Máfia do Apito

Carlos Miguel Aidar e Alexandre Ramalho Miranda

A “Máfia do Apito” foi o nome dado ao esquema de manipulação de resultados de partidas válidas pelo Campeonato Brasileiro e pelo Campeonato Paulista, ambos realizados na temporada de 2005, quando deflagrou-se o maior escândalo da história do futebol brasileiro.

A popularmente conhecida “Máfia do Apito” atingiu a credibilidade do futebol brasileiro como um todo, inclusive acarretou graves danos às entidades de adminstração do desporto, em especial à Confederação Brasileira de Futebol, em nível nacional, bem como à Federação Paulista de Futebol, em nível estadual, uma vez que tais condutas teriam sido praticadas em jogos válidos pelas competições organizadas por estas referidas entidades.

Porém, tal esquema de manipulação de resultados também teria atingido as entidades de prática desportiva, seus respectivos atletas e todos os torcedores que se sentiram lesados, principalmente aqueles que compraram ingressos e foram aos estádios na esperança de assistir um espetáculo esportivo sem qualquer tipo de parcialidade e corrupção por parte de quem detém os poderes para impor as 17 regras do futebol.

Os envolvidos foram os ex-árbitros de futebol Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon, sendo que o primeiro pertencia aos quadros da FIFA e ambos foram selecionados para apitar jogos dos Campeonatos Brasileiro e Paulista de 2005. Este dois ex-árbitros de futebol teriam manipulado resultados para beneficiar o apostador Nagib Fayad em jogos de aposta eletrônica.

Tais condutas trouxeram consequências na esfera civil, penal e também no âmbito da Justiça Desportiva, a qual foi a primeira a se pronunciar sobre este escândalo, em conformidade com a norma constitucional aplicada ao desporto e também atendendo à celeridade inerente aos procedimentos instaurados na Justiça Desportiva. Assim, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) prontamente determinou a anulação dos 11 (onze) jogos apitados por Edílson no Campeonato Brasileiro, tentando, assim, restaurar um pouco do prestígio da disputa. Ato contínuo, Edílson e Danelon foram banidos do futebol, por meio da determinação do STJD que impôs a eliminação de ambos dos quadros da Confederação Brasileira de Futebol.

Sem prejuízo da sanção disciplinar aplicada na seara desportiva, os três indivíduos envolvidos foram denunciados por crime de estelionato e formação de quadrilha. Entretanto, em 20 de agosto de 2009, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, no voto de relatoria do desembargador Fernando Miranda, ao julgar o Habeas Corpus nº 993.06.063932-3, determinou o trancamento da ação penal nº 1051/2005, uma vez que não teria havido qualquer crime praticado pelos denunciados.

Portanto, diante da ausência de tipificação, não houve a responsabilização criminal dos indivíduos que cometeram tais condutas tidas como manipuladoras de resultados, encerrando, assim, o desdobramento do caso na área criminal.

Entretanto, na esfera civil, detectou-se a questão mais complexa, na qual diversas teses foram levantadas e algumas demandas foram ajuizadas, em especial a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de Edílson Pereira de Carvalho, Paulo José Danelon, Nagib Fayad, Confederação Brasileira de Futebol e Federação Paulista de Futebol.

A ação tem por base o inquérito civil instaurado contra os réus Edílson, Danelon e Nagib, no qual se apurou que os ex-árbitros Edílson e Danelon, selecionados para apitar jogos dos Campeonatos Paulista e Brasileiro de 2005, manipularam resultados das partidas apitadas por eles para beneficiar o corréu Nagib.

Assim, o Ministério Público requereu a condenação dos réus a indenizarem os danos materiais e morais causados aos torcedores, invocando o Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671/2003, o qual os equipara aos consumidores, cujos direitos igualmente são protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90.

Por outro lado, para os efeitos da Lei n.º 10.671/2003, equiparam-se a fornecedor as entidades de administração do desporto, responsáveis pela organização de determinada competição, razão pela qual tais entidades figuram no polo passivo dessa ação civil pública.

Como argumento de defesa, as entidades de administração do desporto exploram a questão da não profissionalização dos árbitros de futebol e da ausência de vínculo empregatício entre esses e tais entidades, nos termos do artigo 88, da Lei n.º 9.615-98 (Lei Pelé).

A ação civil pública encontra-se ainda em fase de instrução, tendo sido efetivada a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, aguardando-se a decisão da Justiça de São Paulo.

Em contrapartida, foram ajuizadas, pela própria Federação Paulista de Futebol, outras ações de reparação de danos contra os ex-árbitros Edílson e Danelon, as quais foram julgadas improcedentes, sob o entendimento de que inexistiu o dano moral, por não existir vinculação da entidade com os atos ilícitos praticados, em tese, por indivíduos, isoladamente, sendo esses fatos de fácil compreensão pelo público.

Ademais, outras demandas foram ajuizadas por torcedores em face da entidade nacional de administração do desporto, em diversos Estados da Federação, pleiteando-se reparação por danos morais que supostamente teriam sido sofridos:

“Ressalte-se que a função do Poder Judiciário é dirimir conflitos reais envolvendo a vida e o patrimônio das pessoas, o que não é o caso, posto que uma partida de futebol é apenas uma forma de entretenimento, não devendo ser levada tão a sério” .

“Faz-se mister esclarecer, que a situação a que foi submetido o autor é inerente a uma partida de futebol e às peculiaridades do esporte. Com efeito, por mais que se admita a difusão do futebol e a influência emocional que este exerce sobre certos torcedores, o episódio que estes autos anunciam constitui fato típico e corriqueiro de tal prática desportiva, pelo que incompatível com qualquer espécie de ressarcimento” .

“Nessa esteira, não há que se falar em dano moral (…) porque não há qualquer comprovação do alegado dano moral de forma que se pudesse aferir um sofrimento exasperado, com base no homem médio, e que fosse passível de indenização, pois a mera sensibilidade subjetiva não tem o condão de tornar indenizável o que não o seria se qualquer outro indivíduo estivesse na mesma situação” .

“É preciso estancar a idéia de que todo e qualquer aborrecimento seja fonte de indenização por danos morais, fato que vem causando o abarrotamento do Poder Judiciário com demandas geradas, na maioria das vezes, por um simples mal-estar ou o mais comezinho transtorno. O dano moral é devido quando haja intensa interferência psicológica que afete os sentimentos íntimos do indivíduo”.

Portanto, tais precedentes obstam o ímpeto dos torcedores que buscam o enriquecimento sem causa, com base no suposto dano moral sofrido em decorrência da manipulação de resultados em 2005, sendo necessário lembrar que o campeão brasileiro daquele ano foi o Sport Club Corinthians Paulista, que terminou 3 (três) pontos à frente do segundo colocado, o Internacional de Porto Alegre, em virtude da anulação das partidas e designação de novos confrontos, fato que beneficiou o clube da segunda maior torcida do país, o que deve ser considerado pelo torcedor antes de se buscar a guarida do Poder Judiciário.

Nos dias de hoje, caso seja apurado um esquema de manipulação de resultados, tal como a “Máfia do Apito”, igual sorte não aguardará os responsáveis envolvidos, eis que a conduta foi recentemente tipificada como crime através dos artigos 41-C, 41-D e 41-E da Lei 12.299, de 27 de julho de 2010, os quais preveem penas de reclusão de 2 a 6 anos, sem prejuízo da respectiva multa que for imposta, nos seguintes termos:

“Art. 41-C: Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Art. 41-D: Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Art. 41-E: Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.”

Entretanto, como não há crime sem lei anterior que o defina, os envolvidos na “Máfia do Apito” de 2005 saíram ilesos de qualquer responsabilização na esfera criminal, inclusive em razão do princípio da irretroatividade da lei penal, sendo que, o que se espera para o momento, é que os indivíduos envolvidos sejam condenados pela justiça comum, o que deve ocorrer nos próximos meses.

Carlos Miguel Aidar é Advogado, Sócio Conselheiro do escritório Felsberg e Associados. Ex-Presidente do São Paulo Futebol Clube. Fundador e primeiro presidente do Clube dos Treze. Consultor jurídico do Ministro Extraordinário dos Esportes Édson Arantes do Nascimento e do respectivo Ministério. Autor do Projeto de Lei nº 9.615/98. Medalha Marechal Deodoro da Fonseca outorgada pela Academia Brasileira de História. Membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Ex-Presidente da OAB-SP (2001/2003). Colar do Mérito Judiciário outorgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Coordenador do livro Curso de Direito Desportivo. Professor do curso de graduação da cadeira de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2004).

Alexandre Ramalho Miranda é Advogado do escritório Felsberg e Associados, pós graduando em Direito Desportivo pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP (2010/2013).

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