Felipe Franceschi Buoro¹
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
Uma sigla de três letras (quatro se considerarmos o “s” que é um indicativo de plural) vem chamando a atenção do mundo dos esportes nos últimos meses: NFT, abreviação para Non Fungible Token (em inglês) ou Token Não Fungível (em português). Mas afinal de contas, o que são os NFTs e qual a sua importância para o mercado esportivo? É o que o presente artigo pretende analisar.
A discussão sobre os NFTs começou a ganhar força no início de 2021, quando a famosa casa de leilões Christie`s fechou a venda de uma obra de arte puramente digital pela bagatela de US$ 69 milhões. Em seguida, o CEO do Twitter vendeu seu primeiro post como NFT por US$ 2,9 milhões e Zoe Roth, retratada em uma imagem conhecida como “disaster girl” (um meme de uma criança observando um incêndio com um sorriso de canto de boca), comercializou a mesma por US$ 473 mil.
Não demorou muito para o setor esportivo “entrar na onda” dos NFTs. Em março de 2021, a Dapper Labs anunciou o aporte de 305 milhões de dólares em uma rodada de investimentos que contou com nomes como o de Michael Jordan e Kevin Durant². A empresa é responsável pela plataforma NBA Top Shot, que permite a compra e venda de colecionáveis digitais oficialmente licenciados.
No Brasil, o Vasco foi pioneiro ao anunciar ainda em 2020 uma parceira com o Mercado Bitcoin para a criação do primeiro token do mundo referente a direitos provindos do mecanismo de solidariedade de jogadores de futebol³. Vale ressaltar que foi feita uma consulta prévia a CVM, que entendeu que o token não se caracteriza como valor mobiliário.
Em 2021, a USD Sports anunciou que a camisa que Pelé usou para fazer o gol 1.000 será transformada em NFT[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4]. Ainda, o Atlético-MG[5] e o Corinthians[6] anunciaram parcerias para desenvolverem projetos referentes à comercialização de NFTs. Passemos para a análise dos conceitos que envolvem os NFTs. Primeiramente, trataremos sobre o token.
Token é o registro de um ativo em formato digital. Eles aproveitam os benefícios de segurança, transparência e flexibilidade nas transferências. Tais ativos dependem do Blockchain para funcionar. O Blockchain é a tecnologia que permitiu a consolidação dos mercados de NFTs. Ele funciona como um banco de dados em que são processadas e registradas, de forma permanente, as operações realizadas. Funciona assim como uma espécie de livro-registro descentralizado que acompanha as transações. Vamos aos NFTs.
A autora Tatiana Revoredo conceitua NFT como “um pedaço de código de software que verifica se você detém a propriedade de um ativo digital não fungível, ou a representação digital do ativo físico não fungível em meio digital”[7]. Em uma linguagem mais técnica, “NFT é um padrão de contrato inteligente que fornece uma maneira padronizada de verificar quem possui um NFT e uma maneira padronizada de ‘mover’ ativos digitais não fungíveis”[8].
Verifica-se que o conceito de fungibilidade é de vital importância para um amplo entendimento dos NFTs. Conforme nos mostra o Código Civl, “são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”. A contrario sensu, bens infungíveis são aqueles que não podem ser substituídos por qualquer outro, por conterem características próprias insubstituíveis. Um exemplo clássico de bem infungível é um quadro de um pintor famoso.
Assim, podemos chegar à conclusão de que os NFTs são muito interessantes por demonstrarem a propriedade de um determinado ativo digital. Tal ativo não se confundirá com nenhum outro e poderá ser transacionado da forma que o proprietário bem entender.
Uma das possibilidades de uso mais promissoras para os NFTs diz respeito à venda de ingressos para eventos esportivos. Tendo em vista que problemas com falsificações e fraudes de tickets são comuns na internet, os NFTs poderiam auxiliar no combate à situação, uma vez que com um NFT é possível garantir de forma mais segura a autenticidade e a propriedade de um ticket.
Nesse sentido, a UEFA[9] anunciou no início de 2020 que utilizaria um sistema de venda de bilhetes baseado em blockchain para as partidas da UEFA EURO 2020. Os fãs poderiam adquirir os ingressos pelo celular e eles só produziriam QR codes ativos via Bluetooth quando eles estivessem próximos aos locais das partidas, numa tentativa de impedir o roubo de ingressos. Em um primeiro momento, seriam disponibilizados um milhão de ingressos para 51 partidas nesse formato.
Apesar dos NFTs apresentarem uma série de possibilidades interessantes para o mercado esportivo, alguns cuidados devem ser tomados. Trataremos sobre dois deles: a possibilidade dos NFTs se configurarem como uma bolha e a questão da lavagem de dinheiro aplicada ao contexto dos NFTs.
A febre dos NFTs fez com que diversos analistas alertassem para a possível formação de uma bolha digital. De acordo com um estudo publicado pelo site Protos[10], o volume de negociações de NFTs começou o ano de 2021 num patamar de cerca de dois milhões de dólares por semana, atingindo um pico em maio, quando foram negociados mais de US$ 170 milhões/semana, caindo em seguida para cerca de 10 milhões de dólares/semana em junho. A figura a seguir nos ajuda a visualizar tal situação.
Figura 1: Dólares gastos em vendas de NFTs
Fonte: NonFungible
Vale lembrar que uma bolha econômica é formada quando o preço de um ativo se descola de seu valor real. Especialistas nos mostram que as bolhas possuem um “roteiro”[11] de como elas são infladas: a) os preços do bem sobem; b) mais investidores apostam suas economias nele; c) muita gente ganha dinheiro, e o sucesso delas atrai mais pessoas; d) a procura é tão grande que os preços sobem mais; e) em um ponto, mais ninguém consegue justificar como os preços cresceram tanto; f) quando a confiança dos investidores é abalada, basta um sopro para a bolha estourar; g) o “estouro da manada” faz a retirada de capital ser abrupta; e h) o valor do ativo despenca.
Um dos exemplos mais recentes de bolha especulativa é a bolha da internet, ocorrida no fim dos anos 90, quando diversas empresas apostaram que tudo poderia ser oferecido ou vendido pela internet, o que fez com que o valor estimado de diversas empresas de tecnologia chegasse a níveis surreais. Quando a bolha estourou, a Nasdaq chegou a perder quase 80% do seu valor.
Além dela, tivemos a crise do subprime de 2008. Iniciou-se nos EUA, onde diversos bancos concediam empréstimos para pessoas que não possuíam capacidade econômica para quitá-los (eram os chamados créditos NINJA: no income, no job and no asset). Esses empréstimos tinham imóveis como garantia. Quando o preço dos imóveis começou a cair, a bolha estourou. Isso foi acompanhado por uma queda das bolsas, aumento do desemprego e desestabilização do sistema bancário (com a emblemática quebra do Lehman Brothers). Os efeitos da crise atingiram diversos países, cujas economias não tinham como se proteger.
Seriam então os NFTs uma nova bolha? Ainda é cedo para afirmar categoricamente algo nesse sentido. A mesma preocupação foi demonstrada em relação às Criptomoedas alguns anos atrás e o cenário que temos hoje aponta para uma consolidação cada vez maior das mesmas. Tendo em vista que a negociação de NFTs está passando por uma fase de maturação, sua alta volatilidade pode ser justificada. Devemos esperar para ver como se dará a evolução do setor, sem perder de vista os possíveis riscos envolvidos.
Além da problemática envolvendo a possibilidade de formação de uma bolha, devemos alertar para outro potencial risco envolvendo os NFTs: a questão da lavagem de dinheiro, que consiste em práticas cuja finalidade é esconder a origem ilícita de determinados ativos financeiros de forma a que tais ativos aparentem ter uma origem lícita.
Como nos mostra a lei nº 9.613/98, entre as pessoas físicas e jurídicas que praticam atividades econômicas consideradas possuidoras de uma maior probabilidade de serem utilizadas em esquemas de lavagem de dinheiro encontram-se:
XI – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades.
XII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie.
XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.
XV – pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares.
Assim, verifica-se que os NFTs, por estarem sendo amplamente utilizados nos mercados artísticos e esportivos, apresentam um potencial risco de serem empregados por sujeitos envolvidos em práticas de lavagem de dinheiro. Nesse sentido, o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)[12] já demonstrou sua preocupação com os riscos para ativos digitais e seus provedores de serviços.
Em síntese, pode-se afirmar que os NFTs surgem como uma possibilidade interessante de receita alternativa para os stakeholders do mercado esportivo. Eles podem ser aplicados em situações diversas, como a venda de ingressos ou comercialização de itens colecionáveis. Entretanto, alguns riscos também são inerentes. Com o tempo, poderemos ver a consolidação (ou não) do mercado. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
* Importante destacar que o conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor desse texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUORO, Felipe Franceschi. Criptomoedas e o Esporte: Oportunidades, Desafios e Ameaças. Revista Brasileira de Direito Desportivo. Ano XVIII – nº 31. Porto Alegre: LexMagister, 2019.
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¹ Graduado em Administração de Empresas e Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Desportivo pelo IIDD. Mestrando em Direito Desportivo pela PUC/SP. Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do CBMA. Orientador do grupo de estudos em arbitragem desportiva do CBMA. Membro dos grupos de estudos em Direito Desportivo da PUC/SP, PUC/RJ, MACKENZIE/SP, FAAP e USJT. Auditor dos TJDs da Federação Paulista de Futebol, Liga Nacional de Futsal, CBDG e FUPE. Defensor dativo do TJD/AD.
² RUBINSTEINN, Gabriel. Plataforma de NFTs da NBA tem aporte milionário de Jordan e outros famosos. Disponível em <https://exame.com/future-of-money/dinheiro-tendencias/plataforma-de-nfts-da-nba-tem-aporte-milionario-de-jordan-e-outros-famosos/>.
³ MANCINI, Claudia. Mercado Bitcoin e Vasco vão emitir primeiro token de mecanismo de solidariedade de jogador do mundo. Disponível em <https://www.blocknews.com.br/criptoativos/mercado-bitcoin-e-vasco-vao-emitir-tokens-de-mecanismo-de-solidariedade-de-jogadores/>.
[4]GUSSON, Cassio. Camisa que Pelé usou para fazer o 1.000 gol vira NFT em exchange exclusiva para esportes: a USD Sports, da Kraken. Disponível em <https://cointelegraph.com.br/news/kraken-announces-exclusive-sports-and-crypto-exchange-to-usd-sports-that-will-have-nft-of-the-shirt-pele>.
[5] MENDES, Anderson. NFTs do Atlético Mineiro surpreendem e já movimentam R$ 1,4 milhão. Disponível em <https://esportes.yahoo.com/noticias/nfts-atl%C3%A9tico-mineiro-surpreendem-e-143259018.html>.
[6] IGNACIO, Bruno. Corinthians anuncia fan token $SCCP para interagir com torcedores. Disponível em <https://tecnoblog.net/453970/corinthians-anuncia-fan-token-sccp-para-interagir-com-torcedores/>.
[7] REVOREDO, Tatiana. O papel do blockchain nos NFTs. Disponível em <https://mitsloanreview.com.br/post/como-o-blockchain-escalonou-o-atual-boom-dos-nfts>.
[8] Idem.
[9] NASCIMENTO, Daniela Pereira. Quais são os casos de uso mais comuns de tokens não fungíveis (NFTs)? Disponível em <https://www.moneytimes.com.br/quais-sao-os-casos-de-uso-mais-comuns-de-tokens-nao-fungiveis-nfts/>.
[10]UMEDA, Ana Paula. Bolha NFT estourou? Algumas reflexões. Disponível em <http://finephoto.com.br/bolha-nft-estourou/>.
[11] GOMES, Helton Simões. Da euforia ao pânico: como nascem e estouram bolhas especulativas? Disponível em <https://g1.globo.com/economia/noticia/da-euforia-ao-panico-como-nascem-e-estouram-bolhas-especulativas.ghtml>.
[12] JOSA, Lucas. Grupo de Ação Financeira Internacional revela que NFTs estão em seu radar. Disponível em <https://exame.com/future-of-money/grupo-de-acao-financeira-internacional-revela-que-nfts-estao-em-seu-radar/>.
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