DIREITOS DE TRANSMISSÃO E NOVAS MÍDIAS: Desafios, Limitações e Oportunidades no Cenário Esportivo

DIREITOS DE TRANSMISSÃO E NOVAS MÍDIAS:

Desafios, Limitações e Oportunidades no Cenário Esportivo

 

Fábio Ferreira de Carvalho[1]

A evolução tecnológica e o surgimento de novas mídias transformaram radicalmente a forma como o esporte é consumido, impactando diretamente os direitos de transmissão e a relação entre detentores de direitos, radiodifusores e o público.

O presente artigo busca analisar os desafios e oportunidades que emergem desse novo cenário, à luz da legislação brasileira e das tendências internacionais.

O MARCO REGULATÓRIO DOS DIREITOS DE TRANSMISSÃO NO BRASIL

No Brasil, a Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) e a Lei do Direito de Arena (Lei nº 14.205/21) constituem o arcabouço legal que regula os direitos de transmissão de eventos esportivos. A Lei Pelé estabelece que os direitos de transmissão pertencem à s entidades de prática desportiva, enquanto a Lei do Direito de Arena garante ao clube mandante o direito exclusivo de negociar a transmissão de partidas realizadas em seu estádio.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) também se aplica ao contexto dos direitos de transmissão, impondo obrigações aos agentes de tratamento de dados pessoais coletados durante a transmissão de eventos esportivos.

Este dispositivo legal (LGPD) impacta diretamente a transmissão de eventos esportivos, especialmente no que tange à captação e uso de dados pessoais dos espectadores, atletas e demais envolvidos. A LGPD estabelece regras para o tratamento de dados pessoais, incluindo coleta, armazenamento, compartilhamento e exclusão, visando garantir a privacidade e a proteção dos direitos dos titulares dos dados.

No contexto dos direitos de transmissão, a LGPD exige que as empresas detentoras dos direitos e as plataformas de transmissão observem os princípios da finalidade, necessidade, adequação, transparência, segurança e accountability no tratamento dos dados pessoais.

Urge consignar que a imagem de qualquer pessoa é um dos aspectos de sua dignidade, tanto que a Constituição assegura a sua inviolabilidade (artigo 5º, inciso X) ao mesmo tempo em que confere à lei a tarefa de estabelecer critérios de proteção alusivos à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas (inciso XXVII, “a”, artigo 5º CF).

No plano infraconstitucional, prescreve o artigo 11 do Có digo Civil que, com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Inclusive o artigo 18 desse mesmo códex estabelece que, sem autorização, nã o se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Nessa mesmos sentido, o artigo 20 do Código Civil preconiza que, salvo quando autorizadas, a divulgação da palavra, publicação ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, se destinadas a fins comerciais.

Tem-se, pois, que tais questões devem sempre ser devidamente apreciadas, evitando que direitos sejam violados e reparações civis se façam necessárias.

O IMPACTO DAS NOVAS MÍDIAS NOS DIREITOS DE TRANSMISSÃO

 

O advento das novas mídias, como plataformas de streaming e redes sociais, ampliou as possibilidades de transmissão de eventos esportivos, alcançando um público mais amplo e diversificado. No entanto, essa expansão também trouxe desafios, como a pirataria, a fragmentação dos direitos e a necessidade de adaptação dos modelos de negócio.

A pirataria digital representa uma ameaça à sustentabilidade financeira dos detentores de direitos, que veem seus investimentos ameaçados pela transmissão ilegal de conteúdo. A fragmentação dos direitos, por sua vez, dificulta a negociação e a gestão dos contratos, exigindo novas estratégias e parcerias.

OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA OS DETENTORES DE DIREITOS

 

As novas mídias oferecem aos detentores de direitos a oportunidade de explorar novos mercados e formatos de transmissão, como a produção de conteúdo exclusivo para plataformas de streaming e a interação com o público através das redes sociais. No entanto, é fundamental que os detentores de direitos se adaptem à s novas tecnologias e desenvolvam

modelos de negócio inovadores para garantir a rentabilidade de seus investimentos.

A proteção da propriedade intelectual e o combate à pirataria sã o desafios cruciais para os detentores de direitos. A cooperação com as autoridades competentes e a utilização de tecnologias de segurança são medidas essenciais para garantir a integridade do conteúdo e a

remuneração adequada dos titulares dos direitos.

A efetiva implementação das novas regras e a adaptação do mercado à s mudanças podem ser lentas e complexas. A fiscalização do cumprimento das normas também demanda atenção e recursos, a fim de garantir a efetividade da legislação.

A CENTRALIDADE DO MANDANTE E O DIREITO DE ARENA

 

A Lei Geral do Esporte reafirma a centralidade do mandante na negociação dos direitos de transmissão, permitindo-lhe negociar diretamente com emissoras e plataformas de mídia.

Tal medida fortalece os clubes, conferindo-lhes maior autonomia na gestão de seus ativos. A Lei Geral do Esporte também inovou ao estabelecer a possibilidade de acordos coletivos entre ligas, federações e entidades representativas de atletas, com o intuito de potencializar o poder de barganha e obter melhores condições para os envolvidos.

Paralelamente, a alteração da Lei Pelé expandiu o conceito de direito de arena, abrangendo nã o apenas a transmissão ao vivo, mas também a utilização de imagens e sons para fins comerciais. Essa ampliação valoriza o espetáculo esportivo e protege os interesses de clubes e atletas, garantindo-lhes uma parcela dos lucros gerados pela exploração de suas imagens.

PARTICIPAÇÃO DOS ATLETAS E A BUSCA POR EQUIDADE

 

A Lei Geral do Esporte introduziu um importante avanço ao determinar a participação mínima de 5% (cinco por cento) da receita líquida obtida com a venda dos direitos de transmissão para os atletas profissionais. Essa medida visa valorizar o papel crucial dos atletas no espetáculo esportivo, assegurando uma distribuição mais justa dos recursos gerados.

No entanto, a efetividade dessa participação ainda é questionável. O percentual de 5% (cinco por cento) pode ser considerado baixo, especialmente em comparação com outros países.

Além disso, a fiscalização do cumprimento dessa norma e a garantia de que os atletas recebam efetivamente sua parte ainda sã o desafios a serem superados.

TRANSMISSÃO EM REDES SOCIAIS E O DIREITO DE ARENA

A transmissão de eventos esportivos em redes sociais, sem a autorização da entidade mandante, pode configurar violação do direito de arena. Isso ocorre porque a transmissão, mesmo que realizada por particulares, envolve a captação e reprodução de imagens do evento, atividades protegidas pelo direito de arena.

A jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de que a transmissão não autorizada de eventos esportivos em redes sociais configura violação do direito de arena, mesmo que a transmissão seja realizada por um usuário comum e nã o tenha fins comerciais.

É fundamental que os usuários de redes sociais estejam cientes das regras e limites para a transmissão de eventos esportivos, a fim de evitar violações do direito de arena e garantir a sustentabilidade do esporte profissional. A busca por um equilíbrio entre a proteção dos direitos das entidades mandantes e a liberdade de expressão nas redes sociais é um desafio constante para o direito desportivo.

 

EXCEÇÕES E LIMITAÇÕES

Embora a regra geral seja a necessidade de autorização da entidade mandante para a transmissão em redes sociais, existem algumas exceções e limitações. A transmissão de pequenos trechos do evento, com fins de informação jornalística, pode ser considerada lícita, desde que nã o prejudique a exploração econômica do direito de arena pela entidade mandante.

Além disso, a Lei Geral do Esporte prevê a possibilidade de acordos entre a entidade mandante e os atletas para a exploração individual de suas imagens em redes sociais. Nesses

casos, os atletas podem transmitir trechos do evento em seus perfis pessoais, desde que respeitem os termos do acordo firmado com a entidade mandante.

TRANSPARÊNCIA

 

A Lei Geral do Esporte também impõe maior transparência nas negociações e contratos relacionados aos direitos de transmissão, exigindo a divulgação dos valores e condições acordadas. Essa medida busca coibir irregularidades e promover a equidade no setor,

combatendo práticas obscuras que prejudicam clubes e atletas.

PERSPECTIVAS FUTURAS

 

O futuro dos direitos de transmissão no esporte passa pela adaptação do marco regulatório às novas mídias. A legislação deve acompanhar a evolução tecnológica, garantindo a proteção dos direitos das entidades desportivas e dos atletas, ao mesmo tempo em que fomenta a inovação e a democratização do acesso ao esporte.

A doutrina jurídica tem um papel fundamental nesse processo, contribuindo com aná lises e

propostas que auxiliem na construção de um marco regulatório moderno e eficiente. O diálogo entre os diversos atores envolvidos, como entidades desportivas, atletas, empresas de mídia e Poder Público, é essencial para encontrar soluções que beneficiem a todos e promovam o desenvolvimento do esporte no Brasil.

A Lei Geral do Esporte também abre espaço para discussões sobre a distribuição da receita do direito de arena entre os atletas, especialmente em relação à participação dos atletas visitantes. A jurisprudência e a doutrina ainda estão construindo entendimentos sobre essa questão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O cenário atual dos direitos de transmissão no esporte é marcado por desafios e oportunidades. As novas mídias oferecem um potencial de crescimento e inovação, mas também exigem adaptação e novas estratégias por parte dos detentores de direitos.

A legislação brasileira precisa acompanhar as transformações tecnológicas e garantir a proteção dos direitos de transmissão, combatendo a pirataria e promovendo um ambiente de

concorrência leal. A cooperação entre os diversos atores do mercado, como detentores de direitos, radiodifusores, plataformas de streaming e autoridades públicas, é fundamental para o desenvolvimento sustentável do setor.

O futuro dos direitos de transmissão no esporte dependerá da capacidade de adaptação dos agentes do mercado às novas tecnologias e da criação de modelos de negócio inovadores que garantam a remuneração justa dos detentores de direitos e a democratização do acesso ao esporte para o público.

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*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.”

[1] Fábio Ferreira de Carvalho é advogado, membro do IBDD, especialista em Direito Empresarial e Direito Desportivo, atuando há mais de 23 anos como CEO Founder da FFCLAW/ADVOCACIA.  Ex-Presidente da Comissão de Informática Jurídica da Ordem dos Advogados de São Paulo – Subseção Guarulhos.