DIREITOS DE TRANSMISSÃO: DE ONDE PARTIMOS E ONDE QUEREMOS CHEGAR?

Por Danielle Maiolini¹

Membro filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Desde a sua aprovação, a MP 984 tem sido objeto de discussões e debates que se iniciam na constitucionalidade que envolve a sua edição, passam pelos efeitos aplicáveis aos contratos de transmissão já em vigor, e desembocam na nova dinâmica atrelada às novas formas de rateio e repasse de verbas entre os participantes do espetáculo desportivo. Por qualquer ângulo que se olhe, argumentos favoráveis ou contrários à sua edição permeiam o cenário esportivo acadêmico e profissional. Entre tantas dúvidas, e a par das opiniões que pesam para um lado ou outro da equação, algo é certo: estamos apenas no começo de um longo e novo caminho.

A MP 984 trouxe mudanças que vieram para ficar e, no que se refere à sua contribuição para potencializar as possibilidades que envolvem a transmissão do produto esportivo, merece ser olhada com bons olhos. Se soubermos aproveitar a oportunidade, é possível que estejamos diante de um cenário propício à transmissão de mais futebol e, consequentemente, diante de um cenário mais profícuo à valorização do espetáculo. Em última instância, um cenário benéfico aos torcedores.

Dentre alguns os pontos positivos da mudança, o principal talvez seja seu ponto de partida: conceder aos clubes mandantes o direito à transmissão de suas próprias partidas. Nos anos que antecederam a nova dinâmica proposta, o compartilhamento do direito de transmissão entre mandante e visitante acabou resultando na curiosa situação em que cada clube tivesse apenas metade de um ativo. Uma espécie de direito compartilhado e, talvez por isso, concedido às meias, já que só poderia ser plenamente exercido caso houvesse acordo com o seu coproprietário.

Se olharmos a coisa de um ponto de vista prático, perceberíamos que, em verdade, ao clube não subsistia direito algum, na medida em que qualquer desacordo entre mandante e visitante quanto ao veículo de transmissão da partida resultaria, inevitavelmente, no seu simples apagão. “Blackout”, é o nome dado ao impasse em que um mesmo jogo é vendido duas vezes (pelo mandante e pelo visitante) a emissoras diversas. Porque ambas só possuem autorização para transmitir os jogos de um deles, e não de ambos, o resultado desemboca na ausência de transmissão do espetáculo. Um cenário em que perdiam os clubes, perdia o campeonato, e perdiam os torcedores.

Esse descompasso, nos últimos anos, culminou no fato de que cerca de 50% dos jogos do Campeonato Brasileiro estivessem fora da mesa para serem vendidos, obrigando o torcedor a pagar pelo pay-per-view caso quisesse ver seu time do coração, ou apenas uma boa partida.

Além de desvalorizar o produto, há quem entenda que esse modelo contribuiu para a diminuição da audiência e para a elitização do futebol. Isso porque, com mais partidas disponíveis para serem exibidas, o novo modelo garantiria um futebol mais democrático e mais acessível.

No que se refere à nova dinâmica possível de articulação entre os Clubes decorrentes da novidade, importa dizer que se abre uma oportunidade para construir novos caminhos. Quem sabe, remodelar tentativas passadas de um projeto de união, com o objetivo de valorizar o futebol brasileiro enquanto produto.

Para isso, uma importante estratégia consiste em fugir à tentação de fazer valer o direito, e negociá-lo individualmente. Uma empreitada que desconsidere a força da negociação coletiva pode resultar no aumento da desigualdade entre clubes com maior e menor poder comercial e, como já vimos acontecer lá fora, depreciar a qualidade da competição.

Apesar de devolver aos clubes, individualmente, o direito à negociação da transmissão dos seus jogos, o modelo jurídico proposto pela MP não determina que as negociações devam se dar separadamente. Pelo contrário, o que o modelo jurídico faz é, justamente, abrir uma oportunidade para que os clubes sejam apresentados às vantagens de uma negociação coletiva e coordenada.

Quanto maior o número de clubes envolvidos na negociação, maior o número de jogos disponíveis, e melhores as condições de monetização que envolvem a venda dos direitos de transmissão. Uma conta que se assemelha a boas práticas atualmente adotadas em várias partes do mundo onde um rateio mais proporcional e equânime de receitas contribuiu para o beneficiamento do produto oferecido ao torcedor. Como dissemos, as oportunidades são muitas. Resta saber se queremos aproveita-las.

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade da Autora deste texto.


¹Membro do IBDD; Advogada no CSMV na área de Esportes, Entretenimento e eSports; Sócia da E-Flix e-Sports com atuação junto à Netshoes e à CBF e-Sports; Procuradora do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol e Colunista do Lei em Campo no Uol Esporte. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Pós-Graduada em Direito pela Universidade de Coimbra, é Professora no Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo e Negócios do Esporte do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN).