LEGISLAÇÃO DESPORTIVA E SUAS APLICAÇÕES AOS ÁRBITROS DE FUTEBOL

Rafael Bozzano¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD.

Em todas as competições desportivas, além dos atletas, um outro personagem é indispensável para o regular desenvolvimento da disputa. Trata-se do árbitro, o único legitimado e responsável pela aplicação das regras do jogo.

O árbitro sempre esteve presente nas disputas desportivas, entretanto, nas últimas décadas, muito por conta das tecnologias que se encontram presentes nas transmissões dos jogos, bem como em razão do alto profissionalismo e valores econômicos envolvidos no esporte, o responsável para que todo esse espetáculo possa ser disputado dentro das regras impostas, passou de simples figurante, para personagem de extrema importância e destaque.

Em razão dessa relevância e das peculiaridades que envolvem os árbitros desportivos, traremos algumas questões importantes de como essa figura encontra-se inserida no âmbito da legislação brasileira.

Longe da pretensão de conceitur de forma fechada o que seria o árbitro, mas em um sentido mais amplo, é o responsável por interpretar e aplicar as regras do jogo, bem como do regulamento da competição e que ambos sejam cumpridos durante a disputa de uma competição desportiva. Ainda, os árbitros são indivíduos que possuem aptidão técnica, física e psicológica, para interpretar e aplicar as regras de determinada modalidade desportiva.

A relação de trabalho do árbitro é definida pela Lei n.º 9.615/98², sendo que o parágrafo único do artigo 88³ fulminou qualquer possibilidade de o árbitro ter o seu vínculo reconhecido com as entidades organizadoras dos eventos desportivos e responsáveis pelas respectivas escalas, ao determinar que, independente da relação jurídica, os árbitros serão prestadores de serviços autônomos:

Art. 88.  Os árbitros e auxiliares de arbitragem poderão constituir entidades nacionais, estaduais e do Distrito Federal, por modalidade desportiva ou grupo de modalidades, objetivando o recrutamento, a formação e a prestação de serviços às entidades de administração do desporto.

Parágrafo único. Independentemente da constituição de sociedade ou entidades, os árbitros e seus auxiliares não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração como autônomos exonera tais entidades de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias.”

Essa é uma questão que envolve uma controvérsia muito grande quanto à profissionalização dos árbitros. Diante da constante cobrança que os árbitros sofrem e das responsabilidades que são atribuídas a este personagem, nada mais coerente, que este seja um profissional do esporte.

A figura do árbitro muito se assemelha aos atletas de outras modalidades desportivas, como por exemplo aos atletas do tênis. Conforme o inciso primeiro, parágrafo primeiro do artigo 3º 4  da Lei nº 9.615/98, o modo profissional, no desporto de rendimento, será caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva.

Ocorre que, assim como os tenistas, em sua grande maioria, o árbitro não possuí contrato com nenhuma entidade de prática desportiva, mas ainda assim, toda a sua remuneração advém dessa atividade. Árbitros e tenistas, quando atuam em alto nível, treinam todos os dias, mantém rotina de viagens, jogos e compromissos profissionais, que os fazem serem dependentes daquele desporte.

Portanto, por mais que a legislação brasileira não os reconheça como profissionais, a realidade fática é outra, pois estes se dedicam em tempo integral e toda a sua dependência financeira deriva das atividades desportivas praticadas.

Por conta deste cenário, grande expectativa foi gerada quando do debate sobre a profissionalização do árbitro de futebol, resultando na edição da Lei n.º 12.867/13 5 , que assim foi publicada:

Art. 1o A profissão de árbitro de futebol é reconhecida e regulada por esta Lei, sem prejuízo das disposições não colidentes contidas na legislação vigente. 

Art. 2o O árbitro de futebol exercerá atribuições relacionadas às atividades esportivas disciplinadas pela Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, destacando-se aquelas inerentes ao árbitro de partidas de futebol e as de seus auxiliares. 

Art. 3o (VETADO). 

Art. 4o É facultado aos árbitros de futebol organizar-se em associações profissionais e sindicatos. 

Art. 5o É facultado aos árbitros de futebol prestar serviços às entidades de administração, às ligas e às entidades de prática da modalidade desportiva futebol. 

Art. 6o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Observa-se, por outro lado, que, na prática, a Lei, com os dispositivos editados, não trouxe qualquer mudança para os árbitros.

Vale recordar que a Lei n.º 10.671/03 6 , conhecida como Estatuto do Torcedor, também estabelece algumas questões relacionadas a arbitragem esportiva, dentre as quais o momento da remuneração e proteção dos árbitros, física ou social.

Para a arbitragem, talvez a grande mudança tenha sido a forma de como deve ser feita a escala dos árbitros, mediante sorteio ou em audiência pública transmitida pela rede mundial de computadores.

Visando garantir a lisura do espetáculo e também proteger os torcedores, equiparados a consumidores, o Estatudo do Torcedor também tipificou alguns crimes, dos quais destacamos:

Art. 41-C.  Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Art. 41-D.  Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Art. 41-E.  Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Desde 2005, quando o Superior Tribunal de Justiça Desportiva decidiu anular onze partidas do Campeonato Brasileiro daquele ano, em razão da suposta ocorrência de manipulação de resultados envolvendo um árbitro, não houve mais casos com esses personagens no futebol brasileiro.

Citados artigos são utilizados como fundamento em decisões judiciais em ações indenizatórias propostas por árbitros de futebol , que ao serem acusados por jornalistas, atletas e dirigentes esportivos, de terem atuado de forma premeditada a prejudicar outrem, muitas vezes valendo-se de expressões como “roubo”, “na mão grande”, “engavetado”, acabam tendo a sua imagem ofendida.

O que se observa, é que a arbitragem do futebol brasileiro desde 2019 tem recebido uma série de investimentos e suporte da CBF, , através da promoção de campanhas como “Respeito: Essa é a Regra do Jogo” 7 , lançada em agosto de 2019, e que ajudam  a demonstrar a importância e relevância do árbito de futebol para o espetáculo.

Destaca-se, também,  a constante especialização da arbitragem e, mais recentemente, o auxílio financeiro aos árbitros de futebol durante o período enfrentado pela pandemia do coronavírus 8 .

Outro tema que ressurgiu junto com a Medida Provisória 984/20[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][9], que trata sobre o direito de transmissão e de arena, envolvendo clubes, atletas e emissoras, diz respeito sobre os árbitros também serem destinatários de uma parcela desses valores.

O tema não é novidade, haja vista o histórico legislativo que desaguou na edição da Lei n.º 13.155/15[10], oriunda da MP do Futebol (Medida Provisória 671), pela qual tentou-se aprovar  porcentagem de 0,5% do Direito de Arena também para os árbitros.

Para nova decepção dessa categoria, indispensável para a prática profissional, o veto presidencial foi um duro golpe na esperança depositada pela arbitragem nacional.

Importante registrar que o motivo do veto não levou em consideração a relevância do árbitro ou não para o espetáculo, mas sim, o entendimento de que:

Embora medidas que busquem o aperfeiçoamento da arbitragem mereçam ser estimuladas, seu custeio por parcela decorrente do direito de arena não se revela mecanismo adequado para esse fim. Além disso, o regramento da matéria deveria prever critérios para utilização e controle dos recursos recebidos.[11]

Atualmente, o Deputado Federal Evandro Roman (Patriota/PR), conhecedor da arbitragem brasileira, com experiência acumulada durante os anos em que foi árbitro de futebol, alcançando, inclusive, os quadros da arbitragem internacional da FIFA, propôs Emenda à MP, para destinar a “parcela equivalente a 1% (um por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais será repassada aos árbitros participantes do espetáculo desportivo, como pagamento de natureza civil.[12]

Nada mais justo, que esse personagem imprescindível para a prática desportiva profissional, haja vista que a Regra do Futebol[13], em especial as de números 5 e 6, destaca que “o jogo é disputado sob o controle de um árbitro, que tem total autoridade para cumprir as regras do jogo”, assim como os outros oficiais, árbitros assistentes, quarto árbitro, árbitros adicionais, o árbitro assistente de vídeo, que “ajudarão ao árbitro a controlar o jogo de acordo com as regras”, sejam também destinatários de uma parcela referente ao Direito de Arena. * O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, sendo de total responsabilidade do Autor deste


¹ Advogado. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale de Itajaí-SC (UNIVALI). Mestre em Máster Universitario en Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad na Universidad de Alicante, Espanha. Coordenador do IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo). Procurador do STJD do Futebol.

² http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm

³ Lei n.º 9.615/98 – Art. 88.  Os árbitros e auxiliares de arbitragem poderão constituir entidades nacionais, estaduais e do Distrito Federal, por modalidade desportiva ou grupo de modalidades, objetivando o recrutamento, a formação e a prestação de serviços às entidades de administração do desporto. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

Parágrafo único. Independentemente da constituição de sociedade ou entidades, os árbitros e seus auxiliares não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração como autônomos exonera tais entidades de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias.

4  Lei n.º 9.615/98 – Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: § 1o O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva

5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12867.htm

6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.671.htm

7 https://www.cbf.com.br/cbf-tv/presidente-rogerio-caboclo-lanca-campanha-respeito-pela-arbitragem

8 https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/arbitragem/cbf-libera-novo-auxilio-aos-arbitros-e-assistentes

[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv984.htm

[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13155.htm

[11] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-295.htm Acessado em: 17 de julho de 2020.

[12] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8122695&disposition=inline

 Acessado em: 17 de julho de 2020.

[13] Disponível em: https://www.cbf.com.br/a-cbf/arbitragem/aplicacao-regra-diretrizes-fifa/livro-de-regras-2019-2020-portugues  Acessado em: 13 de julho de 2020.

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