Análise sobre as alterações no Código Disciplinar da entidade máxima do futebol
Por Alexandre Miranda – Coordenador Regional do IBDD
Fatma Samoura¹, General Secretary da FIFA e, portanto, a pessoa responsável pela palavra final na tomada de decisões internas na entidade máxima do futebol, assinou a Circular 1628 divulgada em 9.5.2018 e que trouxe alterações no FIFA Disciplinary Code – FDC que merecem a atenção de todos os stakeholders do futebol organizado².
A FIFA – Fédération Internationalle de Football Association é uma associação de direito privado regida pela lei suíça, fundada em 1904, com sede em Zurique/Suíça, e que congrega 211 “Member Associations” ou “National Federations” como costumeiramente chamadas no âmbito desportivo.
Dentre as normas que regem a referida entidade, vale explicitar como estão estruturados seus órgãos jurisdicionais e como se dá a execução de suas decisões, ainda que com a ingerência do CAS-TAS:
O Estatuto da FIFA disciplina os “Judicial Bodies” da entidade, que expressamente materializam o estabelecimento dos responsáveis pelos processos e procedimentos de dimensão internacional instaurados na FIFA.
Os órgãos coexistem e atuam de acordo com a matéria, havendo por exemplo o Comitê de Ética e o Comitê Disciplinar e, figurando como segunda instância, o Comitê de Apelação em observância ao princípio do duplo grau de jurisdição. Mister se faz ressaltar que os três comitês são independentes do Comitê Executivo.
As decisões do DRC – Dispute Resolution Chamber e do PSC – Players’ Status Committee podem ser executadas pelo Comitê Disciplinar, tendo em vista o inadimplemento da obrigação e o descumprimento de decisão proferida pelo DRC ou PSC, hipótese em que a parte vencedora da disputa poderá requerer a remessa ao Comitê Disciplinar, para aplicação de eventual sanção, que atuará como órgão disciplinador e, se for necessário, executará uma decisão proferida por um órgão jurisdicional da FIFA, garantindo o seu cumprimento.
Necessário se faz salientar que tanto da decisão do DRC, como do PSC e do Comitê Disciplinar, cabe recurso ao CAS-TAS (Tribunal Arbitral do Esporte), inclusive por previsão estatutária nesse sentido (artigos 57 e 58 do FIFA Statutes, editado em abril de 2016), ao passo que o Comitê Disciplinar da FIFA possui a tarefa de garantir que tais decisões sejam observadas e devidamente cumpridas.
Ocorre, contudo, que nos últimos anos observou-se que o desrespeito às decisões e falta de efetividade na execução das ordens, em especial por parte dos clubes que não vinham adimplindo suas obrigações. Assim, o Comitê Disciplinar da FIFA, a fim de tornar suas decisões mais efetivas, decidiu reforçar o sistema e assegurar que todas as decisões tomadas sejam prontamente cumpridas.
Para atingir este objetivo, a FIFA alterou o artigo 64 do FDC – FIFA Disciplinary Code que prevê as sanções sofridas pela parte que descumprir uma decisão emitida por um órgão, um comitê ou uma instância da FIFA ou do CAS.
Antes de tal mudança, o Comitê Disciplinar da FIFA impunha uma sanção contra o devedor aplicando multa sobre o valor total devido e concedia um prazo para liquidar a dívida. Caso o pagamento não fosse efetuado no prazo estipulado, uma dedução de pontos seria imposta. Nos casos em que o devedor permanecesse inadimplente, o Comitê Disciplinar da FIFA solicitava, por escrito, que a associação responsável pelo devedor aplicasse a sanção de dedução de pontos. Ainda, caso o devedor persistisse inadimplente, poderia o Comitê Disciplinar da FIFA, a pedido do credor, ordenar o rebaixamento da equipe para uma divisão inferior.
Tal procedimento, na prática, não compelia os clubes devedores a cumprirem o comando básico contido no Art. 12bis do RSTP[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][1], resultando em um universo de demandas internacionais e compromissos financeirs pendentes e inadimplidos junto à FIFA.
Portanto, dada a necessidade de adequação do FDC da FIFA, a partir de agora um novo procedimento deverá ser observado.
A priori, não há mudanças quanto à mecânica do Comitê Disciplinar sobre o primeiro pronunciamento de uma sanção contra o devedor, em que o condena a pagar uma multa, concedendo prazo para liquidar a dívida e o alerta acerca da possibilidade de imposição de sanção mais gravosa (dedução de pontos ou uma proibição de registro/transferência de jogadores).
A mudança ocorre, a partir de agora, caso a dívida não seja paga integralmente pelo devedor, a associação nacional responsável, como por exemplo a Confederação Brasileira de Futebol em casos de devedores brasileiros, terá a obrigação de verificar se a decisão foi cumprida dentro do prazo. E, em caso negativo, deverá aplicar, obrigatória e automaticamente, a sanção de dedução de pontos e/ou a proibição de registrar novos jogadores, por um ou mais períodos de registro inteiros e consecutivos.
A National Association será obrigada a implementar automaticamente a dedução de pontos a partir do primeiro dia seguinte ao final do prazo concedido ao devedor, a menos que o devedor forneça provas, tanto para o Comitê Disciplinar da FIFA quanto para a National Assocation, que o montante devido foi pago, ou seja, a prova do pagamento propriamente dita, antes de expirado o prazo final.
Ainda que o devedor cumpra a decisão e efetive o pagamento após o termo do prazo, não será possível evitar a dedução de pontos (ou tentar evitá-la uma vez ordenada e implementada a sanção).
Já a proibição de transferência deve ser aplicada, em âmbito nacional, automaticamente, pela National Association, nos mesmos moldes da dedução de pontos.
Trata-se de uma grande mudança, pois caso a National Association não implemente automaticamente as referidas sanções ou não forneça ao Comitê Disciplinar da FIFA prova da aplicação das sanções em nível nacional, um processo disciplinar pode ser instaurado contra a própria associação em questão, situação que pode levar à expulsão da seleção desta de todas as competições organisadas pela FIFA.
Na hipótese de celebração de acordo entre as partes, automaticamente tal acordo ensejará o encerramento de processos disciplinares, não aplicando-se mais as decisões e decorrências financeiras impostas pelo Comitê Disciplinar da FIFA.
Qualquer reclamação resultante da violação de tais acordos terá de ser apresentado perante o Players’ Status Committee (PSC) e Dispute Resolution Chamber (DRC), dependendo da matéria, ou perante os organismos competentes em nível nacional ou internacional mutuamente acordados pelas partes.
Estas alterações processuais vigoram desde 23 de maio de 2018 em todos os procedimentos disciplinares, independentemente da data em que o procedimento foi aberto, e daqui em diante certamente causará grande impacto nos clubes.
É o que já se vê nos casos recentemente julgados e executados[1] pelo Comitê Disciplinar da FIFA, sendo de extrema importância, em especial para os clubes e federações nacionais (CBF), se atentarem ao novo procedimento objeto deste estudo, seja porque invariavelmente serão tutelados ou submetidos a tais órgãos jurisdicionais da FIFA, seja em virtude da maior facilidade de execução de uma decisão da FIFA ou do próprio CAS impelindo os clubes devedores ao pagamento, fechando, assim, literalmente o cerco contra as as manobras e subterfúgios na tentativa de se esquivar do cumprimento das normas e decisões jus-desportivas.
¹ http://www.fifa.com/about-fifa/news/y=2016/m=6/news=fatma-samba-diouf-samoura-2802072.html
² RSTP – Regulations on the Status and Transfer of Players 2018 – Definitions. Pag. 5: ORGNISED FOOTBALL – association football organised under the auspices of FIFA, the confederations and the associations, or authorised by them.
³ RSTP – Art. 12bis – Clubs are required to comply with their financial obligations towards players and other clubs as per the terms stipulated in the contracts signed with their professional players and in the transfer agreements.
[4] Club PFC Ludogorets 1945 (Bulgaria) x Club Esporte Clube XV de Novembro (Brazil) –
Reference Number 170193 sck
Alexandre Miranda
Advogado de Direito Desportivo do CSMV Advogados; Mestrado na FIFA (FIFA MASTER: Humanities, Management and Law of Sport); Especialista em Direito Desportivo pelo IBDD – Instituto Brasileiro de Direito Desportivo; Professor titular no curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo e Gestão Esportiva do INEJE; Professor do curso de Pós-Graduação do IIDD – Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo. Coordenador Regional do IBDD.
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