EDUCAÇÃO ANTIDOPAGEM E A MUDANÇA DE POSTURA DA WADA

Thomaz Sousa Lima Mattos de Paiva e André Oliveira Teodoro Lopes[2]

Membros Filiados ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD

A exemplo do que ocorre no Direito Penal, o Direito Desportivo, no que se refere ao doping, apresenta correntes de pensamento extremamente punitivistas. Boa parte de quem atua nesse meio – e a esmagadora maioria entre quem não atua – considera a repressão como sendo a arma mais eficiente no combate antidopagem.

Há quem diga que, durante muitos anos, a WADA[3] (World Anti-Doping Organization, ou Organização Mundial Antidopagem) adotou essa postura. O sistema hoje vigente é tido por muitos como focado na realização de testes e na punição severa dos “culpados”, sem que seja feito qualquer tipo de trabalho relevante no sentido de prevenir a ocorrência das violações previstas pelo Código da WADA.

Pode-se dizer, com certa segurança, que essa abordagem falhou. Por mais agressiva que seja a postura dos órgãos reguladores, sempre houve e sempre haverá a vontade de burlar a regra para obter vantagem, bem como a ignorância que leva ao doping acidental – esta última responsável por grande parcela das ocorrências.

Demonstrando ter entendido deste modo, a WADA vem mudando sua postura[4]. No Código Antidopagem de 2021, foi incluída a definição de “educação”, que inclui 4 pontos chave:

  • Conscientização;
  • Informação;
  • Ensino de valores;
  • Educação anti-doping.

Pode parecer uma medida inócua à primeira vista, mas é, na verdade, uma medida simbólica muito significativa, dado que a não existência desta demonstrava o descaso da organização para com o tema.

Foi acrescentado, ainda, que a educação à que faz referência o Código deverá ser conduzida, quando “face a face”, por agente treinado(a) e autorizado(a): um(a) “Educador(a)”, o que demonstra real interesse em profissionalizar a educação antidopagem.

Há alguns anos, foi criado um documento específico para este contexto: o ISE[5] (International Standards for Education – Parâmetros Internacionais de Educação, em tradução literal), com o objetivo de fortalecer a ideia de que a educação pode prevenir substancialmente a ocorrência de violações antidoping.

Foram nele traçados princípios básicos a serem observados por todas as partes da indústria do esporte, e ele vem ganhando mais força na medida em que o tempo passa. Na edição que entrará em vigor em 2021, o ISE se propõe a reconhecer a diversidade cultural ao redor do mundo, e define, como diretrizes, que:

  • O primeiro contato de um(a) atleta com o doping deve ser através da educação, e não do teste antidopagem;
  • Atletas internacionais devem ter acesso a conteúdo educacional antes de saírem de seu país;
  • Em geral, os atletas se iniciam no esporte “limpos”, sem violar as regras antidopagem, e, portanto os programas educacionais implementados devem reforçar este ponto;
  • A educação oferecida deve ser moldada à necessidade de quem aprende;
  • Os signatários da WADA devem colaborar entre si.
  • Todos os signatários da WADA devem ter a possibilidade de praticar os preceitos e requerimentos do ISE, independentemente de questões financeiras e/ou estruturais;
  • Deve-se atentar aos programas educacionais já existentes, de modo a evitar a “duplicação” – ou seja, oferecer a mesma educação duas vezes ao mesmo público alvo.

A ideia é que todos os envolvidos trabalhem juntos para que os atletas possam ser devidamente educados antes de serem testados. Passa a ser obrigatório que os signatários desenvolvam um plano de educação antidoping, monitorando sua aplicação e desenvolvimento, e reportando seu desempenho anualmente.

A própria WADA já vem produzindo, há algum tempo, uma gama de materiais de ensino no que tange à educação, em especial a plataforma ADeL[6] (anti-Doping e-Learning Platform). Ela própria tomou a iniciativa de preparar conteúdo de instrução para as organizações e para os atletas, dos quais será exigido esforço mínimo, o que pode ser interpretado como mais um sinal de mudança de postura.

Será também obrigação dos signatários um Education Pool, contendo, no mínimo, registros dos atletas já testados e dos atletas sancionados por violações antidopagem. A WADA fornecerá o suporte necessário para o cumprimento destas metas, a exemplo das demais.

Na medida do seu grau de influência, cada organização recebeu algumas incumbências:

  • Agências nacionais de controle antidopagem:
    • Definidas como autoridades na educação antidoping em seus respectivos países;
    • Devem encorajar a educação antidoping no âmbito escolar, e, de modo complementar, no sistema desportivo nacional – especialmente em países que não abordam o esporte em seus programas escolares;
    • Devem trabalhar em colaboração com as federações internacionais para a implementação da educação antidoping;
  • Federações internacionais:
    • Devem priorizar a educação de atletas de nível internacional;
    • Sugere-se que forneçam programas de educação antidoping nos locais onde eventos com testes antidopagem forem realizados, em cooperação com as demais entidades envolvidas;
    • Cobrar cooperação entre federações nacionais e agências nacionais de controle antidopagem.
  • Organizadores de megaeventos esportivos:
    • Sugere-se que forneçam programas de educação antidoping nos locais onde os eventos forem realizados, em cooperação com as demais entidades envolvidas, a exemplo das federações internacionais;
  • Comitês Olímpicos e Paralímpicos Nacionais
    • Devem assumir as funções da agência nacional de controle antidopagem, caso esta não exista no país;
    • Devem trabalhar, em colaboração com as demais entidades nacionais, para que seja oferecida educação antidoping anterior à realização dos eventos esportivos de grande porte.

Essa certamente foi a principal mensagem passada pela WADA às organizações antidopagem ao redor do mundo durante o webinar realizado no dia 03/06/2020. Provavelmente, seria também a principal pauta da Global Education Conference – 2020, que seria realizada em Sidney, mas que foi adiada para 2021[7] em função da pandemia de Covid-19.

O contexto geral parece mais promissor do que nunca, ainda que um pouco distante do ideal, em termos práticos. Há de ser reconhecido que o esforço existe por parte da WADA para melhorar a educação antidoping – e todo trabalho em favor da educação deve ser aplaudido, seja no esporte ou fora dele.

* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.


[1] THOMAZ SOUSA LIMA MATTOS DE PAIVA – Sócio na Mattos de Paiva, Nogueira e Ribeiro Advogados; Membro Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD; Assessor Antidopagem da Confederação Brasileira de Atletismo – CBAt.

[2] ANDRÉ OLIVEIRA TEODORO LOPES – Associado na Mattos de Paiva, Nogueira e Ribeiro Advogados; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD; LLM em Direito Desportivo pelo ISDE – Madrid; Pós-graduado em Negócios do Esporte e Direito Desportivo – CEDIN.

[3] https://www.wada-ama.org/

[4] https://www.wada-ama.org/en/resources/search?f%5B0%5D=field_resource_collections%3A228

[5] https://www.wada-ama.org/en/resources/the-code/2021-international-standard-for-education

[6] https://adel.wada-ama.org/

 

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