Direito do Desporto: Porquê? Para quê?

Alexandre Miguel Mestre

Utilizando gíria futebolística, direi que é agora dado o pontapé de saída. Começo hoje a colaborar semanalmente, todas as quartas-feiras, com a SÁBADO. Aceitei, com todo o gosto, o repto de partilhar factos e análises no âmbito do Direito do Desporto, área apaixonante a que me dedico como Advogado e Docente. Convido então o leitor a acompanhar-me, seguindo esta crónica a que chamei de Lex Sportiva. E, claro está, agradeço antecipadamente que comente, critique, sugira, em proveito dos demais leitores e do culto do Direito do Desporto. O meu correio electrónico consta abaixo.

Mas porquê, para quê o Direito do Desporto? (perguntará o leitor). Será assim tão relevante? Que temas podem interessar? Na resposta a essas dúvidas legítimas, convido-o a uma viagem retrospectiva pelo mês de Abril. Sobram temáticas aliciantes a entrecruzar Direito e Desporto. Vejamos.

Logo no primeiro de Abril, a Federação Portuguesa de Futebol publicou e fez entrar em vigor o novo Regulamento de Intermediários, para reger o acesso e o exercício da actividade dos que antes se chamavam “agentes FIFA” ou empresários desportivos. Um “admirável mundo novo” que a FIFA espoletou e a que as federações nacionais tiveram de dar resposta. Desregulamentação ou transferência da regulamentação da FIFA para as federações nacionais?

Ainda no “mundo FIFA” – que alguns consideram um “mundo à parte” – Abril foi o mês em que a UEFA e a FIFPRO fizeram chegar à Comissão Europeia uma queixa contra o novo regulamento FIFA que consagra o “fim dos fundos de investimento no futebol”, para simplificarmos a terminologia. Entrará mesmo em vigor no dia 1 de Maio próximo? Que consequências para o futebol mundial, em geral, e português em particular?

Abril foi também um mês em que se sucederam casos no domínio da ética desportiva e seu enquadramento jurídico. Quase sempre pela negativa. Lamentavelmente, parece algo de incontornável, quase inevitável. Mas não pode ser. Até porque se o cerco normativo se adensa tem de dar frutos. Houve mais fenómenos de violência associada ao desporto, em Portugal e no estrangeiro, em torno de diferentes modalidades desportivas. Por outro lado, um antigo nadador olímpico, medalhado em Pequim 2008 e Londres 2012 deu à estampa, num livro auto-biográfico, revelações de consumo de cocaína que reputou de algo normal (?!), chamando a terreiro uma discussão que nem sequer encontra consenso nos especialistas em medicina desportiva: como deve a Agência Mundial Antidopagem lidar com as chamadas “drogas sociais”? Outra espécie de doping – o chamado “doping tecnológico” veio à tona numa modalidade fértil em casos de doping puro e duro, o ciclismo: será que é mesmo verdade o que a UCI terá apurado, de que desde 1998 se utilizam motores em bicicletas? E agora?! Outra questão: Stuart Page, Director do Departamento Internacional de Cooperação Policial do ICSS, afirmou publicamente que (apesar de iniciativas legislativas, mesmo à escala global) 80% de apostas desportivas no mundo são ilegais. Mas há mais: ainda neste mês, intra e extramuros, proliferaram suspeitas de jogos combinados/manipulados, outro atentado à verdade desportiva.

Abril tem igualmente sido um mês em que o chamado “Direito Olímpico” vem sendo convocado, suscitando algumas dúvidas, designadamente face à lei e à Carta Olímpica. Na Rússia emergiu uma proposta para se legislar a restrição da participação de atletas a dois Jogos Olímpicos, alegadamente para evitar que atletas “mais velhos” e “com mais propensão para lesões” “retirem oportunidades aos mais jovens”… No Brasil, a legislação ambiental – que o Governo brasileiro se comprometeu, formalmente, a (fazer) respeitar quando Rio de Janeiro submeteu a candidatura para organizar os Jogos Olímpicos de 2016 – não parece ser dissuasora o suficiente, tal a poluição nas águas em que supostamente a canoagem e o remo se disputarão…

Num outro plano, uma boa notícia: nas vésperas do Grande Prémio do Bahrain (onde, segundo a Amnistia Internacional, existem violentos abusos), Bernie Ecclestone, o “patrão da Fórmula 1” aprovou um documento em que a (organização da) F1 se compromete a respeitar e reconhecer os direitos humanos, implementando uma política de auditoria prévia antes de se assinarem contratos com os anfitriões de etapas do Mundial…

Ainda neste mês, dê-se conta de relevantes iniciativas governamentais sobre temáticas muito distintas, duas delas sem precedentes. Novas boas notícias: o Irão vai levantar parcialmente a proibição de as mulheres poderem assistir a eventos desportivos masculinos; em Portugal, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei relativa à antidopagem no desporto, adoptando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem, e já vigora o Decreto-Lei que protege o nome, a imagem e as actividades desenvolvidas pelas federações desportivas (vital combate à “pirataria”…).

Três últimos exemplos, bem actuais: nos últimos dias voltou a discutir-se a questão dos salários em atraso no futebol (existe violação do direito ao trabalho? Como deve a Liga regulamentar e fiscalizar estas questões?); a utilização de jogadores “emprestados” num jogo que opõe o cedente ao cessionário (importa novo enquadramento regulamentar? qual?); e a (felizmente gorada) “greve” dos árbitros na Primeira Liga (que argumentos a favor e contra a posição dos árbitros e da APAF face ao pagamento pelos “patrocínios”? O que sucederia, face ao Regulamento de Arbitragem e ao Regulamento Disciplinar, caso ocorresse a “dispensa colectiva” não autorizada/injustificada de árbitros por 5 jornadas consecutivas?).

Recuperemos o fôlego, caro leitor, e façamos uma reflexão, em conjunto. Parece não haver espaço para muitas dúvidas: tal como não há sociedade (democrática) sem Direito, não pode haver um desporto (justo e verdadeiro) sem o Direito.

Aqui chegados, fica marcado encontro para a semana, estimado leitor. Trataremos então o nosso primeiro tema. Pelo Desporto e pelo Direito. Até lá!

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Perfil: Alexandre Mestre é Advogado, Consultor na Abreu Advogados e também docente de Direito do Desporto. É Ex-Secretário de Estado do Desporto e Juventude

 

Fonte: http://www.sabado.pt/

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