Magistrado – Conselho de Agremiação Esportiva – Participação

Autor:Dr. Ives Gandra Martins

Parecer elaborado em função de solicitação do Dr. Luiz Zveiter – Presidente do STJD da CBF

MAGISTRADO – CONSELHO DE AGREMIAÇÃO ESPORTIVA – PARTICIPAÇÃO

CONSULTA

Consulta-me, o eminente desembargador LUIZ ZVEITER, e a vedação do artigo 36 da Lei Complementar nº 35/1979, inciso II, implicaria impossibilidade de continuar como membro do Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Futebol.

RESPOSTA

Em forma de singela opinião legal, em face da urgência do pedido, passo a responder à única questão formulada pelo preclaro magistrado.

Reza o artigo 36 inciso II da L.C. nº 35/1979 que:

“É vedado ao Magistrado: … II, exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração”.

Embora, pessoalmente, entenda que a referida lei não foi recepcionada pela Constituição de 1988 em algumas de suas disposições, tem a Suprema Corte entendido que foi recepcionada, sem restrições, pela nova lei suprema, com o que vige e tem eficácia no direito atual.

Neste sentido, o inciso II do artigo 36 harmonizar-se-ia com os preceitos da Constituição Federal.

Partindo do pressuposto de sua recepção pela norma maior, deve-se procurar entender o que objetivou, o legislador, considerar como cargo de direção ou técnico de sociedade civil.

Muito embora a lei se refira a “associação ou fundação de qualquer natureza ou finalidade”- no que os clubes de futebol estariam abrangidos – é de se perguntar se a natureza jurídica do Tribunal de Justiça Desportivo da Confederação Nacional de Futebol, à luz da Constituição e principalmente de seu artigo 217, teria o perfil pretendido, visto que não se trata, a CBF, de entidade civil típica, subordinada que é, em parte, ao Ministério dos Esportes. Não têm, por outro lado, as diversas entidades desportivas, sequer as características que conformam as sociedades civís, associações ou fundações de direito privado, embora, formalmente, o sejam.

O aspecto, todavia, que é objeto desta breve opinião legal, reside no fato de que os cargos de direção ou técnico não poderiam ser exercidos por magistrados.

Como é do conhecimento geral, inúmeros magistrados de todos os Estados do Brasil são conselheiros deliberativos de clubes profissionais de futebol, sem que tenham os Conselhos Nacional e Estaduais da Magistratura entendido que a vedação do artigo 36 inciso II impediria o exercício de suas funções.

É de se lembrar que os Conselhos Deliberativos dos Clubes de futebol não são apenas “Conselhos Consultivos”, sem responsabilidades de direção, mas aut6enticos Conselhos Diretivos, pois impõem a política do Clube, deliberam sobre sua gestão, orçamento etc. São verdadeiros Conselhos de Administração dos Clubes, que possuem apenas uma diretoria executiva.

A valer o princípio pretendido de que haveria vedação, no inciso II do artigo 36, a tal exercício e toda a história do futebol brasileiro estaria contaminada pela presença de magistrados que, de acordo com suas preferências futebolísticas, integram os conselhos Deliberativos dos Clubes. Só no São Paulo Futebol Clube é de se lembrar os nomes ilustres dos saudosos Desembargadores Frederico Marques e Breno Caramuru Teixeira e dos eminentes Desembargadores Olnei Ouricchio, ex- corregedor do Tribunal de Justiça, Waldemar Mariz de Oliveira e outros.

À evidência, a vedação pretendida não é dirigida ao futebol amador ou profissional ou aos esportes em geral. Tanto é verdade que o constituinte houve por bem distinguir toda a matéria referida ao Desporto em artigo separado do texto constitucional, sequer entendendo que se pudesse recorrer ao Poder Judiciário enquanto as matérias estivessem transitando na área da Justiça Desportiva, com procedimentos não esgotados.

Está , o artigo 217, assim redigido:

“É dever do Estado fermentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: I. a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento;

II. a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III. o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;
IV. a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

2º A Justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

3º O Poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social”.

Percebe-se, claramente, que se trata de matéria fora da materialidade impositiva da incisão II, que cuidou das entidades desportivas, porque diferenciadas e com tratamento especial desde a Constituição de 1988. Se, no passado, ainda se poderia falar em diferenciação passa a ser explicitamente de natureza constitucional, razão pela qual entendo não ter sido recepcionado, apenas para estes efeitos, o inciso II do artigo 36.

Ora, o cargo de membro do Tribunal de Justiça Desportiva de uma entidade, cujo perfil jurídico é mais autárquico que a sociedade civil, associação ou fundação, pois dependente de um Ministro de Desportos – sem, todavia, ser uma autarquia ou órgão governamental o que, de rigor, poderia implicar outra espécie de vedação – não é diferente para tais efeitos daquele de conselheiro deliberativo das diversas agremiações esportivas do Brasil em todos os Estados. E, curiosamente, a vedação do inciso II do artigo 36 nunca foi levantada para possível enquadramento dos Conselheiros Deliberativos de agremiações esportivas no exercício da magistratura.

Por outro lado, a vedação é a cargo de direção ou cargo técnico e não de integrante do Tribunal de Justiça Desportiva, cujos membros não precisam ser técnicos, pois escolhidos pelas agremiações ou pela direção da CBF sem necessidade sequer de serem bacharéis em direito. Em outra palavra, ser bacharel em direito, não é condição fundamental para o exercício da função de membro do TJD, em que a matéria jurídica é discutida com forte conotação de soluções desportivas, a ponto de a própria Constituição, ao determinar que a justiça Desportiva terá 60 dias contados da instauração do processo para proferir decisão final, colocou prazo que impossibilita a justiça Ordinária de agir, pois nenhuma competição esportiva poderia ficar aguardando 60 dias para continuar. As decisões do Tribunal de Justiça Desportiva são, na maior parte das vezes, de natureza exclusivamente do interesse do esporte, para não prejudicar ao povo e aos participantes.

Em outras palavras, o Desporto no Brasil tem tratamento diferencial, como ocorre nas agremiações e entidades confederativas, não tendo sido, o artigo 36 inciso II, dirigido nem as suas agremiações, nem às entidades de confederações e, se o foi, certamente não foi recepcionado à luz do art. 217 da Constituição Federal.

Não são, os magistrados, que forem eleitos Conselheiros deliberativos de clubes de futebol, dirigentes, nos termos do artigo 36 inciso II da L.C. nº35/1979, tem os membros dos Tribunais de Justiça Desportiva são técnicos, no estrito sentido da palavra, não se aplicando aos magistrados que exercem tais atividades a vedação mencionada.

Com o respeito devido a quem pensa em sentido contrário, entendo que:

a) o artigo 36 inciso II da Lei Complementar nº 35/1979 foi recepcionado pela Constituição Federal de 88.

b) O artigo 36 inciso II da LOMAN não foi recepcionado no que concerne às entidades desportivas, pelo tratamento diferencial que lhes foi outorgado pelo artigo 217 da C.F.;

c) Magistrados dirigentes de agremiações desportivas, que estão nos Conselhos Deliberativos de tais entidades, não estão no exercício daquele tipo de cargos de direção vedado pelo artigo 36 inciso II da L.C.. 35/1979;

d) Membros do Tribunal de Justiça Desportiva não são técnicos, nos termos do artigo 36, inciso II da L.C. 35/1979.

S.M.J.
São Paulo, 27 de agosto de 1998.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

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