A presidente Dilma Rousseff regulamentou nesta quarta-feira (20/01), por meio do Decreto Nº 8.642, a criação da Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT). O órgão terá a responsabilidade de fiscalizar as questões tratadas pela Lei 13.155/15, que trouxe o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT).
Especialistas em direito desportivo divergem sobre a composição do órgão definida pelo governo. O plenário será integrado, além de seu presidente, por representantes dos ministérios da Fazenda, do Trabalho e Previdência Social e do Esporte, de atletas, dirigentes, treinadores, árbitros de futebol profissional e de entidade de fomento ao desenvolvimento do futebol brasileiro.
Dilma anunciou a criação do órgão na terça-feira, em evento que contou com a assinatura de contratos de patrocínio entre a Caixa Econômica Federal e dez clubes de futebol, no valor de R$ 83 milhões.
Em agosto de 2015, a presidente sancionou a Lei 13.155/15, que teve origem na Medida Provisória nº 671, chamada de MP do futebol. O principal ponto é o PROFUT, que pretende modernizar a gestão do esporte brasileiro. Grosso modo, o programa exige regras de transparência em troca de benefícios de refinanciamento das dívidas dos clubes. Porém, o PROFUT também foi criticado pelos especialistas pelo motivo de ir além dessas exigências financeiras.
Processo administrativo
O advogado Leonardo Neri Candido de Azevedo, especialista em Direito Desportivo do escritório Rayes & Fagundes Advogados, explica que a fiscalização se dará por meio da instauração de processo administrativo. Entre as principais punições atribuídas pela Autoridade, destacam-se:
“I – advertir a entidade desportiva profissional;
II – advertir a entidade desportiva profissional e fixar prazo de até cento e oitenta dias para a regularização da situação objeto da denúncia, sob pena de haver comunicação do fato ao órgão federal responsável para que este proceda à efetiva exclusão do parcelamento, ou mesmo
III) a incidência da imediata pena de exclusão do parcelamento”.
De acordo com o advogado Rafael Cobra de Toledo Piza, coordenador da Comissão de Direito Desportivo da OAB-Santos, uma das críticas à APFUT é que a Autoridade não terá outra função além de fiscalizar o cumprimento das normas previstas no PROFUT, ou seja, não terá poder decisório algum.
“Ela não tem competência para impor sanção nenhuma. Ela fiscaliza, recebe denúncias, e se de fato apurar irregularidades, pode primeiro fazer advertência para o clube. Se não for solucionado o problema, aí sim informará a Receita Federal para que haja punição, notificando também as federações para elas sim aplicarem as punições desportivas”, afirma o advogado.
Falta de autonomia
Além disso, Rafael Cobra não enxerga qualificação técnica na composição dos membros.
“É difícil imaginar que representantes de atletas, árbitros, técnicos irão fiscalizar o cumprimento de obrigações administrativas, fiscais, pagamentos e adequações estatutárias dos clubes”, aponta. Em sua avaliação, seria diferente se houvesse também a função de remodelar o futebol brasileiro, com mais autonomia.
Por outro lado, o advogado Domingos Sávio Zainaghi, ex-presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-SP, enxerga que a composição da APFUT é uma forma democrática de se gerir, principalmente quando se refere a órgãos públicos.
“É bom ter tantos representantes diferentes, pois se houver concentração de poderes de um só órgão, vira muito autoritário. Quando há mais órgãos, pode ser mais complicado para administrar, mas é mais democrático, além de que, um fiscaliza o outro também”, aponta.
Além disso, Zainagui lembrou que os tribunais de justiça desportivos possuem esses órgãos de fiscalização justamente com essa função, sendo pluripartidário, com representantes, por exemplo, de atletas e federações.
Autonomia constitucional em questão
Apesar das divergências, ambos os advogados concordam em relação às críticas ao PROFUT. O programa já recebeu diversas avaliações negativas, principalmente no que diz respeito às punições, que podem ir desde o rebaixamento de divisão de um clube, por exemplo, à perda de autonomia das entidades de prática desportiva, contrariando a norma presente no artigo 217 da Constituição Federal.
“O artigo 217 trata sobre autonomia das entidades para determinar o seu funcionamento interno, e algumas das exigências do PROFUT avançam nesse aspecto, impondo ao clube que tome mudanças internas”, diz Rafael Cobra.
O advogado chama atenção para a exigência de diversas contrapartidas para os clubes e de alterações de dispositivos da Lei Pelé e do Estatuto do Torcedor.
“O PROFUT também alterou dispositivos dessas normas, o que significa que mesmo os clubes que não aderiram ao plano de refinanciamento estão sujeitos a essas alterações desses dispositivos”, assinalou.
Uma das mudanças polêmicas trata sobre a punição do rebaixamento.
“O Goiás [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][Esporte Clube] já se posicionou, entrou no STJD questionando isso, pois o clube, para poder participar, tem que demonstrar que está com regularidade fiscal adequada, apresentar Certidão Negativa de Débitos (CND) para comprovar que está com fundo de garantia em dia, pagamento de salários, sob pena de rebaixamento”, afirmou.
Isso porque, segundo o advogado, o Goiás não paga sequer um real de direito de imagem – uma das alterações na Lei Pelé foi a inclusão dessa forma de pagamento -, pagando seus atletas pela carteira de trabalho.
“Isso limita a um teto e às vezes não consegue os melhores jogadores diante desta limitação, isso causaria desequilíbrio técnico com aqueles que não cumprem as obrigações. A crítica maior que vejo é que essa lei de refinanciamento foi além desse tema”, afirma.
Primeira divisão com três clubes
Rafael Cobra deu como exemplo o Corinthians, atual campeão brasileiro, que poderia ser rebaixado se não comprovasse suas verbas, de natureza salarial ou de imagem. “Seria rebaixado da primeira divisão e subiria o 5º colocado da segunda para ocupar essa vaga. Há o risco da primeira divisão ficar com 3 clubes”, critica.
Zainagui aponta que também há possibilidade em criticar o PROFUT. “Ontem um cliente disse que não vai aderir ao programa porque não tem interesse em fomentar o futebol feminino, que é uma das obrigações. Era uma norma para facilitar o pagamento de dívidas, mas já colocaram isso no meio, por exemplo”, disse.
O advogado Luiz Fernando Pereira, atuante na área desportiva internacional, também comentou que o tema é polêmico e pode gerar dúvidas.
“Essa questão de interferir na planilha dos próprios clubes é uma espécie de coerção legal. Isso pode ferir a autonomia das entidades, mesmo porque alguns grandes clubes do país são geridos como se fossem empresas, então esse seria o lado nefasto do PROFUT”, aponta.
Leonardo Neri de Azevedo soma-se aos outros especialistas e também afirma que a norma possui sua constitucionalidade muito discutida, “pois de maneira cogente obriga os clubes que adquirirem um parcelamento de impostos renunciarem Direitos Constitucionais que garantiam autonomia e independência em sua gestão e administração, em contrapartida ao que preceitua o inciso I do artigo 217 da Constituição Federal”.
“A formação diversificada do órgão [APFUT] deve ser um ponto de alerta em relação a interesses difusos que podem propiciar ainda mais um modelo estatizante e político do principal esporte nacional”, adverte.
Brasil precisava do PROFUT/APFUT?
Para Zainagui, um dos pontos que podem suscitar polêmicas é com relação a “sacrificar o contribuinte”, porém enxerga que não “havia outro jeito”.
“Se não ajudar os clubes com o PROFUT, não resolveria de forma alguma, porque são dívidas impagáveis”, aponta.
“O Brasil não precisa mais do futebol para se firmar como nação. Já precisou, nós devemos a Pelé, Garrincha e toda aquela geração de 58, 62, pois o país ficou conhecido no mundo pelo futebol. Hoje não precisa mais. Então tenho preocupação no sentido de passar pro contribuinte um ônus de facilitar o pagamento de impostos que eles devem durante décadas”, acrescenta.
Fonte: jota.info
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