Milton Jordão
Sexta-feira Santa, 29 de março de 2013. Curiosamente aniversariava a mais antiga capital do Brasil, a cidade do São Salvador. Porém, viveu-se, em um dos cartões postais destes tempos de Copa do Mundo, instantes de terror e selvageria como se ali, nas imediações de uma praça desportiva, se disputasse um conflito. Policiais armados. Bombas de lacrimogênio e “efeito moral”. Feridos, no físico e na alma.
Esta cena que se viu e se reproduziu nos diversos quadrantes desta nação, por meio de redes sociais, TV, rádio e jornais, nos faz pensar: será que evoluímos ou ainda temos (e queremos) mais do mesmo?
Pois bem.
Esta data religiosa para uns, festiva para nós soteropolitanos, se revelou como uma verdadeira “ducha de água fria” para os mais exaltados com os “legados” que a Copa do Mundo nos trará. Construiu-se um estádio novinho, gastou-se milhões de reais, se mobilizou um povo que chorou ao ver a Velha Fonte ir ao solo, e, agora, somente percebemos que muito pouco se mudou.
O torcedor ainda é maltratado e – diga-se – parece gostar de ser maltratado. Em tempos de internet, optou-se por destinar boa carga de ingressos para a venda em poucos pontos numa cidade tão grande como Salvador, sabia-se que a expectativa era imensa para poder voltar ao convívio naquela que sempre foi a casa do torcedor baiano, a querida Fonte Nova. Pouco importa se não é mais estádio e sim Arena, se terá seu nomes alongado com a inclusão de patrocinador como se diz por ai (naming rights)…o que importava para este povo apaixonado pelo futebol era poder ir à Fonte.
Mas, vimos um show de horror que nos faz pensar: será que estamos prontos para estes “legados” (que antes eram materiais e agora são imateriais…)?
Claro que os torcedores erraram. Porém, errou igualmente (ou até mais) os organizadores, leia-se: E.C. Bahia e Arena Fonte Nova.
Curiosamente, observo que, no curso desta semana, vociferou-se que o torcedor teria que “mudar” conceitos, ou seja, passar a respeitar o direito alheio à propriedade, quero dizer, ir ao estádio e não fazer dali o que sempre fez, bagunça e depredação. Ressalto que não é esta prática de uma maioria de torcedores baianos, e sim alguns que, valendo-se da costumeira impunidade, destroem patrimônio alheio.
Após o lamentável episódio que vimos nas imediações da Ladeira das Pedras, próximo ao estádio, a Arena Fonte Nova emite nota deixando claro que tudo somente ocorreu por causa dos torcedores. Engraçado como se exime de responsabilidades e se atribui a uma figura sem rosto (“os torcedores”) a culpa por tudo que se passou. E o pior, a Arena viverá deles e só existe por eles.
Tais escusas cansam. Houve sim um grande erro na organização e na preparação para a venda. Nosso povo não é pior ou melhor do que europeus ou americanos, apenas convive (e aceita, o que me parece mais grave) um tratamento e prestadores de serviços piores que os europeus e os americanos. Algumas medidas poderiam ter sido evitadas, como ampliar a venda de ingressos via internet – ou mesmo a sua totalidade – ou distribuir por diversos pontos da cidade os postos de venda. Entrementes, a opção por concentrar a maior parte dos bilhetes em um só lugar, resultou nisso. Pessoas chegando para criar uma fila ainda na noite do dia anterior, ausência de delimitações claras sobre a fila, permitindo aglomerações foram algumas dos fatos que se percebeu.
Ou seja, a construção é nova, mas as práticas, usos e costumes os mesmos dos tempos em que a praça desportiva se chamava Estádio da Fonte Nova e existia a “Kombi do Reggae”.
A lei regente, o Estatuto do Torcedor, foi simplesmente jogada de lado e descumprida.
Precisamos pensar o que queremos para nós. Ainda viver sob égide da desorganização, anomia, desrespeito ao consumidor, ao patrimônio público e particular, aos direitos, às leis e até mesmo à Constituição.
Organizadores e torcedores erraram. E devem refletir para isso não mais se repita. Mais, não repetir o que passou e sim mirar para um novo futuro. Que as novidades não fiquem apenas – e principalmente – nas belas e modernas construções, que tragam mentalidade e costumes novos.
E, claro, que o Ministério Público, órgão que o Estatuto do Torcedor confiou o seu zelo e guarda, possa acompanhar pari-passo esta reflexão e servir de fio condutor, se necessário for, para vermos transformados os estádios (ou arenas) em espaços onde impere o respeito e urbanidade, onde seja possível se assistir de uma peleja desportiva e, quem sabe, até mesmo se poder levar, novamente, a família.
Clama-se para que não vejamos mais do mesmo. Sejamos diferentes do que já vivemos até aqui.