Direito e Desporto

COLECÇÃO DOS PARECERES DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA DE PORTUGAL

Introdução

1. O volume VIII dos PARECERES, integrado na fase temática da publicação, vai dedicado ao “Direito e Desporto”.

A autonomização do tema, aconselhada também pela diversidade da intervenção do Conselho Consultivo na matéria, revela a crescente interacção entre as actividades desportivas e, especialmente, as práticas desportivas e as diversas dinàmicas que lhes estão associadas e o direito, exigindo intervenções reguladoras com uma abordagem sistemática própria tanto do direito privado como no domínio do direito público.

2. A percepção de que o fenómeno desportivo, nas suas múltiplas e cada vez mais intensas manifestações – muitas sobrepondo-se e ocupando gradualmente o espaço natural da noção de desporto – , não poderia conviver apenas com a sua auto-regulação, levou o legislador a intervir na disciplina de áreas com crescente relevância quando imposições de interesse público mais ddirectamente se manifestaram.

De par com a identificação dos espaços de carência de intervenção normativa, o estudo sistemático das matérias relativas ao tema tem sido crescentemente desenvolvido, com assinalável desenvolvimento teórico, afinando noções e densificando conceitos, contribuindo para a definição e delimitação de uma área do direito, que não poderá ser já considerada apenas como espaço de confluência pontual de princípios e regras do direito civil, do trabalho ou administrativo, mas verdadeiramente como área temática relevante, próxima de um ramo de direito – que por vezes se ensaia já na qualificação de “direito desportivo” ou “direito do desporto”.

Esta linha de evolução é bem marcada no plano comparado e comprovada através de estudos, colóquios, seminários e publicação de revistas especializadas; no âmbito nacional deve ser salientada a aproximação ao tema e o estudo jurídico empreendido, por vezes pioneiro, por José Manuel Meirim.

3. A publicação, no início da década de 90, da Lei de Bases do Sistema Desportivo, constutui referência fundamental na intervenção legislativa no fenómeno desportivo, como diploma verdadeiramente estruturante da orgânica institucional e jurídica do desporto, delimitando os espaços do público e do privado e definindo os grandes princípios normativos orientadores da ntervenção necessária, mas limitada, dos poderes públicos.

As questões ligadas à organização do desporto – dos organismos públicos para a execução da política definida para o sector, aos privados que estruturam, coordenam e se auto-organizam para a prática desportiva, especialmente de competição – assumem uma posição central na intenção legislativa e na construção do diploma.

Na perspectiva organizatória, as federações desportivas, a sua natureza jurícica, a dimensão e a qualificação dos poderes que exercem, a natureza e o regime jurídico dos actos que pratiquem no exercício das suas competências quando esteja em causa o exercício de poderes públicos, exigem ao legislador apertada ponderação em função do equilíbrio dos intereses públicos e privados que se apresentam e que cumpre salvaguardar, mas, por isso mesmo, suscitam no plano jurídico questões de delicada abordagem e enquadramento.

Mas não só. Também as actividades desportivas, na acepção lata do conceito que integra o desporto profissional, com a dimensão económica que crecentemente atingiram, impuseram a definição de regras destinadas a garantir a confiança do público e dos diversos agentes envolvidos – e aqui se salientam as normas sobre gestão, o regime de constituição de sociedades anónimas desportivas, o regime contratual dos praticantes desportivos profissionais, e, finalmente, a intervenção autónoma do direito penal na tutela da lealdade, verdade e transparência na competição, sancionando a corrupção no fenómeno desportivo.

A dimensão económica da competição e a organização das grandes competições, como espectáculos desportivos à escala nacional ou internacional, apresenta, por seu lado, diversos problemas a imporem solução; pense-se, nomeadamente, no conflito e na necessária compatibilização entre o espectáculo e a sua organização, como direitos de titularidade própria e patrimonialmente autónomos, e o direito de informação sobre eventos de evidente impacto nacional ou transnacional.

4. Nesta área tem sido relevante a intervenção do Conselho Consultivo.

Antes e após a Lei de Bases variadas questões foram submetidas a apreciação e emitidos pareceres, por vezes percorrendo novos caminhos, em domínios onde a construção dogmática e o apuramento de conceitos impõe um esforço saliente de investigação.

A natureza jurídica das federações desportivas, a qualificação dos seus actos, a atribuição de utilidade pública, o exercício de poderes públicos nomeadamente em matéria de disciplina e os poderes de tutela, foram questões analisadas em pareceres que revelam a complexidade das matérias e o esforço de investigação envolvido.

Mas outros temas em redor da complexidade da organização desportiva como espectáculo e da coordenação com o direito de informação têm estados presentes no labor a que o Conselho foi chamado nesta matéria.

Os comentários desenvolvidos que estão recolhidos neste volume, bem como a selecção de pareceres de publicação integral, determinada pela importância das questões tratadas, transmitem uma imagem bem marcada do trabalho do Conselho e oferecem um relevante acervo de informação.

António Henriques Gaspar.

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