Gustavo Lopes Pires de Souza
Na partida entre Corinthians e Cruzeiro, válida pela 35ª rodada do Campeonato Brasileiro após marcar um pênalti sobre o atacante Ronaldo, o árbitro Sandro Meira Ricci foi alvo de severas críticas por parte da imprensa e dos membros da Comissão Técnica e jogadores do Cruzeiro.
Um torcedor, insatisfeito com a arbitragem, no exercício de seu direito constitucional de acesso ao Judiciário e, amparando-se no Estatuto do Torcedor, propôs ação contra Sandro Meira Ricci requerendo indenização por danos morais e materiais, conferindo-se à causa o valor de R$ 20.100,00 (vinte mil e cem reais). A ação foi distribuída no Juizado Especial de Belo Horizonte/MG sob o número 906078948.2010.8.13.0024.
Considerando-se a amplitude do conceito de torcedor estabelecida no art. 2º dispensáveis maiores fundamentos acerca da legitimidade ativa do cidadão.
A primeira questão ser analisada nesta ação é a legitimidade do árbitro em figurar no pólo passivo (como réu da ação).
Destarte, o Estatuto do Torcedor protege o consumidor de eventos esportivos em sua relação consumeirista com os fornecedores do evento, definidos, no art. 3º como a entidade responsável pela organização da competição e/ou a detentora do mando de jogo.
Neste esteio, tendo-se como base o Estatuto do Torcedor, a ação deveria ter sido proposta contra a CBF, responsável pela competição e/ou contra o Sport Club Corinthians Paulista, mandante, eis que não há qualquer relação de consumo entre o torcedor e o juiz da partida.
Eventual ação contra a pessoa natural do árbitro deveria ser proposta com fundamento exclusivo no Código Civil Brasileiro em virtude de eventual responsabilidade civil por ato ilícito (arts. 186 e 927).
Analisando o mérito da questão, de fato, nos termos do art. 30, do Estatuto do Torcedor, é direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial e isenta de pressões.
Entretanto, a responsabilidade do árbitro não é objetiva e para sua caracterização deve o autor da ação indicar se o juiz da partida agiu com dolo (intenção) ou com negligência, imprudência ou imperícia, o que não fora demonstrado no caso em comento.
Caso a ação tivesse sido proposta contra a CBF ou o Corinthians, haveria responsabilidade objetiva (independente de culpa). Por outro lado, a figura do árbitro na partida de futebol corresponde a uma forma de solução de conflitos previamente pactuada pelas partes (pelas Federações e competidores) em uma espécie de cláusula especial prevista no regulamento.
Assim, impera a autonomia da vontade das partes envolvidas, manifestada na medida em que são elas (Federações e Clubes) que definem os procedimentos que disciplinarão a partida. Ou seja, são criadas regras particulares e de comum acordo entre os interessados.
Importante acrescer que, realmente, durante os noventa minutos da partida a atividade do árbitro deve consistir no fiel cumprimento das leis que o regem, o que, em nenhuma hipótese, determina a ausência de falhas no seu atuar. Deve-se exigir do árbitro honestidade e não perfeição. Assim, é dever do autor comprovar a má-fé do Juiz da partida.
Concluir-se em sentido diverso afigura-se inevitável afronta ao próprio direito que o torcedor quer ver respeitado com a ação: uma arbitragem isenta de pressões, já que não há maior pressão que a da exigência da perfeição, como bem ressaltou a Juíza Cíntia Souto Machado de Andrade Guedes, nos autos do processo nº 2007.209.009534-1, comarca do Rio de Janeiro/RJ
Ademais, ao se tratar de conseqüências da não marcação de um pênalti, a ação de indenização será fulcrada no terreno das probabilidades e a responsabilização civil tem como pressuposto a ocorrência efetiva de um dano. Além disso, é da essência do torcedor sentimentos de toda ordem, inerentes, contudo, a uma partida de futebol, inserida num contexto de campeonato e de partida decisiva. Trata-se de mero dissabor oriundo das competições esportivas.
Imagine-se a insegurança jurídica de uma competição se a cada divergência de arbitragem houvesse demandas judiciais. Isso sem contar a pressão que os árbitros sofreriam a cada partida temendo serem réus em ações judiciais o que, aí sim, afrontaria o art. 30 do Estatuto do Torcedor.
Portanto, apesar da necessidade de maior conhecimento e utilização do Estatuto do Torcedor, o mesmo não deve ser utilizado para questionar as regras da competição ou erros humanos de arbitragem, mas, para garantir a eficiência e adequação na prestação do serviço desportivo abrangendo a transparência na organização da competição, segurança do torcedor partícipe do evento desportivo, venda de ingressos até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente, acesso a transporte seguro e organizado, higiene e qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local e observância, pelos Órgãos de Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, aos Princípios da Impessoalidade, Moralidade, Celeridade, Publicidade e Independência, tudo em conformidade com a Lei 10.671/03.
Gustavo Lopes Pires de Souza Mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lérida – Espanha, Membro dos Institutos Brasileiro e Mineiro de Direito Desportivo, Coordenador do Curso de Capacitação em Direito Desportivo da SATeducacional., Autor do livro: “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003)