O DIREITO DE IMAGEM NA ATUALIDADE

João Felipe Artioli¹

Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

O direito de imagem há muito tempo vem sendo um tema enfrentado na Justiça do Trabalho, tendo havido o enraizamento de entendimentos que não condizem com a evolução legislativa sobre o tema e do desporto em si.

Originalmente, a Lei Pelé (Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998) não possuía regramento específico sobre o direito de imagem, muito embora essa modalidade contratual fosse amplamente utilizada entre os atletas e as entidades de prática desportiva.

Diante da falta de regramento específico na lei especial, o contrato era celebrado com base no artigo 20 do Código Civil e no artigo 5º, inciso XXVIII, alínea “a”, da Constituição Federal, e, com isso, os valores eram livremente pactuados entre as partes contratantes.

Em muitos casos os valores pagos a título de direito de imagem representavam um percentual muito maior da remuneração total ajustada, o que levou à Justiça do Trabalho presumir, na grande maioria dos casos, o intuito fraudulento da relação contratual.

Diversos foram os casos levados à Justiça do Trabalho sob a alegação de que os valores pagos à título de direito de imagem eram, em verdade, de natureza salarial. As alegações se pautavam na ausência de utilização ou exploração da imagem, no pagamento diferido ao longo do contrato de trabalho (habitualidade), o fato de que o contrato de imagem era feito em razão do contrato de trabalho e, por isso, gozaria de natureza salarial etc.

Durante muito tempo houve o entendimento da Justiça do Trabalho no sentido das alegações referidas, não sendo raros, ainda, entendimentos similares na atualidade, eis que enraizados.

A Lei Pelé, então, foi alterada pela Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, que inseriu o artigo 87-A com a seguinte redação:

O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.

Pela alteração legislativa referida, a Lei Pelé passou a regrar o direito de imagem e estabeleceu que o ajuste contratual seria de natureza cível e inconfundível com o contrato de trabalho, tornando explícito o caráter autônomo do uso e da exploração do direito de imagem.

Apesar da inclusão do referido dispositivo legal, muitas eram as decisões com base naqueles mesmos fundamentos e, principalmente, na proporção ajustada nos contratos de trabalho e de imagem.

Neste tocante, até então, a Justiça do Trabalho analisou por vezes se um certo atleta teria o apelo necessário para que existisse a contratação de sua imagem e, se tivesse, qual seria a proporção.

Entretanto, não existiam – como ainda não existem – parâmetros específicos, muito menos previstos em lei, para que a exploração e o uso da imagem sejam quantificados. Os critérios eram subjetivos e pautados na presunção de fraude.

Porém, o contrato de imagem firmado, dentro do contexto desportivo que se insere, se presume verdadeiro (artigo 219 do Código Civil), que a formalização se deu de boa-fé (artigo 113 do Código Civil) e, por fim, que subsiste a manifestação de vontade das partes, ainda que eventualmente quaisquer das partes tenham feito reserva mental de não querer o que manifestou ao firmar o contrato de imagem (artigo 110 do Código Civil).

Foi então que a Lei Pelé sofreu nova modificação, trazida pela Lei nº 13155, de 4 de agosto de 2015, com a inclusão do parágrafo único ao artigo 87-A, com a seguinte redação:

Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

A inclusão havida sanou aquela questão antes muito debatida, estabelecendo os limites para o contrato de trabalho e para o contrato de imagem.

As duas modificações legislativas consolidaram o entendimento de que os valores pagos pelo contrato de imagem não se confundem com a contraprestação pecuniária devida ao atleta em razão do contrato de trabalho, à luz do artigo 457 da CLT, e, portanto, não constituindo natureza salarial.

Pela leitura do artigo 87-A da Lei Pelé, a despeito de autorizar a contratação do direito de imagem, a lei especial não obriga a sua utilização ou exploração. E não teria razão para isso, pois, a partir do momento que a entidade de prática desportiva passa a ser detentora do direito de imagem de atleta que integra o seu elenco, ele pode tanto utilizar quanto apenas possuir o direito para utilizar ou explorar, ceder a terceiros ou não utilizar ou explorar.

De igual modo, quanto a habitualidade ou não do pagamento, assim como o prazo de vigência do contrato de imagem ser o mesmo do contrato de trabalho, não existe na lei qualquer forma previamente prescrita.

E assim o TST firmou entendimento:

Também não nulifica o pactuado a frequência com que a imagem do atleta é explorada, porquanto cabe a entidade de prática desportiva explorar, da melhor forma que lhe aprouver – nos limites do contrato – o nome, apelido, imagem e voz do atleta. ²

Definição importante sobre o direito de imagem é encontrada na doutrina desportiva portuguesa:

O direito que atribui às pessoas de uma forma exclusiva a possibilidade de utilizar – expondo, reproduzindo ou publicando a sua imagem, com ou sem intenção de exploração comercial ou outros fins econômicos, e a opor-se a que outrem a use para os referidos fins sem prévio consentimento prestado de uma forma expressa, livre, esclarecida, precisa e delimitada

Afinal de contas, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em decorrência de lei.

E de 1998 para cá muito mudou no que diz respeito a imagem dos atletas e a exposição de suas imagens, especialmente em razão das mídias sociais, o que torna ultrapassado aquele antigo entendimento que ainda possui sobrevida na Justiça do Trabalho e os argumentos ainda contidos nas reclamatórias propostas.

Há que se sopesar que o desporto profissional – especialmente o futebol – tem extrema relevância na sociedade como um todo, atraindo grande atenção e fomentando, inclusive, inúmeros programas televisivos, ou mesmo de rádio, que se dedicam, em muitos casos exclusivamente, a notícias relacionadas ao esporte.

E aqui é relevante fazer referência às mídias sociais, fenômeno quase inexistente quando da criação da Lei Pelé em 1998, que passou a ter certa importância a partir de 2011 e se tornou essencial a partir de 2015.

Existe uma crescente importância estratégica das mídias sociais como canal de engajamento da entidade de prática desportiva com seus patrocinadores, parceiros, fãs e (futuros) torcedores. O engajamento nunca foi tão importante, onde as mídias sociais se tornam muitas vezes a única, ou relevante, fonte de informação e conteúdo sobre a entidade de prática desportiva e seus atletas.

As mídias sociais desempenham as funções estratégicas, tanto para as entidades de prática desportiva quanto para os atletas, estejam eles em atividade ou não.

Sob este aspecto, é possível afirmar que as mídias sociais se prestam a prover conteúdo para alimentar a paixão de seu torcedor, contando o presente e rememorando o passado, visando, também, angariar novos torcedores e fãs. As plataformas sociais também são amplamente utilizadas para gerar valor para os patrocinadores e para abraçar causas relevantes.

E a conclusão acima possui razão de ser, pois enxergaram no desporto profissional – com especial atenção ao futebol profissional – um enorme campo para promover marcas, produtos e serviços, como bem salientado por Marcelo Proni[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4]:

Ao longo do século XX, a difusão de hábitos esportivos e a conformação de uma cultura de massa levaram à expansão do consumo de artefatos, equipamentos e serviços relacionados à prática esportiva, assim como transformaram os principais eventos esportivos em espetáculos altamente veiculados pela “mass media”. Em consequência, o esporte-espetáculo tornou-se nas últimas décadas um dos “veículos de comunicação” mais utilizados pelo mundo empresarial para difundir produtos e consolidar marcas mundiais. Esse é o contexto no qual devemos compreender a evolução do marketing esportivo e sua influência sobre a organização de torneios.

Essa influência do marketing esportivo é, sem sombra de dúvidas, o elemento que dá a aquele direito previsto no artigo 87-A da Lei Pelé a autonomia necessária para sua consecução contratual e confirmação da natureza cível inerente à relação, como lesiona Santana[5]:

Por volta da segunda metade do século XX, a exploração e a promoção de eventos baseados no futebol, praticado por atletas profissionais, tornou-se atividade econômica organizada e negocial de vulto. Transformou-se, assim, numa atividade com características fáticas de ato comercial, como a venda de espetáculos e de suas transmissões por mídia eletrônica, a exploração de marcas e a exploração da prestação de serviço de praticante profissional com o objetivo de resultado econômico.

Com isso, independentemente da utilização ou exploração da imagem do atleta, como já exposto anteriormente, há a exposição pela entidade de prática desportiva, inclusive com a utilização de uniformes e acessórios que trazem as marcas dos patrocinadores, certo que é público e notório que os eventos desportivos são transmitidos em larga escala e contam com elevada audiência no território nacional e, a depender do caso, internacional.

Portanto, as marcas, produtos e serviços vinculados às entidades de prática desportiva são impulsionados pelos próprios atletas, fazendo com que a realização do contrato de imagem, dentro desse contexto, se enquadre com perfeição ao business que o desporto profissional está inserido. *O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste t


¹ Graduado em Direito pela FACAMP, Pós-graduado em “Direito Tributário” pelo IBET e em “Aprimoramento em Compliance” pela FACAMP, membro do IBDD e da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Campinas, sócio do escritório Ezarchi & Artioli Advogados Associados, que atua com Direito Desportivo desde 1996 e é responsável pelo Departamento Jurídico da Associação Atlética Ponte Preta.

² TST – RR: 111052220155030104, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 22/11/2017, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/02/2018

³ MESTRE, Alexandre Miguel (Coord.). Enciclopédia de Direito do Desporto. Coimbra, 2019, Ed. Gestlegal, p. 153.

[4] PRONI, Marcelo Weishaupt. Marketing e organização esportiva: elementos para uma história recente do esporte-espetáculo,  Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, 1998, v. 1, n. 1, p. 82-94.

[5] Gonçalves, Julio César de Santana e Carvalho, Cristina Amélia. A mercantilização do futebol brasileiro : instrumentos, avanços e resistências, Cadernos EBAPE.BR, FGV, 2006, p. 83.

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