até porque, trazendo outro exemplo prático, o Clube que explorar diretamente a transmissão de jogos através de suas plataformas (YouTube, por exemplo), mantidas com recursos próprios, não tem dever algum de pagar “direito de arena” aos atletas, porque não precederá negociação ou autorização para captação e transmissão do espetáculo, estando a imagem e voz dos seus jogadores devidamente protegidas pelo contrato de imagem.
Por fim, a questão da exclusão da previsão de distribuição do direito de arena pelos Sindicatos me parece um verdadeiro gol contra coletivo: clubes e atletas “jogando” contra o próprio patrimônio (expressão muito utilizada por narradores e comentaristas ao tratarem de um “auto gol”). Espera-se que isso não passe no Congresso Nacional, reinando o bom senso, ainda que o perfil mais conservador do atual legislador brasileiro e da política ultraliberal que vem asfixiando as entidades sindicais, nos indique horizonte assaz distinto.
Voltando ao tema central e o “gol contra” é praticamente certo que retornando aos clubes a responsabilidade direta pelo pagamento do direito de arena, boa parte deles não cumprirá o dever de repasse, seja por má gestão, ausência de prioridades nos pagamentos ou até por bloqueios de valores decorrentes de determinações judiciais das Justiças Comum, Trabalhista ou Federal, que atinge quaisquer importâncias que eventualmente sejam transferidas e estejam disponíveis nas contas das entidades de prática desportiva, em prejuízo dos próprios atletas. A médio e longo prazos os efeitos serão sentidos e terríveis, porque muitos atletas reclamarão o pagamento, possivelmente ao término dos contratos, aumentando o já enorme passivo dos clubes, principalmente considerando a dificuldade de implantação pelas entidades de prática desportiva de políticas de transparência e integridade, a exemplo do Compliance[10].
Na prática, a mudança regressará ao repetitivo estado de coisas que existia antes da entrada em vigor da Lei nº 12.395/11 e que trouxe terrível experiência de inadimplência e aumento do passivo dos clubes, sem falar no baque financeiro para os próprios atletas. Nem um, nem outro ganhará. Haverá uma espécie de empate com gosto amargo de derrota…
O modelo vigente anterior à edição da MP 984/20, trazido com a Lei nº 12.395/11, era muito mais simples e permitia inclusive aos próprios atletas controlarem o recebimento, exigindo dos Sindicatos o pagamento a cada 60 dias ou, caso contrário, prestação de contas e os valores previamente retidos e repassados por terceiros (exatamente a empresa transmissora contratante) desinteressados na inadimplência ou distribuição.
Além disso, nas indesejáveis hipóteses – certamente excepcionais – de desvios ou inadimplência pela entidade sindical, emergia a mesma possibilidade de os atletas proporem ações trabalhistas, todavia, não apenas contra os clubes empregadores (responsáveis subsidiários ou solidários), porém também contra os Sindicatos (responsáveis diretos ou ordinários), o fazendo com mais segurança jurídica quanto ao ressarcimento.
Com o devido respeito aos que justificam a correção da norma em hipotéticos desvios e apropriação de parte do direito de arena destinado aos atletas por entidades ou dirigentes sindicais, não consigo aceitar o argumento como válido. O motivo é bem simples: quem mais sonegou o pagamento do direito de arena, antes da vigência da Lei nº 12.395/11, foram os próprios clubes que, possivelmente, tornarão a fazê-lo. Apesar de não ser perfeito o modelo adotado a partir da Lei nº 12.395/11, a sistemática melhorou, e muito, a destinação correta da verba, diminuindo fraudes e a inadimplência. O que precisa haver é a obrigatoriedade de prestação de contas pública trimestral e anual dos Sindicatos sobre o que foi transferido para suas contas e repassado a título de direito de arena relativo a cada agremiação desportiva, com respectiva publicidade para acesso dos clubes interessados e atletas.
Tenho dificuldade de colocar erros de uns e de outros, inclusive de entidades sindicais – que são graves e que, portanto, devem ser reprimidos e combatidos – no balaio da generalidade. Só para lembrar a importância dos Sindicatos no contexto das lutas pela proteção dos direitos dos atletas, lembre-se que a tentativa de redução do valor mínimo para a cláusula compensatória desportiva (de 100% para 50% dos salários considerando os salários que seriam devidos para o restante do contrato) que constava em recente Projeto de Lei nº 2125/20[11] foi retirado no substitutivo que prevaleceu, por força da luta empreendida pela FENAPAF – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS ATLETAS PROFISSIONAIS DO FUTEBOL[12] que engajou os atletas para que o tema fosse objeto de maior aprofundamento de debates e a tentativa, ao menos por agora, não vingou. Portanto, os Sindicatos não são vilões!
Por isso é preciso cuidado ao indicar uma falsa existência de conduta lesiva geral pelos Sindicatos, até porque quem aponta um dedo acusando outrem de desvios ou má conduta, geralmente tem outros quatro dedos de volta contra si, no mínimo, chamando-lhe à consciência para a responsabilidade de sua acusação e de que a presunção de má-fé não é acolhida na legislação brasileira, em especial na Constituição Federal de 1988.
São essas, meus amigos, as primeiras impressões do tema, sob o enfoque do percentual do direito de arena destinado aos atletas. Aguarda-se, agora, o trâmite e votação da MP 984/20 no Congresso Nacional, com suas incríveis 91 emendas, a fim de que verifiquemos o teor final da redação do dispositivo que regulará o direito de arena, se é que a medida prevalecerá – são coisas do processo legislativo brasileiro e da nossa dificuldade em propor e fazer previsões e alterações de normas que impactam no cotidiano do trabalhador de modo mais seguro, equilibrado e duradouro.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, sendo de total responsabilidade do Autor deste.
¹ Advogado. Autor do Livro DIREITO DESPORTIVO TRABALHISTA – CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO DESPORTIVO, 2019, Ed. Juruá. Vice-Presidente do IDDBA – INSTITUTO DE DIREITO DESPORTIVO DA BAHIA. Membro do IBDD – INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DESPORTIVO. Membro do IBDT – INSTITUTO BAHIANO DE DIREITO DO TRABALHO. Vice-Presidente da CDD da OAB-SE. Membro da CDD da ABRAT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS.
² Art. 100. A entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga. Parágrafo único. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo
³ CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO DESPORTIVO.
4 Art. 46. Para fins do disposto no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615, de 1998, a respeito do direito de arena, o percentual de cinco por cento devido aos atletas profissionais será repassado pela emissora detentora dos direitos de transmissão diretamente às entidades sindicais de âmbito nacional da modalidade, regularmente constituídas. Parágrafo único. O repasse pela entidade sindical aos atletas profissionais participantes do espetáculo deverá ocorrer no prazo de sessenta dias.
5 § 1º. Serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo de que trata o caput, cinco por cento da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho
6 XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.
7 União de grandes clubes brasileiros realizada a partir de 1987 para a defesa dos interesses das entidades de prática desportiva, inclusive negociações de direitos de transmissão dos Campeonatos Brasileiros.
8 Clube que exatamente iniciou o processo de desidratação do Clubes dos 13, quando decidiu negociar individualmente os direitos de transmissão em busca de vantagens individuais nas negociações dos direitos de transmissão no que foi, gradativamente, seguido pelos demais.
[9] §4º. Na hipótese de eventos desportivos sem definição do mando de jogo, a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, dependerá da anuência de ambas as entidades de prática desportiva participantes” (NR)
[10] Conceituação livre: obrigação assumida por empresas e gestores para se manterem conforme normas, leis e diretrizes internas das entidades, baseado em sistema de controle que permite esclarecer e proporcionar transparência, ética e segurança na prevenção e combate a desvios de finalidades ou irregularidades, especialmente no espectro da contabilidade e suas demonstrações financeiras e contratuais
[11] Projeto apresentado pelo Deputado Arthur Maia (DEM-BA) para suspender o pagamento de dívidas dos clubes de futebol com a União durante a pandemia (Fonte: Agência Câmara de Notícias). A previsão de redução da importância mínima para a cláusula compensatória foi retirada, sendo aprovado o Projeto de Lei 1013/20 na forma do substitutivo apresentado pelo relator, deputado Marcelo Aro (PP-MG), ao projeto original do deputado Hélio Leite (DEM-PA) e dois apensados (Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/camara-aprova-projeto-que-suspende-dividas-de-clubes-de-futebol-na-pandemia/)
[12] https://istoe.com.br/jogadores-protestam-em-video-contra-reducao-de-50-da-multa-rescisoria/
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