A CBF tentou convencer os demais dirigentes a optar por uma regulamentação, e não a erradicação do sistema. Mas apenas conseguiu o apoio dos votos sul-americanos.
A decisão formal só sai nesta sexta. Mas dirigentes sul-americanos já lamentavam a situação e previam o pior. Dezenas de contratos de jogadores brasileiros poderão ser afetados e principalmente a capacidade de clubes de manter seus elencos. Neymar, por exemplo, apenas ficou no Santos por mais tempo graças aos investidores. Ganso, no São Paulo, também vive situação parecida. Para a CBF, se a ideia europeia vingar, o que pode estar em jogo é a sobrevivência financeira de clubes no Brasil. Elencos como o do Corinthians, Inter ou Botafogo estariam entre os mais afetados.
Para Pedro Fida, especialista em direito desportivo e sócio da Bichara e Motta Advogados, 80% dos elencos no Brasil hoje contam com algum tipo de participação de investidores, o que na prática garante a sobrevivência dos times. “Banir essa possibilidade pode prejudicar muito o futebol brasileiro”, declarou. “Esse é um instrumento de financiamento dos clubes no Brasil e times da Série A poderiam sofrer muito se a proposta da Europa vingar”, disse Fida.
A Uefa alerta para o risco que esse sistema representa ao futebol, que incluiria o controle de clubes por investidores em busca de lucros e a perda de poder do jogador em transações. “Há muito dinheiro envolvido e precisamos lutar contra isso”, declarou Michel Platini, presidente da Uefa e principal lobista da ideia de banir o envolvimento de investidores. Para Fida, a Europa pode propôr o fim do sistema porque justamente conta com a “indústria do futebol mais desenvolvida do mundo” e com outras fontes de renda.
O debate começou em 2007, quando o empresário Kia Joorabachian criou uma polêmica internacional nas transferências de Carlitos Tevez e Javier Mascherano do Corinthians para o West Ham. Desde então, o clube inglês soma multas de 27 milhões de euros (R$ 86,2 milhões) e o caso levou a Uefa a colocar como um de seus objetivos a erradicação de empresas que controlem jogadores no lugar de clubes.
O debate também chegou à Fifa, que encomendou um levantamento para tentar entender a dimensão do fenômeno. Números da KPMG revelaram que mais de 1,1 mil jogadores na Europa são de propriedade de grupos financeiros, e não de clubes. Outra constatação é a concentração do poder do futebol nas mãos de poucos agentes, num processo de “oligopolização” do esporte.
Juntos, esses investidores poderiam formar cerca de 50 times completos de futebol, com titulares e reservas. No total, mais de US$ 1,2 bilhão (R$ 2,7 bilhões) estão investidos nesses jogadores. Segundo a KPMG, cerca de 1,1 mil jogadores não são propriedade de seus clubes e também não detêm de forma integral seus direitos econômicos. Muitos deles são de propriedade de fundos que aplicam em jogadores, da mesma forma que poderiam ir à bolsa aplicar em açúcar ou minérios.
Parte da iniciativa vem dos próprios clubes que, diante da recessão na Europa, saíram ao mercado oferecendo parcelas de seus jogadores a investidores, como forma de ajudar a pagar os altos salários do craques e também como forma de captar recursos. Num documento de apresentação de um desses fundos, a Doyen Sports Investments, a crise na Europa é justamente o argumento usado para apontar para os benefícios do novo modelo. “Diante da crise financeira internacional, clubes continuam a ter sérios desafios de liquidez e escassez de financiamento tanto para infraestrutura como aquisições de novos jogadores”, indicou. “O desafio de financiamento apresenta a oportunidade para uma variedade de alternativas de investimentos.”
RISCOS
No estudo feito à pedido da Fifa, clubes estão em “um ciclo vicioso de dívida e dependência”. Isso abre as portas para a chegada de investidores que, com o controle de jogadores, promove uma troca com o clube: paga o salário do jogador, mas mantém o controle financeiro sobre ele.
Para o estudo, o que está em risco é a independência dos clubes, o que necessitaria de regras. “A proliferação desse esquema pode estar associado a um controle parcial dos clubes por atores tentando lucros de curto prazo e especulação na compra e venda de direitos econômicos, independente das preocupações esportivas”, indicou. No fundo, os clubes se transformariam em instrumentos de especuladores que tentam aumentar seus lucros com uma rotatividade alta de um jogador entre clubes, e não com seu desempenho em campo.
O risco do conflito de interesse também é alertado. No levantamento, 269 agentes europeus confessam que tem investimentos em 15% dos jogadores que eles mesmos representam. O risco é de que haja, dentro do clube, um favoritismo em escalar um determinado jogador para atender a um acordo comercial. A situação, segundo a Fifa, é ainda pior quando dirigentes e mesmo o treinador fazem parte da “divisão dos possíveis lucros.” Para a CBF, tudo isso poderia ser evitado com regulamentações.
Fonte: Estado de São Paulo