André Sica¹ e Danielle Maiolini²
Membros Filiados ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD
Ao longo de um processo de amadurecimento econômico e profissional, o mercado esportivo passou a entender progressivamente que para além da competição – onde os clubes lutam por uma posição privilegiada no topo da tabela do campeonato – o êxito financeiro da indústria dependeria de uma ação coordenada entre os seus participantes.
Diferentemente de cenário em que se luta sozinho, e ao revés da concorrência que se opera em outros setores econômicos, o mercado do esporte necessita de uma espécie de cooperação mútua para sobreviver e para se valorizar. É de se dizer que os clubes são adversários em campo, mas sócios em diversas vertentes de um mesmo negócio, o Futebol Brasileiro.
Por isso, muito embora sejam concorrentes entre si, o objetivo comum de capitalização do espetáculo dentro de campo justifica que os clubes trabalhem em ações conjuntas fora dele. Assim, ao traçar as estratégias de criação, de gestão e, principalmente, de venda dos produtos decorrentes da competição, os clubes precisam ser, antes de adversários, aliados.
Nas palavras de Koldo³:
“Por um lado, a diferencia del resto de industrias, en las que cada empresa está capacitada para oferecer al mercado um determinado produto sin colaborar com otras empresas (por ejemplo, la Fox no precisa de otras productoras para elaborar uma película), las franquicias deportivas, los Clubes de beisebol, football, baloncesto o hockey, requieren de la participación de otras franquicias de su misma modalidade deportiva para programar partidos y jugar competiciones que puedan ser vendidas em el mercado del ócio, es decir, que se trata de um produto cooperativo”.
Hoje, em todo o mundo, Ligas resultantes da união de clubes carregam esse DNA e tendem a privilegiar a valorização econômica do produto em detrimento do resultado esportivo individual dos seus participantes. Uma estratégia que só pode ser alcançada pelo investimento em dois fatores que se relacionam: o equilíbrio competitivo e a imprevisibilidade do resultado. Quanto maior o equilíbrio, maior a competitividade e, portanto, a imprevisibilidade do resultado. Consequentemente, maior o interesse do público no produto e a receita que ele pode gerar. Não à toa, esses fatores, caros ao sistema desportivo, encontram-se consubstanciados em um dos seus princípios basilares, o pro competitione.
Como dissemos, exemplos de Ligas bem-sucedidas dentro e fora do futebol estão naquelas que, historicamente, fazem uso de uma gestão profissional e coletiva do seu produto, voltada quase que exclusivamente à obtenção de lucros, em detrimento da obtenção do resultado individual esportivo.
Para perseguir esse objetivo, não seria possível que uma ou duas equipes despontassem em relação às demais, sob pena de tornarem desinteressantes os confrontos nos quais o resultado pudesse ser facilmente presumido. Consequentemente, culminando na desvalorização do produto a ser comercializado.
Por isso, para preservar a competitividade, exemplos como a Premier League se dedicam à edição de regras de exploração coletiva do mercado que abarcam desde uma distribuição de receitas proporcionalmente equânime por temporada, à venda conjunta dos direitos de transmissão dos seus jogos.
Situações que, em maior ou menor medida, priorizam regras que busquem a monetização dos Clubes pela constante (e crescente) valorização do produto competitivo, visando atrair o interesse do consumidor final: o torcedor.
Conforme consta no livro “The Club” [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4] , que conta a história da liga desde a sua fundação – e a revolução que ela proporcionou no mercado do futebol inglês pela implementação da filosofia de união entre os seus participantes – o fator entre o maior e o menor faturamento com cotas de TV entre os Clubes não poderia superar o índice de 1,6 vezes.
Na temporada 2018/2019, por exemplo, a Equipe do Huddersfield, classificada em vigésimo lugar no campeonato, auferiu cerca de 94 milhões de Libras na distribuição de receitas advindas dos direitos televisivos negociados coletivamente pela Liga. A título de comparação, o valor é maior do que a premiação ofertada ao Campeão da Copa Libertadores da América da mesma temporada, no importe aproximado de 20 milhões de dólares, e também supera a premiação oferecida ao Campeão da Champions League 2018/2019, calculada no valor aproximado de 58 milhões de euros [5] .
Nas últimas décadas, o cenário brasileiro vivenciou algumas oportunidades de comprovar essa relação direta entre a cooperação e a monetização sem, entretanto, desenvolver o modelo com o profissionalismo necessário à sua consolidação.
Podemos encontrar um eloquente exemplo da não consolidação na união dos clubes brasileiros em torno de um objetivo comum nas experiências passadas de comercialização dos direitos de transmissão.
Desde a primeira regulamentação da matéria no território nacional – por força da Lei nº 5.988/73 – até hoje – pelo artigo 42 da Lei nº 9.615/98, o direito de explorar comercialmente a venda dos direitos de transmissão de jogos e campeonatos sofreu relativamente poucas modificações, e se manteve praticamente estável em relação ao seu aspecto principal: a titularidade dos clubes sobre a sua negociação.
Curiosamente, não obstante o futebol seja há décadas o esporte mais popular do país, bem como os clubes ocupem um papel de centralidade na criação do espetáculo enquanto produto, isso não significou que, necessariamente, fosse a eles destinada a maior parte das receitas geradas pela sua exploração comercial.
Na década de 70, com a introdução dos direitos de transmissão pela já mencionada Lei nº 5.988/73, a primeira experiência de comercialização de direitos nesse sentido foi conduzida por cada clube junto às emissoras de televisão, de forma individualizada [6] . Ocorre que o pouco conhecimento em relação ao tema e a falta de informações sobre os valores possivelmente atrelados aos direitos resultaram tanto em dificuldades técnicas quanto financeiras. Ao final, o direito de transmissão era cedido pelos clubes por valores pouco expressivos se comparados com aqueles auferidos pela emissora, localizada na ponta da cadeia, junto aos patrocinadores e ao consumidor.
Mesmo com uma posterior autorização concedida à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para que conduzisse a negociação, o baixo envolvimento dos detentores do direito na operação, atrelado à precária formação técnica e profissional da Instituição no tocante a esse subproduto do espetáculo, culminaram em anos de depreciação da receita que poderia ter sido levantada pela venda da transmissão de campeonatos.
Em 1987, uma profunda crise vivenciada pela CBF resultou na ausência do Campeonato Brasileiro do mesmo ano, e forçou os Clubes a se unirem e a se organizarem diante do prejuízo que se apresentava pela diminuição do calendário competitivo. O chamado “Clube dos Treze” – criado pela associação entre Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos, Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo, Internacional Grêmio, Cruzeiro, Atlético Mineiro e Bahia – não apenas deu origem a um novo produto para preencher a lacuna do calendário, a “Copa União”, como se dedicou a negociar, coletivamente, os direitos a ele atrelados.
Especificamente em relação aos direitos de transmissão, a negociação junto às emissoras de televisão pelo Clube dos Treze resultou em um aumento exponencial dos valores até então pagos a esse título. Independentemente do fim da entidade, e dos desdobramentos prejudiciais aos clubes decorrentes de uma gestão do futebol que veio a se mostrar não profissional, a experiência de união e de organização coletiva em relação à negociação dos direitos decorrentes do produto se mostrou de grande valia para experiências futuras, quando comparada a negociações conduzidas individualmente.
Para o bom observador, a experiência trazida pelo Clube dos Treze deixa lições entre o que fazer e o que não fazer, e remete à importância não apenas da articulação conjunta entre os players do mercado buscando a monetização do produto competitivo, como à importância da profissionalização da gestão do dia a dia desse modelo de organização.
Comparativamente, sob a ótica do já citado modelo de exploração coletiva de direitos em operação na Inglaterra, a criação de uma personalidade jurídica capaz de representar a união entre os clubes, aparelhada de profissionais que detenham conhecimento técnico sobre assuntos relacionados a contratos, transmissões, engenharia financeira, marketing, entre outros, indica ser uma possibilidade no horizonte do esporte também a nível nacional.
Apesar de ainda caminharmos com cuidado nesses aspectos, algumas experiências atuais apontam para um progresso importante dessa articulação. Uma delas está na recente venda coletiva dos direitos internacionais de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol das temporadas de 2020 a 2023.
Diferentemente de anos anteriores, na negociação coletiva de direitos realizada no ano de 2020 visando as temporadas seguintes, os Clubes Brasileiros integrantes da CNC (Comissão Nacional de Clubes) – órgão da CBF, mas de atuação independente – lograram pormenorizar de forma técnica os direitos decorrentes da transmissão internacional das partidas, e negociá-los sob uma única e robusta voz, abrindo um processo de concorrência entre as empresas interessadas na sua aquisição.
Entre os objetivos alcançados, destaca-se a ampliação da visibilidade do Campeonato Brasileiro no exterior, e a geração de novas receitas financeiras dele decorrentes. A comercialização do campeonato foi dividida em subprodutos. Estes, por sua vez, foram oferecidos sob o modelo de concorrência por segmento, onde puderam ser adquiridos pelos players mais relevantes do mercado, e sob a fixação de parâmetros mínimos de negociação estipulados coletivamente entre os detentores dos direitos de transmissão: os clubes.
Certamente, esse foi um dos primeiros e mais importantes passos modernos para a consolidação de um modelo capaz de se valer da união e do profissionalismo na busca por novas oportunidades de criação de produtos e de monetização do mercado do futebol nos próximos anos.
O desafio agora será manter a união que vem se desenhando, aparelhá-la com receitas para operação e com os melhores profissionais de mercado em cada uma de suas áreas, repetindo a venda conjunta dos inúmeros direitos coletivos ainda disponíveis e inexplorados, criando um mercado brasileiro de futebol cada vez mais valioso e atrativo aos investidores. O momento nunca foi tão propício para isso.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, sendo de total responsabilidade dos Autores deste texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS
IRUZUN UGALDE, Koldo. La negociación colectiva em el deporte professional / Koldo irurzun Ugalde. – 1ª ed. – Vitoria-Gasteiz : Eusko Jaurlaritzaren Argitalpen Zerbitzu Nagusia = Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 2005. P. 28.
ROBINSON, Joshua; CLEGG, Jonathan. The Club: How the English Premier League Became the Wildest, Richest, Most Disruptive Force in Sports. Editora Houghton Mifflin Harcourt.
[https://universidadedofutebol.com.br/os-direitos-de-transmissao-no-futebol-globalizado/]
¹ Diretor do IBDD; Sócio do CSMV Advogados, responsável pela área de Esportes, Entretenimento e eSports; Mestrado em Direito Desportivo pela Kings College – Londres (2007); Trabalhou como Associado Internacional no escritório Hammonds & Hammonds, em Londres (2006); Representa clientes nos tribunais arbitrais da FIFA e do CAS; Leciona Direito Desportivo nos cursos de especialização da CBF Academy, ESA e da Federação Paulista de Futebol; Foi recomendado pela Chambers Latin America (2018-2019), pela Best Lawyers (2018), pela Leaders League (2018) e pelo Who’s Who Legal (2018) por sua atuação em direito desportivo e entretenimento.
² Membro do IBDD; Associada do CSMV Advogados da área de Esportes, Entretenimento e eSports; Sócia da E-Flix e-Sports com atuação junto à Netshoes e à CBF e-Sports; Procuradora do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol e Colunista do Lei em Campo no Uol Esporte. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Pós-Graduada em Direito pela Universidade de Coimbra, é Professora no Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo e Negócios do Esporte do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN).
³ IRUZUN UGALDE, Koldo. La negociación colectiva em el deporte professional / Koldo irurzun Ugalde. – 1ª ed. – Vitoria-Gasteiz : Eusko Jaurlaritzaren Argitalpen Zerbitzu Nagusia = Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 2005. P. 28.
[4] The Club: How the English Premier League Became the Wildest, Richest, Most Disruptive Force in Sports. Joshua Robinson e Jonathan Clegg. Editora Houghton Mifflin Harcourt.
[5] Disponível em: https://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,liga-dos-campeoes-termina-com-premiacao-total-de-r-8-55-bilhoes-e-brilho-da-rica-inglaterra,70002852109
[6] https://universidadedofutebol.com.br/os-direitos-de-transmissao-no-futebol-globalizado/
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