JUSTIÇA DESPORTIVA E OS 27 ANOS DA GUERRA DO PACAEMBU

Alexandre Dimitri Moreira de Medeiros

“Há um movimento na Imprensa tentando obrigar os juízes a cumprirem as regras do futebol na parte em que elas se referem a atitudes antiesportivas”[2].

A violência abala o lazer do homo ludens[3] brasileiro. Desde 1965, pelo menos, a grande mídia comercial provoca os sujeitos capazes de exercer maior controle sobre as disputas (vigilância) para criação e aplicação de regras[4] (punição)[5].

A agressividade, verbal ou física, no ciberespaço[6] ou não, é séria ameaça aos ODS[7] da ONU, nº 16.a e 16.3. A profissionalização do futebol significa o foco no alto rendimento e competitividade. Na pós-modernidade[8], o estilo de vida do homo ludens passa a ser definido pelo mercado: nasce o homo economicus ou homo futebolisticus[9].

Em 20 de agosto de 1995, o futebol (desporto-rei), a paixão e o patrimônio cultural dos brasileiros[10] e que representa uma necessidade fundamental humana ao lado da alimentação; do descanso; do amor e do estudo[11], foi impactado por um conflito em massa brutal ou rixa fatal, prenunciada desde 1992, chamada: Guerra do Pacaembu.

Dito isso, o objetivo do artigo é analisar as contribuições que a Justiça Desportiva brasileira tem aptidão de entregar, balizado pela orientação do processo disciplinador de Álvaro Melo Filho[12].

Nessa lógica, aplicam-se o método descritivo-analítico e a técnica bibliográfica e documental. A amostra deste estudo[13] foi usada para atacar, junto com outras obras, este problema: se a violência ameaça o futebol e as arquibancadas brasileiras carnavalizadas há mais de 27 anos[14], então, quais as contribuições que a Justiça Desportiva pode dar na prevenção, repressão e combate à violência no futebol?[15]

Considerando a proposta do artigo e as regras de publicação da Coluna, decide-se estruturá-lo em duas partes[16]. Na primeira, será destacada uma visão geral do conflito e da sociabilidade da pessoa torcedora brasileira, a partir de 1992 e até 1999. Na segunda, serão abordadas as contribuições que a Justiça Desportiva brasileira pode dar na intimidação, reeducação e neutralização dos indisciplinados atores do futebol nacional, ocasionais e habituais, corrigíveis ou não.

  1. VISÃO GERAL DO CONFLITO E DA SOCIABILIDADE DA PESSOA TORCEDORA BRASILEIRA, A PARTIR DE 1992 ATÉ 1999

Era 31 de janeiro de 1992. O sepultamento de Rodrigo, 13 anos, corintiano, havia sido há três dias. Não resistiu à explosão de uma bomba caseira detonada, dia 23, por torcedores tricolores. Estava-se em disputa uma vaga na final, entre São Paulo/SP e Corinthians/SP, na Taça São Paulo de Juniores. Foi quando A Tribuna divulgou[17] que cinco tricolores, dois maiores de idade (18 e 20 anos) e três menores (16 e 17 anos), foram presos com bombas caseiras. 45 dias depois, todos foram inocentados e liberados. Valia a estreia no Campeonato Brasileiro de São Paulo/SP e Santos/SP.

No dia seguinte, o Jornal dos Sports revelava por Milton Salles[18] que na visão das lideranças das torcidas organizadas o negócio seria bater: “Se eu falar que não, é mentira. Tem uma rapaziada que gosta. São jovens e a juventude está toda assim, meio perturbada”.

A Tribuna estampava[19], sete dias depois, sobre esse crime praticado dentro de um estádio de futebol, o que Pelé havia dito: “O que aconteceu aqui foi um fato isolado que já teve a devida repercussão. O problema não está no futebol, mas em toda a situação que a população está passando. É uma questão social e até política. Esta incerteza de vida leva o povo à agressividade. Todo dia nós vemos gente ser atropelada, assassinada. Morte em futebol é a primeira vez que acontece”[20].

Com isso, nenhuma autoridade nacional poderia duvidar que o negócio das torcidas organizadas não era só torcer ou lazer, e que a morte de torcedores no futebol só acontecia em campos longe do Brasil. Entretanto, não haviam passado seis meses quando se anunciou[21] o sepultamento de Sérgio, 17 anos, palmeirense. A segunda vítima fatal paulistana no ano. Assassinado, em 29 de setembro de 1992, supostamente, por um torcedor organizado, à época, do São Paulo/SP.

Chega 1993. E um associado de uma torcida organizada do São Paulo/SP, faz denúncia[22] de que outra torcida organizada do Palmeiras/SP estaria se armando para vingar a morte do Sérgio. O suspeito desse crime foi preso[23], em 30 de abril de 1993. E Roberto Bascchera[24] atribuía à liderança dos torcedores organizados palmeirenses, no dia 22 de agosto de 1993, o comando sob cerca de 17 mil integrantes, e à liderança de outra torcida organizada corintiana, aproximadamente, 28 mil associados. Quanto aos torcedores organizados tricolores são-paulinos, a última estimativa divulgada[25], dois anos antes, dava conta do cadastramento de 14 mil integrantes.

Mais de um ano se vai, e Sérgio Corrêa[26] registrava, com indignação: “Quem matou Rodrigo […] no campo do Nacional [torcedor corintiano, 13 anos, 23 de janeiro de 1992, há 30 anos], Sérgio […], no Estádio Brinco de Ouro [torcedor corintiano, 19 anos, 21 de outubro de 1994], e Vágner […], ferido na porta do Maracanã e que veio a falecer [torcedor palmeirense, 22 anos, membro da Mancha Verde, 27 de outubro de 1994]?”.

Nessa perspectiva, mas com foco no futebol carioca, vale mencionar que, em 30 de outubro de 1994, o Jornal do Brasil divulgava[27] um retrato sobre a violência no futebol. E apontava que as três primeiras mortes de torcedores cariocas ocorreram no Maracanã, em 19 de julho de 1992, há 30 anos, no segundo jogo, entre Flamengo/RJ e Botafogo/RJ, que valia o título de campeão brasileiro, diante de 122.001 espectadores[28].

Entra 1995. E morre Anderson, 16 anos, no dia 23 de abril. Vítima fatal da violência armada de integrantes das torcidas organizadas paulistanas. O tricolor estava indo com um grupo de amigos ao Pacaembu. Iria assistir São Paulo/SP e Palmeiras/SP[29]. No sepultamento, uma das lideranças dos torcedores organizados tricolores, teria dito que: “Não há como vigiar todo mundo e a polícia tem de achar logo o assassino. Do contrário, será difícil impedir que novos atos de violência ocorram fora dos estádios”[30]. O suspeito da autoria desse crime foi preso em tempo recorde[31].

Apesar disso tudo, em 20 de agosto de 1995, a Guerra do Pacaembu aconteceu[32]: a “batalha campal que envergonhou o futebol brasileiro”[33]. Foram computados 101 feridos e uma vítima fatal. A Polícia desafiada pelo “Massacre do Pacaembu”[34], reconheceu: “impunidade estimula a violência”[35]. A “Operação torcida”[36], articulada só três dias após a rixa fatal, apreendeu “cerca de 40 mil fichas de adesão dos associados, livros de contabilidade, documentos bancários, cadernos de anotações, além de um computador e disquetes”.

Dentre outras medidas, pontua-se a que, em 30 de agosto de 1995, decidiu “ressurgir”[37] a Associação das Torcidas Organizadas do Estado de São Paulo (ATOESP). No mesmo dia em que Adalberto, 20 anos, palmeirense, prestava depoimento à Polícia Civil, com detalhamentos da batalha campal que vitimou o menor, 16 anos, Márcio, tricolor. A vítima fatal da Guerra do Pacaembu[38].

Além da importância disso para se formar uma visão geral do conflito e da sociabilidade da pessoa torcedora, à época, cabe o registro do que Sérgio Corrêa[39] disse: “Sílvio Santos deve estar preocupado com o seu quadro no programa dominical Em nome do amor. A Bandeirantes, idem, com o seu programa esportivo. E quem sorri é Ciro José, diretor da divisão de esportes da Rede Globo. A Globo começou no último domingo, com o jogo Flamengo 1 x 2 Palmeiras, a transmitir uma partida da rodada do Campeonato Brasileiro às 19 horas. A goleada com relação aos concorrentes – SBT e Band – foi histórica. A Globo alcançou 49 pontos de audiência no Rio, contra oito do SBT e um da Bandeirantes. ‘Estão todos ouriçados, de cabelo em pé’, diz Ciro José. A Globo está pagando R$ 400 mil por jogo, além do custo operacional. Calcula-se que o valor, para transmitir os jogos até para a cidade onde está sendo realizado o confronto é equivalente à venda de 50 mil ingressos. Eduardo Lafen, diretor-geral da Record, está de olho na exclusividade do Campeonato Carioca. ‘Esporte é de quem pagar mais’.”

É relevante ressaltar, ainda, que as autoridades visaram extinguir as torcidas organizadas. Contudo, as ordens judiciais de extinção[40] não duraram muito tempo. A Polícia Militar (PM) paulista, em 18 de março de 1996, voltava a registrar a presença de torcedores organizados[41].

Enfim, em 15 de agosto de 1996, a notícia era a de que 20 pessoas, aproximadamente, haviam sido apenas multadas em R$ 180,00 (1,2 salários mínimos, à época). E que o Ministério Público (MP), estadual paulista, havia denunciado, em 03 de julho de 1996, os 23 torcedores identificados e enquadrados no crime de rixa qualificada, com pena prevista de 6 meses a 2 anos de detenção. A pena para o crime de rixa comum é de 15 dias a 2 meses de detenção ou multa. Estando em tramitação apenas dois processos: um por homicídio doloso e outro que poderia resultar em uma pena máxima de 20 dias[42].

  • AS CONTRIBUIÇÕES QUE A JUSTIÇA DESPORTIVA BRASILEIRA PODE DAR NA INTIMIDAÇÃO, REEDUCAÇÃO E NEUTRALIZAÇÃO DOS INDISCIPLINADOS ATORES DO FUTEBOL NACIONAL, OCASIONAIS E HABITUAIS, CORRIGÍVEIS OU NÃO

Ensina Jéssica Mata[43] que o “primeiro ponto de inflexão do controle do crime paulista foi o governo Covas”. Confere ao terceiro setor um significativo fator de pressão por reformas na segurança pública. E destaca a criação, em 26 de novembro de 1997, do Instituto São Paulo Contra a Violência, do qual participava a Federação Paulista de Futebol (FPF). Na esfera do futebol, são relevantes as várias forças normativas de um processo disciplinador político-desportivo. Dentre elas, destaco o influxo da internacionalização dos mecanismos sancionatórios da FIFA, a revisão do sistema criado pelo Estatuto do Torcedor e da Lei Geral do Esporte[44].

Considerando o que Antônio Gonçalves[45] constatou acerca do “Primeiro Comando da Capital [ter] outras atividades como uma refinaria de petróleo clandestina, além de empresas de ônibus e até pequenos times de futebol”[46]. Tenho convencimento que a lição de Sérgio Shecaira[47] tem valia para a prevenção, repressão e combate da violência no futebol. Ainda de forma incipiente, vejo ser possível adaptar seus ensinamentos para dizer que a clássica sanção disciplinar retributiva da culpabilidade pelo fato desportivo, revelada insuficiente, deve se expandir e se ressignificar em uma sanção disciplinar-desportiva funcional, a ser posta em teste no futebol pátrio[48].

Assim, reconfigura-se o direito desportivo a partir do risco da conduta humana como fenômeno social estrutural. Neodisciplinação decorrente do impulso punitivo que intimide o indisciplinado ocasional, reeduque o habitual corrigível e neutralize o incorrigível. Um direito disciplinar-desportivo líquido apto para enfrentar os piores momentos de qualquer competição esportiva, que na lição de Roberto DaMatta[49], à p. 66, são aqueles onde a insensatez e a violência emergem quando o sujeito “se deixa contaminar pelo calor do egoísmo”.

Ora, se o torcedor é “o foco e a fonte econômica do sustento” do futebol[50]. Se a violência nos estádios brasileiros é um fato do desporto[51]. E se os “arranjos organizados de torcedores” são “atores constitutivos do futebol profissional administrado e jogado no Brasil” capazes de impor “um padrão diferencial de como é que se torce de verdade” e de definir o que é “participar, assistir e torcer por times de futebol”[52]. Então, devem estar submetidos à jurisdição privada-constitucional de uma Justiça Desportiva apta para intimidar, reeducar e neutralizar quem, por qualquer meio e forma, cause impacto ou conspire provocar disrupção nas competições da paixão-patrimônio nacional e na disciplina de todos os seus atores, qualificados no artigo 1º, § 1º, incisos I a VII, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

A violência no futebol é o efeito e a causa da desorganização, dos mandos e desmandos das autoridades desportivas e da falta de atuação, na forma de agência, das Procuradorias da Justiça Desportiva, dos Ministérios Públicos e das Polícias. É um erro se acostumar com a ideia de que as torcidas organizadas ou os demais atores desportivos, à moda brasileira, seriam incontroláveis, ingovernáveis ou imprevisíveis[53]. Por mais que Toledo[54] tenha constatado que se exige do torcedor organizado brasileiro “uma dose de excentricidade, situar-se fora dos padrões estabelecidos, para além ou aquém do comportamento normal, ter mais garra, valentia, uma dose de selvageria, porém astúcia e malícia, aliadas a uma incrível assiduidade e devoção ao time”.

Nesse sentido, estou propenso a confiar na influência legal da teoria crítica da criminologia[55]. E já que se vive em uma sociedade moderna líquida: mundo da pós-verdade, pressinto positivo o seu diálogo, interdisciplinar, por mais integridade e paz no futebol via autoregulação regulada com foco no compliance ou integridade concorrencial e disciplinar de todos os sujeitos desportivos e mecanismos sancionatórios funcionais.

À derradeira, se a FIFA é uma espécie de soberano privado supraestatal difuso. Se é uma entidade transnacional geradora de normas impostas às entidades brasileiras ligadas ao futebol. E se é capaz de supermobilizar e desestabilizar qualquer nação quando há interesse de promover uma Copa do Mundo. Então, caberia à FIFA adotar novas estratégias de instrumentalização do direito em substituição dos mecanismos regulatórios e sancionatórios brasileiros, de 2009, ano da última atualização do CBJD. Com tudo isso, tendo na direção de acreditar que, depois de três décadas de violência mortífera no desporto-rei, paixão-patrimônio nacional, as autoridades desportivas, com destaque para as da Justiça Desportiva, estariam aparelhadas para enfrentar a violência ameaçadora desse direito humano fundamental do homo futebolisticus, pela via da intimidação, reeducação e neutralização funcional de todos os seus atores indisciplinados, ocasionais e habituais, corrigíveis ou não.

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.


[1] Advogado. Mestrando em Direito, Compliance, Mercado e Segurança Humana pela Faculdade CERS (Complexo Educacional Renato Saraiva). Presidente do Conselho Fiscal da Confederação Brasileira de Futebol Americano. Auditor Vice-presidente da 1ª Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva do futebol pernambucano. Membro filiado e Colunista do IBDD. E-mail: [email protected].

[2] DURO é bom. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, RJ, p. 12, 03 set. 1965.

[3] HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo, SP: EDUSP, Perspectiva, 1999.

[4] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tradução de José Carlos Bruni. Investigações filosóficas. São Paulo, SP: Victor Civita, 1975. Destaca-se desta referência as lições contidas nos parágrafos nº 142 e nº 206.

[5] ARRUDA JÚNIOR, Gerson Francisco de. 10 lições sobre Wittgenstein. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021. Desta referência merece destaque o seguinte trecho, às fls. 118/119: “Para que haja comportamentos regulares baseados em regras, não somente é pressuposto o ‘agir comum da humanidade’, característico de nossa forma de vida, como também deve haver certa uniformidade da realidade que circunda a forma de vida e na qual ela se desenvolve. Sem essas estabilidades, as regras se tornariam exceções e as exceções em regras e, sendo assim, não faria o mínimo de sentido definir critérios normativos e regulares, quaisquer que fosse, pois todos os nossos jogos de linguagem se tornariam sem valor. Aliás, nenhum jogo existiria; eles não teriam qualquer propósito; perderiam a graça. Do mesmo modo que não faria qualquer sentido estabelecer o preço de um pedaço de queijo pelo seu peso se a fatia pesada frequentemente aumentasse e encolhesse sem causa manifesta, se os seres humanos revelassem reações completamente desiguais quando submetidos a treinos simples como, por exemplo, os de cumprir ordens, tal conceito jamais seria compreendido por eles” (itálico do original).

[6] SAMUEL, Nicole. Techology invades leisure. World Leisure & Recriation, 1996, v. 38, n. 3, p. 12-18. Disponível em: encurtador.com.br/adjtu. Acesso em: 23 mai. 2022. Dessa referência se avulta, à fl. 14, que o termo ciberespaço foi referenciado pela primeira vez no início da década de 80, em “Neuromancer”, na ficção científica de William Gibson: “with the meaning of whatever space there is behind the computer screen. […] In the years since, many other names have been given to that space where our computer data reside: the Net, the Web, the Cloud, the Matrix, the Metaverse, the Datasphere, the Electronic Frontier and the Information Superhighway… But Gibson’s term, ‘Cyberspace’ seems here to stay”.

[7] SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. Fator CapH: Capitalismo humanista e dimensão econômica dos direitos humanos. São Paulo, SP: Max Limonad, 2019. Segundo estes autores, à fl. 267, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU nº 16.a e 16.3 são “a melhor expressão do autêntico Capitalismo Humanista”. Disponível em: encurtador.com.br/oDIX9. Acesso em 17 jun. 2022.

[8] ANDRADE, André Gil Ribeiro de. Sobre a disciplina no Futebol brasileiro: Uma abordagem pela Justiça Desportiva brasileira. 2006. 131 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, 2006. Disponível em: encurtador.com.br/rzS14. Acesso em: 28 mar. 2022. Deste autor, à fl. 34, merece se evidenciar a lição de que “[…] começam a surgir os primeiros sintomas da passagem do período da modernidade para o da pós-modernidade do futebol no Brasil (início da década de 1970)”.

[9] ZUBIETA, Carlos Goñi. Futbolsofía: Filosofar a través del fútbol. Madri, ES: Laberinto, 2002.

[10] BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: encurtador.com.br/ewEHV. Acesso em: 07 jul. 2021.

[11] ECO, Humberto. A passo de caranguejo. Tradução de Sérgio Mauro, São Paulo, SP: Record, 2021.

[12] MELO FILHO, Álvaro. As recentes alterações do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Coluna Jus Desportiva do IBDD. São Paulo, SP, 09 ago. 2007. Disponível em: encurtador.com.br/clpP9. Acesso em 28 mar. 2022. Na concepção de Andrade, referida na nota nº 8, a orientação de Álvaro Melo Filho encontra sua essência na visão do processo disciplinador entabulada pelo próprio Andrade em parceria com Wanderson Antônio Vicente Jardim e Eduardo Dias Manhães. E isso porque foi usada por Álvaro Melo Filho para justificar a reforma do CBJD, em 2003.

[13] Na plataforma Thomson Reuters Proview, foram pesquisados os termos “violência” e “futebol”, cujo resultado foram 271 achados. Escolheu-se para uma leitura exploratória apenas três: Mata (referência na nota nº 43), Gonçalves (referência na nota nº 45) e Shecaira (referência na nota nº 47). Na plataforma da Biblioteca Nacional Digital do Brasil (BNDB) buscou-se o termo “guerra Pacaembu”, pelo período de 1990 a 1999, na base de dados de 77 periódicos, com resultado de apenas duas ocorrências. Ademais, na plataforma do Google Acadêmico foram 43 resultados pela pesquisa do termo “guerra do Pacaembu”, dos quais um foi selecionado para leitura exploratória: Toledo (referência na nota nº 52). E na mesma plataforma, foram 18.400 resultados pela busca do termo “torcidas organizadas de futebol”, das quais foi selecionada para leitura exploratória: Eduardo Souza (referência na nota nº 28). Total de cinco obras selecionadas para uma leitura exploratória com base nessa técnica de pesquisa que foram agregadas às demais referenciadas neste artigo por liberalidade do pesquisador.

[14] Cabe transcrever trecho da obra referida na nota nº 11, às fls. 93/94, sobre o tema: “Carnavalizou-se o esporte. Como? O esporte é jogo por excelência: como se pode carnavalizar um jogo? Tornando-se de parentético que devia ser (uma partida por semana e as Olimpíadas só de vez em quando), invasivo e, de atividade com fim em si mesma, atividade industrial. Carnavalizou-se porque no esporte não conta mais o jogo de quem joga (transformado, inclusive, em trabalho duríssimo que só se consegue suportar com drogas), mas o grande Carnaval do antes, do durante e do depois, onde quem assiste joga de fato a semana inteira, e não quem faz o jogo”.

[15] REDHEAD, Steve. An Era of the End, or the End of an Era? Football and Youth Culture in Britain. In: WILLIAMS, J.; WAGG, S. (ed.). British Football and Social Change: Getting into Europe. Leicester: Leicester University Press, 1991, p. 145-159. Indica-se esse artigo para leitura complementar acerca da “carnivalesque transformation of football fandom”.

[16] STAREPRAVO, Fernando A.; NUNES, Ricardo S. Surgimento do esporte moderno e o processo civilizador. In: Simpósio Internacional Processo Civilizador, História e Educação, 8., 2004, João Pessoa, PB. Anais […]. João Pessoa, PB: UFPB, 2004. Disponível em: encurtador.com.br/uHMY7. Acesso em: 24 mar. 2022. Fundado nesta referência, tenho convencimento de que estudos do desporto que não sejam, simultaneamente, estudos da sociedade são análises carentes de contexto.

[17] PRESOS TORCEDORES que vinham para a Vila com bombas. A Tribuna, Santos, SP, 31 jan. 1992, Esportes, p. C-1.

[18] SALLES, Milton. O negócio é bater. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, RJ, 01 fev. 1992, Futebol, p. 2.

[19] PELÉ atribui atos de violência aos problemas sociais. A Tribuna, Santos, SP, 08 fev. 1992, Esportes, p. C-1.

[20] A Tribuna, contextualizava a citação de Pelé, referenciada na nota nº 19, quando “[…] esteve ontem [07 de fevereiro de 1992] no Estádio Nicolau Alayon, do Nacional, na Rua Comendador Souza, local onde o garoto Rodrigo […] foi atingido pela explosão de uma bom caseira, há duas semanas – morrendo mais tarde no hospital com lesões cerebrais – para prestigiar as semifinais da Copa Sul-Americana de Futebol Infantil – torneio que sua empresa, Pelé Sports e Marketing, organizou com a Secretaria Municipal de Esportes”. Nesta ocasião, a crônica desportiva registrava, ainda, que o local estava com os alambrados recuperados e contava com um forte esquema de segurança: revista completa dos torcedores. Todavia, naquele dia, a violência no desporto-rei foi testemunhada por Pelé. A vítima, da vez, foi o árbitro auxiliar que não havia marcado um suposto impedimento no lance que resultou no gol da vitória do infantil do São Paulo/SP por 2 a 1 sobre o Palmeiras/SP: os meninos palmeirenses de 13 anos “[…] correram atrás do bandeirinha, que precisou da ajuda dos policiais para deixar o estádio. O volante Marcelo acertou um chute no auxiliar”. E, sobre o que viu, Pelé teria dito: “Os próprios dirigentes do Palmeiras deveriam punir este garoto […]Se não o prepararem para seu um grande homem, no futuro ele não vai ser nada.” (MAIS violência. A Tribuna, Santos, SP, 08 fev. 1992, Esportes, p. C-1).

[21] SEPULTADO no ABC o torcedor da Mancha Verde. A Tribuna, Santos, SP, 02 out. 1992, Esportes, p. B-15.

[22] TORCEDOR FAZ grave denúncia contra soldados da PM. A Tribuna, Santos, SP, 06 jan. 1993, Esportes, p. B-10.

[23] PRISÃO. A Tribuna, Santos, SP, 30 abr. 1993, Esportes, p. B-7.

[24] BASCCHERA, Roberto. Paz até certo ponto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 22 ago. 1993, Futebol, p. 36.

[25] TORCEDORES NÃO TÊM dúvidas sobre assassino. A Tribuna, Santos, SP, 03 out. 1992, Esportes, p. B-16.

[26] CORRÊA, Sérgio Luiz. Jogo Aberto. Perguntar não ofende. A Tribuna, Santos, SP, 28 out. 1994, Esportes, p. B-6.

[27] TRÁFICO e torcida em parceria. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 30 out. 1994, Esportes, p. 29.

[28] Frederico, 16 anos, morreu em 22 de julho de 1992, “foi um dos 97 feridos na tragédia ocorrida minutos antes do início da decisão do Campeonato Brasileiro […] Ele estava próximo à grade de proteção da arquibancada, esperando por um amigo, quando uma correria fez com que muita gente pressionasse a grade, que despencou sobre as cadeiras azuis, de uma altura de aproximadamente cinco metros. O atendimento foi precário, apesar de todo o esforço dos soldados do Corpo de Bombeiros e de membros da Defesa Civil. Muitos torcedores tiveram que ajudar os feridos”. (TRAGÉDIA DO MARACANÃ já tem 1 morto. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, RJ, 23 jul. 1992, Futebol, p. 6). Sérgio, 26 anos, e Cláudio, 17 anos, foram as outras duas vítimas fatais. (RAÇA AINDA vive tragédia. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, RJ, 02 ago. 1992, Futebol, p. 4). Cerca de dois anos depois: “[…] as vítimas da tragédia no Maracanã, na final do Campeonato Brasileiro de 92, ainda não receberam a indenização prometida pelo Governo do Estado”. (INDENIZAÇÃO FICA só na promessa. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, RJ, 30 abr. 1994, Futebol, p. 3). Eduardo Souza, à fl. 178, destacava que, em 25 de novembro de 2007, foram sete as novas vítimas fatais e mais de 70 torcedores feridos por conta do descaso das autoridades desportivas, dessa vez na Bahia, com o “[…] desabamento de parte da arquibancada do anel superior do estádio da Fonte Nova”. E dizia, ainda, sobre a tragédia do Maracanã, que: “Além da partida ter sido reiniciada e concluída normalmente, nenhuma providência efetiva foi posta em prática para que outros incidentes desta natureza deixassem de ocorrer no Brasil”. (SOUZA, Eduardo Araripe Pacheco de. 2016. Fazer Alianças. Uma escolha determinante entre o protagonismo e a invisibilidade dos grupos organizados de torcedores de futebol no Brasil. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco, 2016. Disponível em: encurtador.com.br/hivJO. Acesso em: 10 jun. 2022).

[29] TORCEDOR É assassinado a tiros. A Tribuna, Santos, SP, 24 abr. 1995, Esportes, p. C-1.

[30] TUMULTO no enterro do torcedor paulista. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 26 abr. 1995, Esportes, p. 20.

[31] POLÍCIA PRENDE MENOR que matou torcedor. A Tribuna, Santos, SP, 27 abr. 1995, Esportes, p. C-6.

[32] Para explicar a Guerra do Pacaembu cabe transcrever o seguinte: “A briga começou depois que o Palmeiras garantiu o título na morte súbita, com gol do artilheiro Rogério. Centenas de torcedores do Palmeiras invadiram o campo para comemorar a conquista”. (DIA de sangue no Pacaembu. Dezenas de feridos na decisão da final da Supercopa de Juniores. A Tribuna, Santos, SP, 21 ago. 1995, Esportes, p. B-1). “Mas a festa que se seguiu ao gol palmeirense rapidamente se transformou em guerra e tragédia”. (PALMEIRAS FICA com título na ‘morte súbita’. A Tribuna, Santos, SP, 21 ago. 1995, Esportes, p. B-1). A entrada era franca, pela manhã, e segundo a administração do Pacaembu eram em torno de 10 mil torcedores sob a vigilância de 65 policiais. E que na versão da PM: “Não houve negligência, o policiamento foi normal para um jogo desse nível. […] O que houve foi um conflito em massa e quando 7.000 querem brigar é impossível conter”. (PM NEGA que houvesse negligência. A Tribuna, Santos, SP, 21 ago. 1995, Esportes, p. B-1). Registrava-se, ainda, que, desde às 9h30, as duas torcidas organizadas já estavam praticando atos de violência: “[…] a PM prendeu um torcedor do Palmeiras que jogara uma bomba de fabricação caseira dentro de um ônibus da CMTC, na avenida João Goulart, no Rio Bonito, Zona Sul”. (GUERRA FAZ mais uma vítima fatal. A Tribuna, Santos, SP, 21 ago. 1995, Esportes, p. B-1).

[33] GUIMARÃES, Maricy. Contando as vítimas da guerra. Violência em estádio paulista mata torcedor. Revista Manchete, Rio de Janeiro, RJ, n. 2.265, 02 set. 1995, p. 92.

[34] MASSACRE do Pacaembu desafia polícia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, p. 1, 22 ago. 1995.

[35] À época, sobre a violência urbana no Rio de Janeiro, RJ, Figueira destacava, também, que “impunidade estimula violência”, mas o que merece mesmo transcrição é o seguinte: “Quanto mais a violência for definida e tratada como efeito da pobreza, do desemprego, ou de qualquer outra situação de injustiça social, mais se adia e se dificulta a formulação de políticas de segurança pública”. (FIGUEIRA, Archibaldo. Só repressão não basta. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, RJ, 21 e 22 mai. 1995, Segurança Pública, p. A-17-A-18). E que na Europa não há hesitação alguma em punir torcedores violentos: “[…] torcedores que se envolvem em casos de violência são punidos com as penas previstas em lei e banidos dos campos de futebol por um período mínimo de um ano”. (SILVA, Mário Andrada e. Europeus não hesitam em punir. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 22 ago. 1995, Futebol, p. 24). Mas, Balocco foi rápido ao afirmar que: “A impunidade que gerou a batalha campal no Pacaembu anteontem em São Paulo é a marca dos crimes que envolvem membros de torcidas organizadas no Rio. De 1992 até hoje, foram cometidos pelo menos 10 assassinatos sem que a polícia conseguisse andar nas investigações”. (BALOCCO, André. Polícia do Rio não investiga. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 22 ago. 1995, Futebol, p. 24).

[36] OPERAÇÃO torcida. A Tribuna, Santos, SP, 24 ago. 1995, Esportes, p. C-2.

[37] TORCIDAS FUNDAM em São Paulo nova associação. A Tribuna, Santos, SP, 31 ago. 1995, Esportes, p. C-2.

[38] JOVEM acusado pela morte de torcedor presta depoimento. A Tribuna, Santos, SP, 31 ago. 1995, Esportes, p. C-2.

[39] CORRÊA, Sérgio Luiz. Jogo Aberto. Futebol muda Ibope. A Tribuna, Santos, SP, 09 set. 1995, Esportes, p. B-2. Sobre a coexistência do futebol e televisão vale registrar a lição de Gasparetto, à fl. 25: “El mercado brasileño de fútbol ha sido investigado en detalle en la presente tesis doctoral. En líneas generales, aspectos como los efectos del cambio de formato competitivo y la demanda de entradas y de fútbol en televisión han sido analizados. De esta manera, se presentan contribuciones teóricas, metodológicas y empíricas. Los hallazgos evidencian que el Campeonato Brasileiro es uno de los más equilibrados del mundo. Sin embargo, esto no se traduce en elevadas asistencias medias a los estadios para ver a los equipos. Los estudios de demanda manifiestan que el factor más importante para atraer los aficionados es la calidad del partido. También se ha observado que la calidad de los estadios juega un papel importante en la demanda. En ese sentido, la Confederação Brasileira de Futebol podría perfeccionar la recién elaborada Licencia de Clubes solicitando a los equipos mejores infraestructuras deportivas, puesto que eso incrementaría la asistencia a los estadios. Al mismo tiempo, estudios llevados a cabo em el fútbol europeo y en los deportes estadounidenses evidencian que jugadores estrelas incrementan la asistencia a los estadios. Por lo tanto, nuevas investigaciones podrían analizar dichos efectos en el fútbol brasileño. Si se confirma que la presencia del talento tiene impacto en el aumento de la demanda de ingresos, la Confederação Brasileira de Futebol y sus clubes necesitarían desarrollar métodos para retener los mejores jugadores en el mercado interno”. (GASPARETTO, Thadeu Miranda. Empirical analysis of broadcast demand, competitive balance, demand for tickets and revenue generation in Brazilian Football market. 2017. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) – Universidade de Vigo. Vigo, ES, 2017. Disponível em: encurtador.com.br/tvyQY. Acesso em: 25 mai. 2022).

[40] Em 04 de outubro de 1994, noticiava-se o fechamento de uma das torcidas organizadas palmeirenses. Entre 24 de agosto e 22 de setembro de 1995, divulgava-se o futuro fechamento de outra torcida organizada do São Paulo/SP. A proibição de todas as atividades de uma torcida organizada corintiana aconteceu em 20 de novembro de 1997. Mas, em 19 de dezembro de 1998, a aliança entre torcidas extintas foi capaz de mobilizar uma “operação de guerra”, com 540 policiais, para evitar conflitos em massa e “[…] uma possível vingança dos torcedores do Corinthians sobre os fanáticos do Cruzeiro depois das brigas envolvendo as duas torcidas no Mineirão. (PM MONTA ‘operação de guerra’ para evitar confronto de torcidas. A Tribuna, Santos, SP, 19 dez. 1998, Esportes, p. B-2).

[41] TORCIDAS. A Tribuna, Santos, SP, 18 mar. 1996, Esportes, p. B-2.

[42] TORCEDORES DA “Guerra do Pacaembu” estão livres. A Tribuna, Santos, SP, 15 ago. 1996, Esportes, p. B-2. Ademais, a rixa qualificada está prevista no art. 137 do Código Penal. (BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República. Disponível em: encurtador.com.br/anuK2. Acesso em: 17 jul. 2022). Vale dizer que o Juizado Especial Criminal é competente para julgar este crime e que é possível o aditamento da denúncia para que o denunciado responda por homicídio, desde que seguida a regra do art. 384 do Código de Processo Penal. (BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República. Disponível em: encurtador.com.br/LUW25. Acesso em: 17 jul. 2022). E, segundo Luciano Souza: “Os Códigos brasileiros de 1830 e 1890 não tratavam da rixa como crime autônomo nem mencionavam lesões corporais ou homicídios que poderiam ocorrer nela. Destarte, foi o Código Penal de 1940 que introduziu, no art. 137, a rixa como figura autônoma no ordenamento brasileiro, permanecendo a redação legal inalterada desde então. […] há proteção da segurança da pessoa física e, de forma secundária, da tranquilidade e da ordem pública. […] Qualquer pessoa pode figurar como autor (crime comum) ou vítima desse tipo penal, mas há a peculiaridade de aqueles que fazem parte da rixa serem, ao mesmo tempo, sujeitos ativo e passivo da infração. Não significa que o indivíduo agride a si próprio, mas que há agressões recíprocas, isto é, contrapostas, de modo que cada rixoso é sujeito ativo da conduta que pratica em relação aos demais e sujeito passivo das ações dos demais rixosos. Cuida-se de crime de concurso necessário, exigindo-se ao menos três rixosos para sua configuração. Para a aferição de referido número mínimo, incluem-se os inimputáveis que tenham tomado parte da contenda. Além de quem faz parte da briga, pode ser sujeito passivo terceiro atingido pela confusão generalizada característica da rixa. […] A exigência de violência física, não obstante, não implica necessariamente que haja corpo a corpo, uma vez que os contendores podem se agredir à distância, com paus, pedras ou qualquer outro meio idôneo, como ocorre, por exemplo, entre torcidas organizadas. […] A rixa, apesar de ser crime de concurso necessário, admite a participação em sentido estrito, o que ocorre quando alguém induz, instiga ou auxilia a contenda, não se envolvendo diretamente com ela. Induzimento significa a criação de propósito inexistente, como no fornecimento da ideia de uma briga entre grupos rivais. Instigação é o reforço de um propósito já existente, como no estímulo em que haja a contenda por meio de mensagens em redes sociais. Por fim, o auxílio significa fornecimento de meios para a briga, como na entrega de paus e garrafas. O partícipe em sentido estrito deve ser, ao menos, uma quarta pessoa envolvida nos fatos, uma vez que, reitere-se, o número mínimo de rixosos há de ser três. […] Admite-se que o crime seja cometido por omissão imprópria por quem está na posição de garantidor, como o caso do pai que vê filho menor participando de rixa e omite-se em relação a tal. Do mesmo modo, e.g., um policial que poderia ter evitado o encontro de grupos rivais na saída de um estádio e propositadamente não o faz, esperando poder assistir a briga, responde pelo crime. Havendo a devida identificação de autoria, é possível o concurso material entre rixa e outro crime, como homicídio ou lesões corporais, mesmo em caso de rixa qualificada, […] A rixa simulada não atrai a incidência do art. 137 do Código Penal, não constituindo crime. Se de tal simulação ocorrer o resultado de lesão corporal ou morte, o autor deve responder pela modalidade culposa de lesão corporal ou homicídio, conforme o caso. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, direto ou eventual. Não há previsão da modalidade culposa. Parte da doutrina admite a aplicação da legítima defesa para afastar o crime de rixa, pois não haveria nesse caso o animus rixandi, e, pelo mesmo motivo, reconhece que não há rixa em caso de legítima defesa putativa. […] cuida-se de crime de perigo abstrato. A doutrina majoritária não admite tentativa no crime de rixa. Posicionamento minoritário, ao revés, entende que, em regra, não se admite a possibilidade de tentativa, uma vez que, em geral, os fatos se dão de improviso (ex improviso); no entanto, na rixa ex proposito, ou seja, a que é previamente combinada, seria possível a tentativa. Sem razão o pensamento minoritário. Ou o indivíduo participa de rixa, e o crime se consuma, ou a contenda não se inicia, sendo o fato atípico. Há de se rememorar que atos preparatórios são impuníveis. Afirmar a atipicidade da simples combinação de uma rixa não significa que as autoridades nada devam fazer quando de sua ciência. A eventual intervenção policial para se evitar o delito quando se sabe da iminência da contenda, v.g., por manifestações nas redes sociais ou palavras de ordem proferidas na via pública em saídas de estádios, é mais do que desejada e função das autoridades responsáveis por zelar pela segurança pública. Todavia, frise-se, isso não implica reconhecimento do presente crime, o que, por outro lado, tampouco impede que outras infrações penais sejam investigadas (associação criminosa, apologia ao crime etc.). […] O parágrafo único do art. 137 prevê qualificadora se ocorre o resultado de lesão corporal de natureza grave ou morte. Não importa se tais resultados sobrevieram para pessoa que fez parte da rixa ou por terceiro estranho a ela, mas por ela atingido. Todos os que participaram da rixa respondem por sua forma qualificada, independentemente do reconhecimento da pessoa que causou a lesão grave ou morte, inclusive a pessoa que sofreu a lesão corporal grave, se esta também integrou a rixa. Hungria sublinha que não se trata de responsabilidade objetiva, pois cada corrixante ‘contribuiu para criar e fomentar a situação de perigo, de que era previsível resultasse o evento morte ou lesão corporal grave. Nenhum deles, portanto, responde pelas consequências que não produziu, mas pelas consequências não imprevisíveis de uma situação ilícita, a que consciente e voluntariamente prestou sua cota de causalidade’. Segundo doutrina e jurisprudência dominantes, identificado o indivíduo que deu causa à lesão corporal grave ou à morte, esse responderá pela rixa qualificada (art. 137, parágrafo único), em concurso material com o art. 129 ou 121 do Código Penal, de acordo com o caso concreto, enquanto os demais rixosos responderão por rixa qualificada. Perceba-se, no entanto, quanto ao reconhecido autor da morte ou lesão, que essa compreensão se mostra equivocada, uma vez que representativa de bis in idem. Destaca Fragoso que os resultados qualificadores devem ocorrer durante a rixa ou em consequência desta, dado que, se ocorridos anteriormente, seriam a causa, e não a consequência da rixa. Incide na rixa qualificada aquele que entrou na rixa e desistiu dela antes da ocorrência dos resultados qualificadores, mas não para aquele que ingressou na rixa após a ocorrência de tais resultados. De se notar que a pena da rixa qualificada é a mesma qualquer que seja o resultado agravador, lesão corporal de natureza grave ou morte: detenção, de seis meses a dois anos. Em termos de técnica penal, tal não se sinaliza adequado, não podendo o legislador nivelar abstratamente situações tão díspares. […] O tipo básico e a qualificadora admitem a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995), exceto em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 41 da Lei nº 11.340/2006). Mostra-se incabível o acordo de não persecução penal (art. 28-A do Código de Processo Penal), tendo em conta que o crime envolve violência”. (SOUZA, Luciano Anderson de. Direito penal. São Paulo, SP: Thomson Reuters Brasil, 2022, v. 2. E-book).

[43] MATA, Jéssica da. A política do enquadro. São Paulo, SP: Thomson Reuters Brasil, 2021. E-book. Desta referência cabe o registro de que as abordagens realizadas pela PM paulista nos estádios de futebol, por mais que sejam concebidas como “abordagens de fiscalização”, são situações típicas “em que nem uma [abordagem fiscalizatória] nem outra [abordagem investigativa] categorização poderiam ser aplicadas de forma adequada”. E isso porque há todo “[…] um contexto simbólico específico de associação entre torcidas organizadas e o crime […]” que, nas missões e razões dos enquadros, proativos ou reativos, face a face, o policial tende a aplicar o roteiro de uma parada investigativa ou abordagem de suspeito: tenso por um potencial flagrante, mas de alta relevância social.

[44] Da Guerra do Pacaembu, em 1995, foram necessários 21 anos para que se elaborasse um Marco de Segurança no Futebol (MSF): Guia de recomendações para atuação das forças de segurança pública em praças desportivas. (BRASIL. Ministério da Justiça; Ministério dos Esportes. Marco de segurança no futebol: Guia de recomendações para atuação das forças de segurança pública em Praças Desportivas. SOUZA, Fábio Santos de; MARCHEZINE, Sóstenes; FERREIRA, Alexandre Sérgio Vicente et al. (coord.). Brasília, DF: Ministério da Justiça; Ministério dos Esportes, 2016. Disponível em: encurtador.com.br/fqzAH. Acesso em: 28 mar. 2022). Embora, seja de 2003, alterado em 2010, o Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) carece de revisão, especialmente, no que toca às pertinentes constatações elencadas por Eduardo Souza, na obra referenciada na nota nº 28, às fls. 172/182: sobre “omissões e impunidades” com foco na neutralização das alianças, regionais, nacionais ou internacionais, entre as torcidas organizadas, sem esquecer de redirecionar a ideia de responsabilidade compartilhada para quem tem mais poder, político e financeiro, de influir na correção de condutas anticoncorrenciais ou indisciplinadas: os sujeitos desportivos detalhados no CBJD, art. 1º, § 1º, incisos I a VII. (BRASIL. Lei n. 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispões sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: encurtador.com.br/bdAQT. Acesso em: 29 mar. 2022; CONSELHO NACIONAL DO ESPORTE. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Brasília, DF: CBJD, 2009. Disponível em: encurtador.com.br/nuxDG. Acesso em: 18 jan. 2022). Quanto à Lei Geral do Esporte, tenho convencimento de que estão bem encaminhadas as propostas contidas nos artigos 183, 206 e 207. (COMISSÃO DIRETORA DO SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n. 68/2017. Institui a Lei Geral do Esporte. Brasília, DF: Senado Federal, 08 mar. 2017. Disponível em: encurtador.com.br/bstT4. Acesso em: 29 mar. 2022).

[45] GONÇALVES, Antônio Baptista. PCC e facções criminosas: a luta do Estado no domínio pelo poder. São Paulo, SP: Thomson Reuters Brasil, 2020. E-book. Desta obra referenciada, merece ser transcrita a seguinte lição: “Com um povo chegado a novelas, romances, mocinhos, bandidos, reis, descobridores e princesas, a história do Brasil foi transformada em uma espécie de partida de futebol na qual preferimos ‘torcer’ para quem ‘ganhou’. Esquecemos, porém, que na torcida pelo vitorioso, os vencidos fomos nós”.

[46] Dentre vários outros encaminhamentos de reforma do CBJD atual, fruto do trabalho conjunto com a Dra. Selma Fátima Melo Rocha, em decorrência da participação no Grupo de Trabalho do IBDD, transcrevo as seguintes sugestões: (1ª) Art. 1º A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva brasileira e o processo desportivo, bem como a previsão das infrações disciplinares desportivas e de suas respectivas sanções, no que se referem ao desporto de prática formal, regulam-se por lei e por este Código. § 1º Submetem-se a este Código, em todo o território nacional: I – as entidades nacionais e regionais de administração do desporto; II – as ligas nacionais e regionais; III – as entidades de prática desportiva, sociedades anônimas do futebol ou não, filiadas ou não às entidades de administração e regulação do desporto; IV – os atletas, profissionais e não-profissionais; V – os árbitros, assistentes e demais membros de equipe de arbitragem; VI – as pessoas naturais que exerçam ou não quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, em entidades mencionadas neste parágrafo, como, entre outros, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica, conselheiros, membros, sócios, investidores; VII – todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto que não tenham sido mencionadas nos incisos anteriores, bem como os intermediários, os agentes licenciados e as demais pessoas naturais e jurídicas que lhes forem ou não direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas, além das contratadas, eleitas, nomeadas, credenciadas, cessionárias, licenciadas, autorizadas ou franqueadas. § 2º Na aplicação do presente Código, será considerado o tratamento diferenciado ao desporto de prática profissional e ao de prática não-profissional, previsto no inciso III do art. 217 da Constituição Federal. § 3º. Este Código também se aplica a qualquer violação dos objetivos estatutários das entidades previstas neste artigo, § 1º, incisos I, II, VII, bem como de qualquer regra dessas entidades que não esteja sob a jurisdição de qualquer outro órgão judicante. (2ª) Art. 16. Respeitadas as exceções da lei, é vedado o exercício de função na Justiça Desportiva: I – aos dirigentes das entidades de administração do desporto; II – aos dirigentes das entidades de prática desportiva. III à pessoa que tenha relação comercial relevante com qualquer das pessoas previstas no art. 1º ou que tenha tido ou seja atual diretora ou executiva, dirigente ou funcionária, ou detenha, direta ou indiretamente, 10% ou mais do capital social de quem tenha feito ou recebido pagamentos das pessoas previstas no art. 1º ou de qualquer patrocinador, auditor, advogado externo ou outro consultor pago ou contratado por essas mesmas pessoas previstas no art. 1º. Parágrafo único. Deverá ser observado um período de quarentena de dois anos contados da perda da condição de dirigente ou de relação comercial relevante previstas nos incisos I, II e III acima. (3ª) DO MANDADO DE GARANTIA. Art. 88. Deverá ser concedido mandado de garantia sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação em seu direito líquido e certo, ou tenha justo receio de sofrê-la por parte de qualquer autoridade desportiva. Parágrafo único. O prazo para interposição do mandado de garantia extingue-se decorridos trinta dias contados da prática do ato, omissão ou decisão. Art. 89. Não se concederá mandado de garantia contra ato, omissão ou decisão de que caiba recurso próprio e tenha sido concedido o efeito suspensivo. Art. 90. A petição inicial, dirigida ao Presidente do Tribunal (STJD ou TJD) e acompanhada do comprovante do pagamento dos emolumentos, salvo se beneficiário da justiça desportiva gratuita, será apresentada em única via. Parágrafo único. Após a apresentação da petição inicial poderão ser juntados novos documentos e aduzidas novas razões desde que indispensáveis para o convencimento dos auditores. Art. 91. Ao despachar a inicial, o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD) ordenará que se notifique a autoridade coatora, à qual será enviada uma cópia da inicial e suas provas, para que, no prazo de dois dias, preste justificações prévias. Art. 92. Em caso de urgência, será permitido, observados os requisitos desta Seção, inclusive a comprovação do pagamento de custas, salvo se beneficiário da justiça desportiva gratuita, impetrar mandado de garantia por correio eletrônico (e-mail) que possibilite comprovação de recebimento, devendo o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD), pela mesma forma digital, determinar a comunicação da autoridade coatora. Art. 93. Quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do mandado de garantia, o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD), ao despachar a inicial, deverá conceder tutela de urgência, liminarmente ou após a justificação prévia, e poderá exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, sendo possível a dispensa da caução se a parte for economicamente hipossuficiente. Art. 94. A inicial será, desde logo, indeferida quando não for caso de mandado de garantia ou quando lhe faltar algum dos requisitos previstos neste Código. Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso voluntário para o Tribunal Pleno do respectivo Tribunal (STJD ou TJD). Art. 95. Findo o prazo para a justificação prévia, com ou sem ela, que se não apresentada justa causa estará a autoridade coatora incursa nos arts. 220-A, I, 223 e 231-A, o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD), depois de sortear o relator, mandará dar vista do processo à Procuradoria, que terá dois dias para manifestação. Parágrafo único. Restituídos os autos pela Procuradoria, será designada data para julgamento. Art. 97. Os processos de mandado de garantia têm prioridade sobre os demais. Art. 98. O pedido de mandado de garantia poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito. (4ª) Art. 165-A. Prescreve: § 1º Em dois anos, a pretensão punitiva disciplinar da Procuradoria relativa às infrações previstas nos arts. 250 a 258-D. § 2º Em cinco anos, a pretensão punitiva disciplinar da Procuradoria, quando este Código não lhe haja fixado outro prazo. § 3º Em oito anos, a pretensão ao cumprimento das sanções, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória. § 4º Em dez anos, a pretensão punitiva disciplinar relativa a infrações por dopagem, salvo disposição diversa na legislação internacional sobre a matéria. § 5º Em vinte anos, a pretensão punitiva disciplinar relativa às infrações dos arts. 220, 237, 238, 241, 242, 243-A, 243-B, 243-E e 243-G. § 6º A pretensão punitiva disciplinar conta-se: a) do dia em que a infração se consumou; b) do dia em que cessou a atividade infracional, no caso de tentativa ou conspiração; c) do dia em que cessou a permanência ou continuidade, nos casos de infrações permanentes ou continuadas; d) do dia em que o fato se tornou conhecido pela Procuradoria, nos casos em que a infração, por sua natureza, só puder ser conhecida em momento posterior àqueles mencionados nas alíneas anteriores. § 7º. A Procuradoria tem prazo de trinta dias para oferecer denúncia contra as pessoas responsáveis pelas infrações previstas nos arts. 250 a 258-D, e de sessenta dias para as infrações dos demais artigos. (5ª) Art. 170. Às infrações disciplinares previstas neste Código correspondem as seguintes penas: I – advertência; II – multa; III – suspensão por evento, torneio ou similar, por partida, prova ou equivalente, em disputa; IV – suspensão por prazo; V – perda de pontos; VI – interdição de praça de desportos; VII – perda de mando de campo; VIII – indenização; IX – eliminação; X – perda de renda; XI – exclusão de evento, torneio ou similar, de partida, prova ou equivalente, em disputa ou futuros; XII – devolução de prêmios; XIII – retirada de título; XIV – proibição de transferência; XV – jogar sem espectadores; XVI – jogar com um número limitado de espectadores; XVII – jogar em território neutro; XVIII – proibição de jogar em determinada praça desportiva; XIX – anulação do resultado de evento, torneio ou similar, de partida, prova ou equivalente; XX – rebaixamento à divisão, série, torneio ou similar inferior; XXI – derrota em evento, torneio ou similar, em partida, prova ou equivalente; XXII – repetir evento, torneio ou similar, partida, prova ou equivalente; XXIII – implementação de um plano de prevenção. § 1º. As penas disciplinares não serão aplicadas a menores de quatorze anos. § 2º. As penas pecuniárias não serão aplicadas aos atletas de prática não-profissional desde que provem essa qualidade no processo disciplinar. § 3º. Atleta não-profissional é aquele definido nos termos da lei. § 4º. Para as pessoas físicas se aplica eliminação e para as jurídicas a de exclusão. § 5º. Não há limitação para aplicação da pena de advertência ao mesmo infrator, quando prevista no respectivo tipo infracional. § 6º. As penalidades previstas neste artigo podem ser aplicadas cumulativamente ou não, e as multas não podem ser abaixo do piso de R$ 100,00 (cem reais) e acima do teto de R$ 100.000,00 (cem mil reais). § 7º. O STJD, em complemento as penalidades disciplinares previstas neste artigo, pode emitir deliberação, resolução, determinação, exigência, requisição, diretrizes, políticas, procedimentos, cartas circulares, manuais ou similares que exijam obediência e comportamento adequado à integridade e à cultura de paz nos desportos. (6ª) Art. 191-A. Apoiar torcida organizada que não mantenha cadastro ativo e atualizado dos seus membros com nome completo, fotografia, filiação, número de registro civil, número de CPF, data de nascimento, estado civil, profissão, endereço completo, número de telefone celular, endereço de correio eletrônico (e-mail), e escolaridade. PENA: multa, de no mínimo R$ 100,00 (cem reais) e no máximo R$ 100.000,00 (cem mil reais), e advertência, com prazo, para que o agente infrator cesse a violação do tipo disciplinar previsto no caput. § 1º. As penas cabíveis e previstas no caput deverão ser aplicadas ao presidente da entidade ou sob aquele que lhe faça as vezes, no caso de não ser possível a individualização ou qualificação da pessoa natural infratora. § 2º. As demais penas previstas no art. 170 poderão ser aplicadas, cumulativamente ou não, se da infração resultar benefício ou prejuízo desportivo a terceiro, em acréscimo às penas previstas no caput. (7ª) Art. 219. Danificar o interior e os arredores da praça de desportos, sede ou dependência das pessoas previstas no art. 1º. PENA: multa, de no mínimo R$ 100,00 (cem reais) e no máximo R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de trinta a cento e oitenta dias, e de indenização. § 1º. Se a infração for cometida ou provocada por torcedores, deverá ser o atleta e as suas pessoas responsáveis, nas modalidades individuais, ou a entidade de prática desportiva correspondente e as suas pessoas responsáveis, nas modalidades coletivas, punida com as mesmas penas cabíveis e previstas no caput. §2º. Se a infração for cometida por qualquer pessoa natural submetida a este Código, deverão ser as respectivas entidades e a sua pessoa natural responsável punidas com as mesmas penas cabíveis e previstas no caput. § 3º. As penas cabíveis e previstas no caput deverão ser aplicadas ao presidente da entidade ou sob aquele que lhe faça as vezes, no caso de não ser possível a individualização ou qualificação da pessoa natural infratora. § 4º. As penas de eliminação ou exclusão de campeonato ou torneio em disputa ou que venha a ser disputado deverão ser aplicadas ao infrator reincidente. § 5º. As demais penas previstas no art. 170 poderão ser aplicadas, cumulativamente ou não, se da infração resultar benefício ou prejuízo desportivo a terceiro, em acréscimo às penas previstas no caput. (8ª) Art. 282. A interpretação das normas deste Código deverá observar as regras gerais de hermenêutica, visando à defesa da disciplina, da moralidade e da integridade do desporto e do espírito desportivo, assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao auditor zelar pelo efetivo contraditório. § 1º. Os termos referentes às pessoas físicas são aplicáveis a ambos os sexos. Qualquer termo no singular se aplica ao plural e vice-versa. § 2º. Para os fins deste Código, o termo “regional” compreende tanto as Regiões como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme o caso. § 3º. Para os fins deste Código, os termos “partida”, “prova” ou “equivalentes” compreendem todo o período entre o ingresso e a saída da praça desportiva e seu arredor, por quaisquer dos participantes do evento, torneio ou similar. § 4º. Responderá por dano processual, além da multa específica nos autos, não dedutível daquelas que vierem a ser condenado em processo disciplinar avulso, a pessoa que litigar na Justiça Desportiva de má-fé como autor, réu ou interveniente, aplicando-se subsidiariamente no que couber o art. 80 do Código de Processo Civil e a dosimetria da multa prevista no art. 152-A, § 6º, deste Código. (9ª) Art. 283. Os casos omissos e as lacunas deste Código serão resolvidos com a adoção dos princípios gerais de direito, dos princípio que regem este Código, das normas processuais civis, e das normas internacionais aceitas em cada modalidade, cabendo ao auditor, na aplicação deste Código, atender aos fins sociais, e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, sendo proibido decidir por analogia ou aplicar subsidiariamente legislação não desportiva na definição e qualificação de infrações. (10ª) Art. 286. Este Código e suas alterações entram em vigor na data de sua publicação, mantidas as regras anteriores aos processos em curso, e, por força do valor dos bens jurídicos tutelados, a função do auditor e do procurador deve ser exercida com respeito aos critérios hermenêuticos contidos na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB). § 1º. Este Código também se aplica a todas as infrações disciplinares cometidas antes da data em que entrar em vigor, sujeito a qualquer sanção mais branda que se aplicaria de acordo com as regras anteriores. § 2º. O processo disciplinar instaurado contra alguém que estava sob a jurisdição da Justiça Desportiva no dia em que a alegada infracção foi cometida não sofre qualquer consequência jurídica se o infrator vier a perder o enquadramento no artigo 1º.

[47] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3ª ed. São Paulo, SP: Thomson Reuters Brasil, 2020. E-book.

[48] Um exemplo de mecanismo sancionatório funcional julgo ser a atuação da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) no caso do atleta alemão Alexander Zverev. Em 08 de março de 2022, divulgava-se que o atleta, além de ter sido expulso da competição que disputava, foi condenado a pagar US$ 40 mil por “abuso verbal” e “conduta antidesportiva”, perdeu os pontos no ranking da ATP e todas as premiações conquistadas na competição: US$ 31.570 mil, “foi punido pela ATP com uma suspensão de oito semanas no circuito e uma multa de US$ 25 mil (cerca de R$ 126 mil)” pelo que fez no dia 23 de fevereiro de 2022, no Torneio de Acapulco, no México. Entretanto, tanto à suspensão quanto à nova multa só serão impostas se o atleta cometer outra atitude indisciplinar até 23 de fevereiro de 2023. (ATP aplica suspensão condicional e nova multa a Alexander Zverev. Correio Braziliense, Brasília, DF, 08 mar. 2022, Esportes. Disponível em: encurtador.com.br/cKW58. Acesso em: 27 jun. 2022). Enxergo que isto se assemelha à suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei dos Juizados Cíveis e Criminais, e que devo avançar na pesquisa desta impressão. (BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: encurtador.com.br/ahjI8. Acesso em: 07 jun. 2022).

[49] DAMATTA, Roberto. A bola corre mais que os homens: duas copas, treze crônicas e três ensaios sobre futebol. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2006. Desta referência é relevante transcrever a seguinte lição, à fl. 67: “A ação de Leonardo conduz para a violência que temos dentro de nós. Violência que fala do nosso lado desumano e insensível representado não apenas no banditismo mais explícito, mas sobretudo no nosso modo de desrespeitar a lei no escuro da noite e com o beneplácito dos nossos amigos, naquilo que malandramente chamamos de malandragem. Já o gesto de Bebeto revela o nosso lado humano e criativo. Lado que deseja juntar a nação representada pelo hino, pela bandeira e pelo seu aspecto moderno, com os valores mais profundos da casa e da família. Com isso, ao golear o adversário, o jogador dele não tripudiou, como seria do seu direito na disputa. Mas voltou ao calor do seu lar, oferecendo amorosamente o gol realizado ao seu filhinho recém-nascido. Com esse belo gesto, Bebeto – guiado pelas mãos generosas de nossa cultura – juntou a bandeira com a família, o pai com a mãe, o estranho com o parente. Ficamos todos mais solidários com o gesto de Bebeto. A bola corre mais que os homens…”.

[50] Conforme ensina Andrade, na obra referenciada na nota nº 8, às fls. 31/32.

[51] PERRY, Valed. Direito desportivo: “temas”, 1981. Livro lançado em 17 ago. 1981, na sede da FERJ, às 18h, no auditório do 15º andar. Desta obra, cabe transcrição do seguinte trecho, à fl. 65: “Os fatos do desporto são as ocorrências intimamente ligadas às competições, antes, durante e após sua realização e que só acontecem em função da competição”.

[52] TOLEDO, Luiz Henrique de. Torcidas organizadas de futebol. Campinas, SP: ANPOCS, 1996, p. 154.

[53] Eduardo Souza, às fls. 204, 248/249, na obra referenciada na nota nº 28, enfatiza que, atualmente, é menos explícita essa relação de caráter utilitarista, muito por conta da pressão dos patrocinadores e da mídia, mas continua cada vez mais forte, sempre marcada pela ambivalência e por ambições políticas, internas ou externas ao ambiente clubístico: “o caráter utilitarista da relação entre clubes [ou demais sujeitos desportivos classificados no CBJD, art. 1º] e grupos organizados […]” de torcedores. Ensina, ainda, que o fenômeno de torcer pelo futebol, no Brasil, pode ser dividido em quatro gerações, cada uma com sua especificidade, e que o aumento dos registros de novas organizações de torcedores na Associação Nacional de Torcidas Organizadas (ANATROG) vinculadas aos clubes excluídos da elite do futebol brasileiro seria “[…] uma espécie de resposta dada pelos torcedores destes clubes [intermediários ou pequenos], principalmente jovens, como estratégia de retirar seus clubes do anonimato e da invisibilidade […] também representa uma oportunidade de, em alguns aspectos, criar semelhanças com os principais e maiores grupos organizados de torcedores do país; […] e que tem como característica principal a formação das alianças entre grupos de estados diferentes”.

[54] Toledo, obra referenciada na nota nº 52, à fl. 55.

[55] Shecaira, obra referenciada na nota nº 47.

 

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