Edio Leitão
Tentando ser fiel ao que foi veiculado na imprensa, segue abaixo conteúdo de uma reportagem sobre um litítigo entre o árbitro de futebol, Sandro Meira Ricci e o craque do Santos, Neymar:
“De forma irônica, Neymar creditou ao árbitro Sandro Meira Ricci a vitória do Atlético-GO sobre o Santos, por 2 a 0, no Serra Dourada, em Goiânia. Os dois têm um problema antigo, que cresceu e foi parar na Justiça Comum.
Ricci processa Neymar por tê-lo chamado de “juiz ladrão”, via Twitter, no ano passado. Ele pede reparação de danos, numa causa de R$ 20.400, que terá a primeira audiência no próximo dia 30.
A animosidade entre os dois era visível em campo, e a principal reclamação dos santistas foi com relação a um suposto pênalti não marcado justamente em Neymar no primeiro tempo, quando o jogo ainda estava 0 a 0.
Após a partida, questionado se o mérito do resultado era do Atlético-GO, o camisa 11 santista foi irônico.
– O mérito é do juiz.
A rixa entre Ricci e Neymar se deu após um jogo entre Vitória e Santos, ano passado, pelo Brasileiro. Machucado, o atacante viu a partida pela TV. O time baiano venceu, e Neymar postou no Twitter a seguinte mensagem: “Juiz ladrão, vai sair de camburão”.
O atacante foi julgado no STJD, mas alegou que sua conta na rede social havia sido invadida por outra pessoa, que postara a crítica a Ricci. Os auditores acreditaram na versão de Neymar, e ele foi absolvido. Indignado, o árbitro decidiu ir à Justiça Comum. E acabou sendo escalado para apitar o jogo entre Atlético-GO e Santos, apesar de a Comissão de Arbitragem ter ciência da ação que ele move contra Neymar.”[1]
Note-se que o jogo entre Atlético-GO e Santos aconteceu no Brasileirão de 2011 e nesse mesmo ano, passado algum tempo após essa partida, a justiça condenou o atleta a pagar ao árbitro uma indenização por danos morais.[2]
O escopo aqui não é entrar no mérito da ação judicial entre árbitro e jogador, mas analisar e debater o fato mencionado, sob a ótica da Lei nº 10.617/03 conhecida como Estatuto do Torcedor.
Inicialmente é importante destacar que referida lei em seu artigo 32 dispõe que é direito do torcedor que os árbitros de cada partida sejam escolhidos mediante sorteio dentre aqueles previamente selecionados. Esse sorteio será realizado em lugar aberto ao público, com ampla divulgação, no mínimo quarenta e oito horas antes de cada rodada, em local e data previamente definidos.
Já o artigo 30 do mesmo Estatuto do Torcedor dispõe que:
Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.
Assim toda arbitragem deve ser independente: livre, sem qualquer tipo de dependência ou subordinação;imparcial: não pode ser parcial, partidária ou favorável a alguém, deve ser íntegra e reta; isenta de pressões: livre de qualquer tipo de influência ou coação moral ou psicológica e, previamente remunerada.
Pois bem, tomando como exemplo o jogo entre Atlético-GO e Santos, além da infeliz postura da Comissão de Arbitragem em ter selecionado previamente referido árbitro para o sorteio – note-se que à época o litígio entre árbitro e jogador já era público e notório – o fato é que houve ofensa ao artigo 30 do Estatuto do Torcedor.
A ofensa ao artigo em destaque se deu porque psicologicamente havia uma pressão acima do normal sobre o “apito” do árbitro, pois, mais do que nunca, o Sr. Sandro Meira Ricci precisava realizar uma arbitragem perfeita para mostrar que sua ação judicial contra um dos principais atacantes do país e maior estrela do Santos, não teria qualquer tipo de influência.
E como se não bastasse, durante a partida não foi marcado um pênalti sobre o Neymar sendo que no mesmo lance o jogador recebeu cartão amarelo por suposta simulação. Após o jogo, inúmeros programas esportivos afirmaram que o “professor” havia errado.
Não é novidade que quando a pressão é grande o risco de errar aumenta!
Diante do que estamos discutindo aqui, pouco importa se esse erro da arbitragem foi de fato ou de direito, pois o que deve ser analisado é o prévio elemento legal, isento de pressão, previsto no artigo 30, que no caso inexistiu, eis que a pressão se caracterizou pela influência moral e psicológica decorrentes do dano moral que o árbitro alegava ter sofrido e da reflexa materialização de um processo judicial.
Ora, se a ação ajuizada tinha por escopo a reparação de danos morais que, “se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado”[3], não é desarrazoado entender que o jogador responsável por esses sentimentos não gozava de qualquer prestígio junto ao árbitro, logo, a capacidade de julgamento da arbitragem utilizada em lances dentro de campo, inclusive quando envolvia o respectivo jogador estava comprometida.
Tanto é verdade que a própria reportagem destacou que a animosidade entre os dois era visível em campo, situação que implicou até mesmo na quebra da imparcialidade da arbitragem.
Impende ainda destacar que a quebra da imparcialidade, independência e ausência de pressão pode decorrer de problemas da arbitragem com o clube ou jogador, indistintamente, já que a lei não faz qualquer tipo de distinção nesse sentido, logo, é isso que efetivamente maximiza a proteção dos direitos do torcedor.
Porém, uma proteção efetiva depende de uma postura mais ativa dos clubes e torcedores em prol do respeito às leis junto à Justiça Desportiva e Justiça Comum, principalmente quando nossa história mostra que pela inércia nunca conquistamos nada.
Infelizmente, mais um gol contra o futebol!
Edio Hentz Leitão. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Cursando Gestão e Direito Desportivo pela SATeducacional. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Advogado.
Bibliografia:
[1]http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2011/08/neymar-diz-que-derrota-e-merito-do-juiz-que-o-processa-na-justica-comum.html acessado em 14 de fevereiro de 2012.
[2] http://www1.folha.uol.com.br/esporte/1013880-justica-condena-neymar-a-indenizar-arbitro-ofendido-em-rede-social.shtml acessado em 14 de fevereiro de 2012.
[3] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 1994, p. 31.