O DIREITO À IMAGEM DOS ÁRBITROS DESPORTIVOS

Rafael Bozzano

Coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

 

  1. Recente Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Que Negou o Direito de Imagem à Árbitro de Futebol

Foi publicado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do RS que negou ao ex-árbitro assistente de futebol, Altemir Hausmann, pedido de indenização relativo ao uso de imagem, contra as emissoras de televisão que exploram comercialmente o produto futebol, Rede Globo e Globosat.

Para o TJ gaúcho, o entendimento da 10ª Câmara Cível é no sentido de que a equipe de arbitragem, ao prestar um serviço remunerado, “automaticamente permite a transmissão da sua imagem pelos meios televisivos, sites da internet, etc.”

No entendimento dos Desembargadores que participaram do julgamento, só possuem direito a serem remunerados pela exploração comercial da imagem do jogo os “destacados jogadores de futebol”. Ficando, portanto, excluídos os profissionais integrantes da equipe de arbitragem, bem como, os demais jogadores sem grande destaque.

Entre outros, dois pontos principais chamam a atenção da decisão:

Primeiro, a própria corte de justiça, quem deveria resguardar a igualdade prevista na Constituição Federal, cria dentre os profissionais do futebol escalões diferenciados, dos quais somente os “destacados jogadores de futebol” teriam garantidos os direitos à sua própria imagem, excluídos, portanto, os demais jogadores, aqueles sem destaques, bem como, os árbitros.

Segundo, ao estabelecer que profissional do futebol ao ser remunerado para atuar em uma partida, estaria automaticamente anuindo com a exploração comercial da sua imagem. Quando isso não é o que ocorre. Pois, tanto árbitros quantos jogadores são pagos para exercerem suas funções dentro do limite do campo de futebol. O que não se confunde com a atividade econômica explorada pelas emissoras de televisão, inclusive, sob o manto de expressivos contratos comerciais, tendo como “negócio” a imagem daqueles profissionais em campo.

Não há como se confundir o exercício profissional tanto de jogadores quanto de árbitros, indispensáveis para a prática do futebol profissional, com o mercado que explora a imagem daqueles profissionais, como um verdadeiro show business.

Em que pese, ainda caiba recurso, a inusitada decisão judicial segrega uma categoria inteira de profissionais – mesmo diante da indispensabilidade dos mesmos para o espetáculo do futebol, e consequente exploração comercial da imagem dos mesmos sem limites.

  1. Direitos da Personalidade Nos Desportes

Quando se ouve falar de direito à imagem nos desportes, logo se imagina os valores recebidos pelos altetas e clubes com as publicidades desenvolvidas para as empresas que os patrocinam, marcas estas, que desejam valer-se do desporte como uma importante ferramenta de alcance dos seus consumidores e fixação da marca.

Os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, mas podem ser utilizados e explorados quando o seu titular, autorizar essa utilização, salvo quando essa utilização for necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.

Importante e necessária proteção dos direitos da personalidade, principalmente à imagem e à honra expressos no Código Civil, que tiveram como fundamento a própria Constituição Federal, especialmente art. 5º, incisos V e X, pois expressam que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Como se observa, os direitos da personalidade estão inseridos dentro das garantias fundamentais, como sendo direito de deveres de todos os cidadãos brasileiros e também dos estrangeiros que no Brasil residem.

E nem pudera ser diferente, trata-se de uma garantia de que cada pessoa, antes de tudo, tenha a sua personalidade, imagem, honra, intimidade, ou seja, todos os direitos inerentes e indissociável à pessoa protegido.

Importante destacar também, que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 também trouxe a proteção à imagem nas atividades desportivas, como se observa no art. 5º, inciso XXVIII, alínea “a”, , vez que serão asseguradas “a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.

Como se pode observar, especificamente nas atividades desportivas, a Constituição Federal não fez qualquer distinção entre os destacados jogadores ou árbitros desportivos, apenas garantiu a sua proteção.

2.1 Direitos à Imagem Dos Árbitros Desportivos

Nos últimos anos, especialmente entre os árbitros de futebol, observou-se um grande movimento da classe em busca do reconhecimento e recebimento de valores referentes aos sues direitos da personalidade.

Principalmente nas últimas décadas, quando as transmissões desportivas concentram uma grande parcela de todo o investimento das emissoras de televisão e também do seu retorno com audiência e cotas de publicidade.

Um dos personagens indispensáveis dentro de todo esse espetáculo, é justamente o árbitro. Ainda que alguns argumentem que ninguém vai a um jogo para ver o árbitro, quando se fala em direito de imagem, essa questão torna-se irrelevante, até por que como esculpido na Constituição brasileira, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Importante registrar que o direito pleitado pelos árbitros refere-se exclusivamente ao direito à imagem, direito de personalidade de cada indivíduo, o que não se confunde ao direito de arena, que pertence às entidades de prática desportiva, que redistribuem aos sindicatos da categoria e depois repassam aos atletas profissionais.

Claro que cada personagem terá um valor diferente da sua imagem, afinal, não há como comparar a imagem de um atleta campeão mundial, com um árbitro em início de carreira, assim como não há como comparar um atleta em sua primeira partida profissional, com um árbitro com expressão e carreira internacional. Mas uma coisa deve ser reconhecida, ambos deverão ter a sua imagem protegida.

Uma das provas da importância da imagem dos árbitros desportivos, é que diversas empresas investem vultuosas quantias para explorarem comercialmente os uniformes dos árbitros, valendo-se da imagem de um personagem que habita o mesmo cenário dos atletas.

Outra questão importante, é o de que as emissoras responsáveis pelas transmissões das partidas, possuem em seu quadro comentaristas especializados em analisar justamente a atuação dos árbitros.

Outro importante ponto a ser destacado, é o fato de que o produto futebol e consequentemente a imagem dos seus “atores” são exploradas com o nítido caráter comercial. O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento, por meio da Súmula 403, que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

Ocorre que não acontece dessa forma e por incrível que pareça, os árbitros não recebem nenhum valor referente a utilização e exploração da sua imagem.

  1. Conclusão

Quanto à importância dos árbitros de futebol para o espetáculo e também aos seus direitos de personalidade, parece que já foram superados.

Em corolário com o que foi acima exposto, no ano de 2016, após centenas de árbitros de futebol demandarem no Poder Judiciário os seus respectivos direitos de imagem, por conta da utilização/exploração/utilização por terceiros, a entidade organizadoras do futebol, firmou contrato de cessão oneroso imagem com os árbitros, o que corrobora com algumas situações:

  1. Como integrantes imprescindíveis para a prática profissional do produto futebol e ainda, diante do valor comercial da sua imagem, uma vez que grandes empresas investem milhões de reais em seus uniformes;
  2. Somente no ano de 2016, a grande maioria dos árbitros de futebol cederam a sua imagem de forma onerosa para terceiros, o que demonstra a necessidade de contrato específico e que o mesmo não existia anteriormente;

Por fim, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi a primeira em segunda instância acerca do tema n oque se refere especificamente aos árbitros, outras ações encontram-se pendentes em diversos Tribunais, fato é que, que o tema não encontra-se esgotado, sendo apenas o início de um longo debate.

Rafael Bozzano

Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale de Itajaí-SC (UNIVALI).

Mestre em Máster Universitario en Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad na Universidad de Alicante, Espanha.

Coordenador do IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo).

Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SC.