Raquel Lima¹
Membro Filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
O interesse em tratar do tema em questão surgiu da preocupação com os jovens atletas, grande parte menores de idade, cujas modalidades desportivas praticadas – de alto rendimento – requerem intensa dedicação destes desde crianças.
Vale salientar que do universo de atletas menores, muitos ginastas, nadadores e judocas, dentre outras modalidades em que a prática do desporto por jovens se nota comum, vem sendo flagrados em controles antidopagem, com resultados analíticos adversos positivos para as substâncias consideradas proibidas.
Neste contexto, e com a finalidade de isentar esses atletas das devidas punições, surgem argumentos jurídicos interessantes, em termos de aplicação de determinadas normativas brasileiras, despertando o interesse para a abordagem do assunto.
É cediço que Agência Mundial Antidoping AMA-WADA², é uma organização independente, criada pela iniciativa coletiva liderada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), cujo escopo é a luta contra o doping e que com este intuito colabora com as Federações Esportivas Internacionais na realização de provas nas áreas de educação e pesquisa, recorre de processos disciplinares que julga não ter sido aplicada, corretamente, as normas antidopagem e produz, anualmente, uma lista de substâncias que não podem ser consumidas pelos atletas.
Após alguns anos da criação da Agência e diversas discussões com as modalidades e países, em 2003 surgiu o Código Mundial Antidoping determinando as sanções e as normas, e, em 2005, a UNESCO promoveu a Convenção Internacional contra o Doping nos Esportes³, tratado internacional relacionado aos direitos humanos, com força de lei, recepcionada integralmente pelo direito brasileiro por meio do Decreto nº 6.653, de 18 de novembro de 2009, cujo objetivo no âmbito da estratégia e do programa de atividades da UNESCO na área de educação física e desporto, é promover a prevenção e o combate ao doping nos esportes, com vistas a sua eliminação.
Assim, de modo a alcançar os objetivos da Convenção, nos moldes do contido no art. 3º de referido dispositivo legal, o Brasil se comprometeu a adotar medidas apropriadas nos níveis nacional e internacional que sejam consistentes com os princípios do Código; a encorajar as formas de cooperação internacional que busquem proteger atletas e a ética nos esportes, a partilhar resultados de pesquisas e a estimular a cooperação internacional entre demais países signatários e principais organizações no combate ao doping nos esportes, em particular junto a Agência Mundial Antidoping.
O fato é que na hierarquia das normas[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4], baseada na ideia de que as normas jurídicas inferiores são fundadas na validade das normas jurídicas superiores é que se explica o escalonamento normativo jurídico brasileiro. No topo da “pirâmide” encontra-se a Constituição da República Federativa do Brasil, por ser esta o fundamento de validade de todas as demais normas do sistema, portanto, nenhuma norma do sistema pode se opor a Carta Magna, sendo ela superior a todas as demais normas jurídicas, denominadas infraconstitucionais.
Cumpre esclarecer que a noção de hierarquia existente entre as normas é relevante principalmente para o controle de constitucionalidade das leis, assim a Convenção recepcionada por meio do Decreto nº 6.653, de 18 de novembro de 2009, por tratar sobre direitos humanos, tem, “status” supralegal, ou seja, na hierarquia das normas se situa logo abaixo da Constituição da República Federativa do Brasil e acima das demais normas do ordenamento jurídico.
A própria Carta Olímpica claramente afirma que a prática do esporte é um direito humano, ou seja, inerente a natureza do ser, refutando qualquer espécie de discriminação dentro do esporte. Sabemos que o esporte é um elemento de agregação social, representado pela própria bandeira olímpica com a união dos cinco continentes em seus cinco arcos entrelaçados.
Nesse sentido, importa reforçar que os dispositivos do Código Civil[5], do Código Penal[6] e do Estatuto da Criança e do Adolescente[7], que dispõem sobre a inimputabilidade e a incapacidade absoluta ou relativa do “menor”, não são aplicáveis ao atleta (menor) – de alto rendimento – por pertencerem a classe das normas infraconstitucionais.
Frise-se, inobstante a responsabilização criminal, no Brasil[8], se iniciar aos dezoito anos de idade, as normas de direito penal serão inaplicáveis às punições de caráter disciplinar contidas nas regras e princípios próprios do direito desportivo.
No Brasil a Carta Magna assegura autonomia[9] às entidades desportivas dirigentes e associações, em suas organizações e funcionamentos. O legislador Constituinte avaliza o reconhecimento da autonomia do Direito Desportivo especialmente ao traçar princípios e regras a serem tratados e regulamentados pelas normas infraconstitucionais Brasileiras, destacando-se no caso a “Lei Pelé” (Lei nº 9.615/1998).
A Constituição da República Federativa do Brasil ainda assegura o direito de associação[10], portanto, o atleta quando se associa/filia/inscreve em uma entidade esportiva se obriga a cumprir todos compromissos assumidos por esta, independente de sua idade, e se a entidade, “principalmente”, estiver submetida ao sistema federativo desportivo, terá como obrigação a defesa e pratica da Lex sportiva, com o fim de inibir toda e qualquer ofensa ao desportivismo.
Portanto, o atleta que compete numa modalidade de rendimento, independentemente de sua idade, nunca poderá invocar desconhecimento das regras antidopagem e suas violações, com o fim de afastar a configuração da infração, por estar submetido ao ordenamento jurídico pertinente e por tal razão ser pessoalmente responsável por seu corpo e por tudo que nele possa ser detectado, independente de culpa ou negligência.
Bibliografia
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de (Coord.); MEDAUAR,
Caio; DELBIN, Gustavo Normanton; OLIVEIRA, Leonardo Andreotti Paulo de; OTTONI,
Lucas Thadeu de Aguiar; DIREITO
DESPORTIVO – Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014.
¹ Advogada; Coordenadora Geral do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD; Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP; Procuradora do TJD-Antidopagem; Auditora do Pleno do STJD da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais; Auditora do Pleno do TJD da Aquática Paulista; Auditora do Pleno do STJD de Badminton; Auditora do Pleno do STJD da Liga Nacional de Futsal; Auditora da 2ª CD do STJD de Basquetebol; Auditora da CD do STJD de Musculação, Fisiculturismo e Fitness (IFBB/Brasil); Auditora da CD do TJD Paulista de Volleyball.
² https://www.wada-ama.org/sites/default/files/resources/files/codigo_mundial_antidopagem_2015.pdf
³ http://www.abcd.gov.br/arquivos/legislcao/convencaoUNESCO.pdf
[4] https://douglascr.jusbrasil.com.br/artigos/616260325/a-piramide-de-kelsen-hierarquia-das-normas
[5]CC: Art. 3°- São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos; (g.n)
………………..
[6]CP: Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (g.n)
[7]ECA: Art. 104 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. (g.n)
[8]CRFB: Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. (g.n)
[9]CRFB: Art. 217 – É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
………………..
[10]CRFB: Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
………………..
XVII – é plena a liberdade de associações para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; (g.n)
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