Indenização por danos materiais pela perda, por parte do investidor, da titularidade dos direitos econômicos/financeiros do atleta de profissional.

João Duque

A utilização do termo detenção dos “direitos econômicos/financeiros do atleta” é freqüentemente utilizada de forma equivocada, posto que, na prática, ela representa o direito de quem detém o valor da cláusula penal, que é acessória ao contrato de trabalho do atleta profissional.

A Lei nº 9.615/98, popularmente conhecida como Lei Pelé, em seu artigo 28 menciona:

“Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”

Faz-se mister salientar que a titularidade dessa cláusula penal pode ser negociada pelos clubes com terceiros. Logo, é possível que tanto o investidor detenha percentual da multa convencionada na cláusula penal, quanto o próprio clube do atleta.

Findo o contrato de trabalho, extingue-se também os direitos referentes à cláusula penal, tendo em vista seu caráter acessório, ou seja, cessa o direito do investidor em receber percentual devido no pagamento da eventual transferência do atleta.

Assim, os investidores (ou quem detenha os ditos direitos econômicos dos atletas) apenas receberão uma compensação financeira em virtude do descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do contrato de trabalho e não com a sua extinção pelo decurso do tempo nem pela sua rescisão bilateral. Geralmente o pagamento da cláusula penal ocorre quando um clube interessado em contratar com determinado atleta que ainda tem contrato vigente com algum clube, arca com esse ônus (caso de rescisão unilateral do contrato de trabalho).

A doutrina diverge entre a bilateralidade ou unilateralidade do pagamento da cláusula penal, mas atualmente os tribunais apenas a prevêem em caso de descumprimento do atleta.

Situação a ser analisada pelos jusdesportivistas seria em caso de rescisão bilateral, se seria devida alguma indenização por danos materiais e o respectivo pagamento da cláusula penal ao investidor.

A princípio, é obvio que não há que se falar em pagamento da cláusula penal, todavia, diante de uma situação hipotética, o que aconteceria se tais direito econômicos (cláusula penal) fossem adquiridos total ou parcialmente por um terceiro, qual seja um investidor através de um contrato entre ele e o clube mediante pagamento?

Para uma melhor visualização, imagine-se que o clube Tabajara F.C assine um contrato de trabalho com o Atleta Pelé por 5 (cinco) anos e negocie com a empresa Sports (investidor), 50% (cinqüenta por cento) do valor da cláusula penal (direitos econômicos/financeiros) mediante um pagamento de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) realizado pelo investidor ao clube. O valor da cláusula penal é de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Passados 6 (seis) meses, o clube insatisfeito com o rendimento do atleta, sem consultar o investidor, o procura e propõe a rescisão bilateral (amigável) do referido contrato. Sabendo que logo encontraria outro empregador o atleta aceita.

O clube rescindiu o contrato de trabalho sem qualquer justificativa, dando causa à extinção do contrato acessório pactuado com o investidor. Assim, a Entidade Desportiva obstruiu a titularidade dos direitos econômicos/financeiros do investidor sobre uma possível transferência, visto que ainda restavam 4 (quatro) anos e meio de contrato.

É de se mencionar ainda que no mundo do futebol é costume, em algumas situações, o próprio investidor incumbir-se em angariar (informalmente, apenas indicando) um clube para uma negociação com o futebolista profissional. Note que o referido acima não está em desacordo com o art. 18 Bis do Regulamento FIFA sobre transferências de Atletas de Futebol, que proíbe esse investidor de interferir na negociação,ou seja o investidor não pode impedir ou forçar o atleta a ir para determinado clube.

Contudo, apesar do silêncio da lei em caso de rescisão bilateral do contrato de trabalho, diante do acontecido não se aplica a multa da cláusula penal decorrente de descumprimento de obrigação contratual, visto que não houve transação alguma, nem mesmo rescisão unilateral.

Diante do exposto acima, fica claro que se deve distinguir a relação trabalhista entre clube e atleta e o que realmente é o cerne da questão aqui discutida, isto é, a relação cível entre clube e investidor.

A responsabilidade contratual se origina da inexecução contratual. Pode ser de um negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, ds falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar. A responsabilidade contratual é o resultado da violação de uma obrigação anterior, logo, para que exista é imprescindível a preexistência de uma obrigação.

Na responsabilidade contratual, não precisa o contratante provar a culpa do inadimplente, para obter reparação das perdas e danos, basta provar o inadimplemento. O ônus da prova, na responsabilidade contratual, competirá ao devedor, que deverá provar, ante o inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou presença de qualquer excludente do dever de indenizar (art. 1.056 CC/2002). Para que o devedor não seja obrigado a indenizar, o mesmo deverá provar que o fato ocorreu devido a caso fortuito ou força maior (art. 1.058 CC/2002).

Portanto, vale ressaltar que naquele exemplo hipotético haveria conduta culposa ou dolosa por parte do clube que acarretou tamanho prejuízo ao investidor. E, neste sentido, deve o clube indenizar o investidor por danos materiais, por ser o responsável pela perda dos direitos econômicos/financeiros (cláusula penal), ou seja, deve ser condenado a pagar uma indenização devido a sua conduta irresponsável de não manter o contrato e ainda por locupletar-se com o dinheiro do terceiro. O que não ocorreria se o contrato de trabalho encerrasse pelo decurso do tempo.

Resumidamente, no entendimento deste colunista, caso o clube ceda parte da cláusula penal para um investidor, e aquele, em contrapartida, receba dinheiro deste, o clube teria duas opções: cumprir o contrato de trabalho com o atleta ou rescindir o contrato e indenizar o investidor por danos materiais. Caso rescinda o contrato, mesmo amigavelmente, estará cerceando a possibilidade de uma futura transferência do atleta para outro clube, e ainda se apoderando do dinheiro do investidor.

É claro que o investidor corre o risco no negócio. Porém, o clube não deve majorar esse risco, e nada mais dentro da normalidade que a entidade de prática desportiva zele pela manutenção da vigência do contrato de trabalho.

João Duque, Graduando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Membro do Instituto Pernambucano de Direito Desportivo (IPDD), Ex-Atleta Profissional de Futebol e Estagiário Voluntário do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *