Anna Beatrice Diedrich[1]
O esporte como um todo é parte integrante da vida social, de modo que tem se tornado cada vez mais relevante em diversas esferas, mobilizando a sociedade, a cultura e a economia, além de ser um grande instrumento de inclusão. No entanto, assim como qualquer outra área, o esporte organizado está sujeito a disputas, conflitos e infrações, sendo necessária uma legislação específica que assegure o regular andamento das competições e solucione questões que venham a acontecer.
Ocorre que temos diversas Leis vigentes voltadas para o esporte, mas o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (“CBJD”) é o principal instrumento normativo que regula as infrações e sanções no âmbito nacional dos tribunais desportivos. Nesta toada, há uma crescente e fundamental necessidade em sua nova atualização, para que possa ser cada vez mais eficaz e se adeque melhor às novas demandas do esporte moderno.
- O CBJD e sua Função Reguladora
De início, é importante destacar que o CBJD foi criado pela Resolução CNE nº 01, de 23 de dezembro de 2003, já sofrendo alterações em 2006 por meio das Resoluções nº 11 e nº 13, de 29 de março e 4 de maio, tendo pela última alteração a Resolução CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009, e possui o objetivo de estabelecer pontos processuais e materiais para a resolução de litígios no âmbito das entidades desportivas, contemplando infrações disciplinares e questões éticas envolvendo atletas, membros de comissões técnicas, árbitros e clubes, bem como regular todo o sistema dos Tribunais Desportivos (TJDs) e Superiores Tribunais Desportivos (STJDs). Sendo sua função primordial a garantia da justiça e a transparência no desporto, atuando como um mecanismo de controle e de proteção dos valores esportivos.
Entretanto, assim como qualquer legislação, o CBJD não é imune às mudanças sociais e tecnológicas, principalmente no cenário do esporte contemporâneo, o qual passou por transformações significativas, como a profissionalização mais ampla de diversas modalidades, o aumento dos investimentos financeiros, e o impacto das novas tecnologias, como o uso do Árbitro Assistente de Vídeo (“VAR”) no futebol, por exemplo. Portanto, todos esses pontos exige uma reavaliação constante das normas que regulam o setor.
- Argumentos Jurídicos para a Nova Atualização
Uma nova atualização do CBJD deve ser vista não apenas como uma questão de necessidade pragmática, mas também sob a ótica dos princípios do Direito Desportivo, que incluem a segurança jurídica, a proporcionalidade e a eficiência, de modo que há diversos fundamentos jurídicos que sustentam a necessidade de reformulação ou modernização do Código de tempos em tempos.
Um dos princípios basilares do direito, inclusive regido no artigo 2º, XII, do próprio CBJD, qual seja a proporcionalidade das sanções, estabelece que as penalidades impostas devem ser proporcionais às infrações cometidas, de forma a garantir que a punição não seja excessiva nem insuficiente em relação ao comportamento infrator. A jurisprudência desportiva e a prática mostram que, muitas vezes, o CBJD carece de mecanismos mais refinados para calibrar sanções, especialmente em infrações que envolvem comportamentos repetidos ou onde há graus de culpa variáveis.
Portanto, ajustar o código as novidades do esporte contemporâneo, auxilia em sanções mais equitativas e justas, podendo evitar quaisquer distorções que venham a ser julgadas por ter brechas interpretativas no código.
Em ato contínuo, com o avanço tecnológico e a globalização das competições, surgiram novos tipos de infrações que não são adequadamente abordadas pelo CBJD, como a manipulação de resultados, conhecida como match-fixing, o uso de redes sociais para discursos de ódio ou ataques pessoais contra jogadores e árbitros, as infrações ligadas ao fair play financeiro, e até mesmo questões procedimentais como oitivas realizadas de forma on-line, são alguns exemplos de práticas que necessitam de uma regulamentação mais detalhada.
Além disso, o uso do VAR trouxe uma nova dinâmica às competições, exigindo uma adaptação das normas relacionadas à sua aplicação, como a utilização indevida do VAR, a transparência nas decisões, prazo para liberação do áudio e a responsabilidade dos árbitros ao tomar decisões após a consulta ao vídeo, precisam ser claramente definidas no código. Isso garantirá não apenas a eficácia das tecnologias, mas também a confiança do público e dos atletas nas decisões tomadas durante os jogos.
Além disso, o esporte moderno requer procedimentos processuais mais céleres e eficazes, uma vez que qualquer demora na resolução de litígios desportivos pode afetar diretamente a dinâmica das competições, comprometendo a integridade do campeonato, bem como o direito dos atletas e clubes envolvidos.
Outro aspecto relevante que merece destaque é a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”), já que com a crescente digitalização dos procedimentos desportivos, incluindo o monitoramento de atletas, árbitros e torcedores – este que inclui reconhecimento facial na entrada dos estádios em alguns casos –, é essencial que o CBJD esteja em linha com as exigências da legislação de proteção de dados, de forma a garantir a privacidade e a segurança das informações processadas no âmbito esportivo.
Além disso, o esporte é uma atividade global, e muitas modalidades no Brasil são reguladas por entidades internacionais, como a FIFA no futebol ou o Comitê Olímpico Internacional (COI). Sendo assim, uma harmonização e uniformização entre o CBJD e os regulamentos internacionais é essencial para assegurar que as decisões tomadas no Brasil tenham validade e aceitação global, evitando conflitos normativos que possam gerar insegurança jurídica.
- A Importância de um Debate Democrático e Inclusivo
Mas diante de todo o exposto, a reforma do CBJD não deve ser um processo realizado de forma isolada ou apressada, muito pelo contrário, é essencial uma atualização como esta ocorra por meio de debates democráticos e inclusivos, que envolva não apenas especialistas em direito desportivo, mas também atletas, dirigentes, árbitros e o público em geral, para que possam concluir as reais necessidades dos direitos a serem protegidos.
Sendo importante ressaltar, inclusive, que o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (“IBDD”) liderou a última reforma de 2009, fato que foi de grande avanço para o Direito Desportivo e de alta relevância.
Logo, um processo participativo de todas as partes são cruciais para que o novo código reflita as necessidades e as expectativas de todos os envolvidos no ambiente esportivo, garantindo sua aceitação e a transição de sua aplicabilidade.
- Conclusão
Apesar de termos diversas leis voltadas para o desporto, é necessário trazer a mesma atualização, evolução e centralização para o principal código que gere os tribunais desportivos e as sanções aplicáveis a todas as modalidades esportivas.
A atualização do CBJD se faz necessária não apenas para corrigir deficiências atuais sentida por tantos julgadores e defensores, mas também para antecipar e enfrentar os desafios do futuro. Um CBJD moderno, proporcional e em consonância com os avanços tecnológicos e normativos será fundamental para a promoção da justiça no esporte e para garantir a integridade das competições.
Os códigos e legislações merecem acompanhar o dinamismo do desporto e da sociedade, para que continue sendo um campo onde a ética, a justiça e o mérito prevaleçam. Cabendo assim, ao legislador desportivo em conjunto as demais partes de interesse promover e fomentar as reformas necessárias a fim de obter um ambiente seguro ao esporte.
[1] Advogada Desportiva e Tributária. Auditora da Comissão Disciplinar de Handebol SP. Auditora do Tribunal de Justiça Desportiva da Paulista Cup. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD. Eventuais erros e imprecisões são de responsabilidade exclusiva da autora.