O ´empréstimo´ de futebolistas: a propósito do novo Regulamento de Competições da Liga (II)

João Leal Amado

Dir-se-ia, pois, que a salvaguarda de valores eminentes, de ordem estrita¬mente desportiva — a transparência e a credibilidade das competições, a igual¬dade entre os competidores, em suma, a garantia da chamada “verdade desportiva” —, poderá justificar a introdução de certas limitações no tocante à susceptibilidade de “empréstimo” do praticante desportivo profissional. Nesta ordem de ideias, afigura-se-me que o preceituado na Lei 28/98 não constitui um obstáculo intransponível à elaboração, por parte da respectiva federação desportiva ou liga de clubes, de disposições regulamentares proi¬bindo tais “empréstimos” entre clubes que disputem a mesma competição desportiva.

É claro que se poderá tentar resolver o problema de outro modo, procurando garantir que o atleta cedido possa sempre disputar as competições entre cedente e cessionário, através da estatuição regulamentar da nulidade ou ineficácia de quaisquer cláusulas inibitórias da participação do jogador eventualmente constantes do contrato de cedência. Esta foi, aliás, uma solução já ensaiada no nosso futebol. Mas sem sucesso.

Com efeito, a tentativa regulamentar de garantir a possibi¬lidade de participação do futebolista cedido nos jogos disputados entre os clubes cedente e cessionário, a mais de revelar uma boa dose de irrea¬lismo, padece de alguma falta de sensatez. É uma tentativa irrealista porque, na prática, é virtualmente impossível sindicar um discreto “acordo de cavalhei¬ros”, desti¬tuído de efeitos jurídicos, ajustado entre as partes aquando do contrato de cedência. Mas é outrossim uma tentativa algo insensata, visto que não parece conceder a devida atenção à circunstância de o jogador ― note-se: um profissio¬nal de futebol, que trabalha jogando e joga trabalhando, isto é, que não joga por “amor à camisola” mas sim a troco de uma contrapartida remune¬ratória ― continuar a ter no clube cedente a sua única entidade emprega¬dora. Uma entidade, de resto, à qual ele retornará em breve (porventura na próxima época despor¬tiva) e pela qual passará o seu futuro enquanto profissio¬nal do desporto. O clube cedente é, pois, não só o seu clube de origem mas também o seu clube de destino, sendo ainda a sua actual entidade empregadora, pelo que o desportista profissional poderá ficar indesejavelmente dividido entre a necessidade de honrar o emblema que ostenta e a de não prejudicar a sua enti¬dade patronal. Uma situação melindrosa para o jogador e que, inevitavelmente, pode alimentar a suspeição, para mais num sector tão mediático, polémico e atreito a paixões e suspeições como é o do futebol profissional…

O Regulamento de Competições da Liga para a época 2015/16 contém, a este propósito, uma solução inovadora, que me parece de aplaudir. Nos termos do n.º 3 do seu art. 78.º, «durante o período da cessão, é proibida a utilização dos jogadores cedidos nos jogos disputados entre os clubes cedentes e cessionários». Pergunta-se: e, com isto, como fica a verdade desportiva? Deve reconhecer-se que, pelas razões aduzidas acima, esta fica em xeque, pelo que, a meu ver, melhor seria caminhar no sentido de proibir a cedência entre entidades que disputem a mesma competição desportiva. Ora, a este respeito, lê-se no novo n.º 2 do art. 78.º do Regulamento de Competições da Liga: «O clube cedente não pode ceder temporariamente mais do que três jogadores a um clube da mesma competição (LIGA NOS e II LIGA)».

Ou seja, não se proíbe, mas limita-se a cedência entre clubes que disputem a mesma competição desportiva. Em tese, creio que teria sido melhor proibir do que limitar; e, a limitar, a limitação deveria ter sido mais rigorosa, pois três atletas, numa equipa de futebol, podem ter um peso muito significativo. Nesta matéria, quanto menos se limitar a cedência mais se sacrificará, em tese, a verdade desportiva. Mas talvez estas novas soluções regulamentares signifiquem apenas o início de um caminho, vindo o limite de cedências permitido a baixar para dois ou para um atleta apenas, nas próximas épocas desportivas.

Creio que este é o caminho certo. E, se assim for, creio que tais normas limitativas poderão, inclusive, contribuir para refrear os inegáveis excessos a que se vem assistindo nesta matéria nos últimos tempos, com alguns clubes a adoptarem uma política de “contratar-para-emprestar” que me suscita bastantes reservas.

 

Fonte: abola.pt

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