Gustavo Lopes Pires de Souza – Diretor Regional do IBDD
Nos últimos anos, os preços dos ingressos para os jogos de futebol tiveram um aumento substancial (segundo pesquisa recente, o Brasil tem os bilhetes mais caros do mundo), o que tem gerado calorosos debates acerca da elitização do futebol e do afastamento dos estádios de significativa parte da população brasileira. O debate torna-se ainda mais relevante quando se considera o esporte bretão como parte da cultura brasileira.
O lazer é um direito social consagrado no artigo 6º, da Constituição Brasileira. Além disso, o artigo 217, do texto constitucional, que trata do desporto, estabelece que o Poder Publico deverá incentivar o lazer como forma de promoção social. Ou seja, o desporto, inclusive o futebol, correspondem a atividades de lazer que devem ser incentivadas e promovidas pelo Estado. Finalmente, o artigo 227determina que o Estado assegure à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, direitos fundamentais e, dentre eles, o lazer. Outrossim, o desporto tem a importante função de auxiliar os programas governamentais de saúde e combate à violência.
Importante destacar que o Futebol surgiu como pedagogia, nos colégios universitários da Inglaterra vitoriana, ou seja, o futebol, antes de tudo, é pedagogia, ou seja, uma instância instauradora e promotora de valores.
Neste sentido, o sociólogo Maurício Murad, no livro a violência e o futebol (editora FGV, Rio de Janeiro, 2007) aponta experiências bem sucedidas de uma prática desportiva utilizada de forma pedagógica sócia como: o basquete da meia-noite, nos EUA, com equipes de “menores abandonados”; a Vila Olímpica da Mangueira, no Rio de Janeiro, que retira do vício e do crime um número considerável de jovens expostos à marginalidade; o Deporte para los Desplazados, na Colômbia, situado na área central do narcotráfico, em Medelin; o futebol feminino no Irã, um espaço onde as mulheres se despem orgulhosamente de coberturas negras que as escondem, desde o rosto até aos pés, e assim denunciam hábitos e dogmas; o futebol de integração em Cabul, onde também as mulheres ousam enfrentar os estigmas de uma cultura milenar, que as subvaloriza e que as escraviza; os clubes de “torcidas organizadas”, no Japão, “com um total de 67% dos seus integrantes, composto por crianças e por mulheres”, que não permite que os jogos tenham um ambiente nervoso, tenso, impulsivo; o futebol ecumênico no Líbano, com disputas ardorosas entre equipas das três grandes religiões monoteístas e em que um altíssimo grau de religiosidade se casa com imensa tolerância.
Por outro lado, o desporto de alto rendimento, especialmente, o futebol demandam altíssimos investimentos e a receita das bilheterias é essencial para sua manutenção. As equipes possuem orçamentos de milhões de reais mês a mês para manterem bons times e as atividades. Além disso, os torcedores querem que seus clubes de coração mantenham craques em seus elencos e que disputem títulos, o que, seguramente, não custa barato. Como qualquer espetáculo de qualidade, o futebol tem um custo muito alto e que deve ser arcado por seus “clientes” como ocorre, por exemplo nos grandes shows de estrelas internacionais. O Estatuto do Torcedor, por sua vez, traz uma série de exigências no que diz respeito à infraestrutura e ao conforto dos torcedores que acabam por impulsionar os preços dos ingressos.
Apesar do incrementos nos preços dos ingressos, o futebol brasileiro continua perdendo suas principais estrelas para os grandes clubes europeus e os clubes permanecem endividados.
Seria, então, a elitização do futebol brasileiro um caminho sem volta?
Sob o ponto de vista econômico e de viabilidade de um futebol de alto nível e de alto rendimento, a elitização mostra-se como um caminho sem volta, já que os clubes devem ofertar seu espetáculo com a venda de ingressos com preços compatíveis aos investimentos realizados. Outrossim, ao fixar os valores dos bilhetes, as entidades desportivas devem observar critérios e preços que permitam uma curva ascendente de receita e não uma descendente.
Já, sob o ponto de vista social, é possível, por meio de projetos governamentais, reverter a elitização do futebol. O primeiro passo foi dado, eis a “MP do Futebol”, determina que os clubes de futebol, que renegociarem suas dívidas fiscais com o governo, mantenham “oferta de ingressos a preços populares”. No entanto, a lei não estabelece os valores e forma de concessão dos preços populares.
Portanto, para se impedir a irreversível elitização do futebol e, ainda, utilizá-lo de forma pedagógica, o Poder Público, no exercício de seu dever constitucional deve criar meios e programas que permitam aos clubes oferecer ingressos populares e, ao mesmo tempo manter a receita necessária para sua manutenção em alto nível.