O NOVO REGULAMENTO DE AGENTES DA FIFA

Por Felipe Legrazie Ezabella[1]

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Parece estar chegando ao fim a espera pela aprovação do novo regulamento de Agentes da FIFA.

Desde o início da nova gestão da entidade, em 2016, uma série de mudanças nas normas que regem o futebol mundial vem sendo propostas, discutidas e aprovadas. Como exemplos temos as atualizações no Estatuto da FIFA e no Regulamento de Transferências; a criação do Tribunal do Futebol; as novas regras especiais de proteção ao Futebol Feminino; e a criação da “Clearing House” (sistema de pagamentos).

Ao que tudo indica chegou a vez da normativa sobre Agentes, que deve ser submetida à votação no próximo Congresso da FIFA em outubro de 2022, juntamente com as novas regras referentes aos atletas menores de idade.

Tratando especificamente das propostas para a nova regulamentação, sabe-se que desde o final de 2017 a FIFA tem promovido encontros, debates e reuniões com todos os stakeholders envolvidos na atividade. Agentes e Associações de Agentes de todas as regiões, clubes, confederações, e atletas foram chamados e ouvidos a respeito das propostas da FIFA para a atividade e da necessidade de mudanças na relação Agentes x Futebol.

Em 2015 a FIFA promoveu uma primeira mudança no sistema, transferindo a competência total e absoluta para tratar do assunto para as entidades nacionais, disciplinando apenas as regras gerais que deveriam ser por elas adotadas quando da edição de seus regulamentos próprios de “intermediários” e de solução de disputas. Assim, a FIFA pensou ter “resolvido a questão dos Agentes” ou, quando muito, pensou “ter se livrado da questão”.

A nova gestão da FIFA, rapidamente, reconheceu o equívoco da desregulamentação e da marginalização da atividade, envidando esforços para tentar arrumar uma solução normativa que combatesse os seguintes problemas detectados:

  • fracasso da administração do setor de Agentes por muitas entidades nacionais que sequer possuem regulamentos próprios ou Câmaras de Resolução de Disputas;
  • aumento considerável da quantidade de conflitos de interesses e de valores movimentados para fora do futebol;
  • necessidade de mais transparência e de uma maior proteção aos jogadores, conferindo assim uma maior estabilidade no mercado;
  • conduta abusiva e excessiva de alguns Agentes;
  • especulação excessiva no mercado.

A minuta de regulamentação com 28 artigos que deverá ser discutida e votada no Congresso da FIFA traz de volta uma série de normas que existiam antes de 2015, bem como inova com a criação de novas obrigações e restrições não afeitas ao atuais Agentes. Como exemplos temos:

  • volta das licenças obtidas mediante prova e renovação anual mediante um sistema de educação continuada;
  • criação de um sistema exclusivo de resolução de disputas. As disputas de dimensão internacional serão resolvidas online pela câmara especializada do FIFA Football Tribunal. Para as disputas de dimensão nacional deverão ser criados órgãos próprios em cada entidade nacional com competência para dirimir a questão. No Brasil, presume-se que será utilizada a experiência da atual CNRD – Câmara Nacional de Resolução de Disputas;
  • proibição de múltipla representação;
  • no futuro, pagamento via sistema denominado “Clearing House”;
  • teto máximo de valores para as comissões.

As entidades nacionais serão obrigadas a ter um Regulamento Nacional de Agentes, incorporando boa parte do teor do regulamento da FIFA e da legislação nacional sobre o tema (se houver). Ainda, deverão submeter o texto final à FIFA para revisão.

Para a obtenção da licença de Agente (a partir da aprovação e da vigência o termo “Agente” volta a ser empregado na atividade, deixando para trás o termo “Intermediário” utilizado a partir de 2015) a norma prevê uma série de pré-requisitos tais como:

  • Inscrição online na plataforma que será criada pela FIFA;
  • Preenchimento dos requisitos formais como a apresentação de certidões negativas; não ter suspensões; não ter relação com clubes, ligas ou quaisquer entidades desportivas;
  • Aprovação no exame de múltipla escolha que será elaborado pela FIFA e executado pela entidade nacional;
  • Pagamento da taxa anual à FIFA.

Ressalte-se que a licença voltará a ser mundial, podendo o Agente devidamente aprovado exercer a atividade em qualquer país, e não apenas em seu local de inscrição como é feito atualmente.

Sobre a prova de múltipla escolha, as questões serão todas preparadas pela equipe da FIFA e a prova será executada, de forma presencial, pela entidade nacional. A princípio serão 20 questões, podendo o candidato escolher realizar a prova em inglês, espanhol ou francês.

No início a previsão é que sejam realizadas duas provas por ano, mas, com o passar do tempo, a periodicidade passará a ser anual. Para a realização da prova a entidade nacional poderá cobrar uma taxa para cobrir as despesas de organização, taxa essa que é independente da taxa anual que será cobrada pela FIFA para a obtenção da licença e o exercício da atividade.

Vale ressaltar que a licença será concedida exclusivamente à pessoa física aprovada no exame, não subsistindo mais o que hoje temos em vigor das empresas serem as “agenciadoras” ou as “credenciadas” como intermediárias.

De toda forma o novo sistema permitirá que o Agente licenciado conduza sua atividade através de uma empresa (ou de uma Agência como se convém chamar), porém, seus sócios, empregadores, colaboradores não poderão exercer as atividades exclusivas dos Agentes, sob pena inclusive de punição do licenciado.

A licença terá a validade de 1 (um) ano, não sendo necessária a realização de exames anuais. A FIFA exigirá para a renovação da licença, além do pagamento da taxa e do preenchimento dos requisitos formais, que o Agente curse e conclua uma série de créditos-aula na plataforma de educação continuada que será desenvolvida.

Ainda sobre a licença, a normativa prevê a possibilidade dos antigos Agentes, aqueles que no passado (antes de 2015) fizeram o exame da FIFA e obtiveram a aprovação, revalidarem suas licenças sem a necessidade da realização de novo exame.

Além disso há a possibilidade, mediante um procedimento próprio, da FIFA reconhecer as licenças obtidas mediante pré-requisitos estabelecidos em leis nacionais.

Sobre os contratos firmados com atletas, a FIFA limitará o prazo a 2 (dois) anos (atualmente o regulamento de intermediários da CBF autoriza até 3 anos), sendo vedada a renovação automática. Já os contratos celebrados com clubes não terão limite de prazo.

Incorporando também alguns entendimentos jurisprudenciais, a FIFA considerará nulas as cláusulas contratuais que proíbam ou multem os atletas que, mesmo sob contrato de agenciamento exclusivo, negociem por sua própria conta sem a presença de seu Agente.

Sobre a representação de atletas menores de 18 anos também há algumas propostas positivas.

A primeira delas é a permissão para o contato e a celebração de contrato de representação seis meses antes do Atleta poder assinar seu primeiro contrato profissional, de acordo com a legislação local. Ou seja, no Brasil, o contato e a prospecção de atleta menor passará a ser permitida pela FIFA, em tese, quando o atleta completar 15 anos e 6 meses de idade.

Ainda, para poder representar esse menor ou um clube na transação envolvendo um atleta menor, o Agente deverá primeiro concluir um curso online específico sobre menores que será desenvolvido e ofertado pela plataforma da FIFA, além de cumprir com os requisitos da legislação local sobre o tema (caso ela exista).

Com relação ao pagamento pela representação de menores, a proposta prevê que o Agente apenas poderá receber qualquer quantia pelos serviços prestados quando o atleta firmar um contrato profissional. Ou seja, antes do atleta ser profissionalizado o Agente poderá firmar com ele um contrato de representação, porém, só poderá receber qualquer quantia quando e se esse atleta firmar um contrato profissional.

Com relação a essa proposta normativa para menores, encontraremos algum conflito no Brasil com o inciso VI do artigo 27-C da Lei Pelé (9.615/98 com suas alterações), na medida em que a norma federal prevê a nulidade de qualquer contrato de representação firmado com atletas em formação menores de 18 anos:

Art. 27-C.  São nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que:

VI – versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos.

Assim, no Brasil, enquanto o inciso VI estiver em vigor, apenas poderá ser firmado contrato de representação com atletas menores quando esses já tiverem firmado contrato especial de trabalho desportivo, ou seja, quando já forem profissionais. Por essa razão que mais acima dissemos que apenas “em tese” os atletas brasileiros com 15 anos e 6 meses de idade poderão firmar contrato de representação, uma vez que mesmo aprovado pela FIFA, a legislação nacional ainda proibirá tal prática.

Uma das novidades que causará um grande impacto nas relações é a regulamentação sobre as múltiplas representações, ou seja, quando um mesmo Agente representa mais de uma parte numa mesma negociação.

A nova regra estabelecerá que apenas com o consentimento escrito de ambos os clientes o Agente poderá atuar numa mesma negociação representando o Atleta e o novo clube/clube contratante (Engaging Entity). Essa é a única exceção na regra de múltipla representação.

De forma alguma o Agente poderá atuar pelas três partes envolvidas numa negociação, quais sejam, Atleta, clube contratante (Engaging Entity) e clube antigo (Releasing Entity).

O Agente também não poderá atuar simultaneamente representando o Atleta e o clube antigo (Releasing Entity), nem representando o clube contratante (Engaging Entity) e o clube antigo (Releasing Entity).

Já a principal polêmica, e que certamente foi a que levou a FIFA a atrasar a aprovação do novo regulamento, é a que estabelece um teto (“cap”), um valor máximo, para a remuneração do Agente.

A imposição de um teto para a remuneração dos Agentes certamente levará a FIFA a lidar com alguns questionamentos judiciais sobre a regra, basicamente sob o argumento de suposta ofensa aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência no mercado.

Acompanharemos com total atenção as iniciativas judiciais que foram prometidas, uma vez que o estabelecimento de um teto já foi objeto de outros regulamentos esportivos, com absoluto sucesso, como são os casos das ligas americanas de basquete e de futebol americano (regulamentos de agentes da NBA e da NFL).

A sugestão da FIFA prevê que a remuneração do Agente, quando representar o Atleta e/ou o clube contratante (Engaging Entity), deverá ser sempre um percentual sobre o salário desse Atleta, não incluindo na base de cálculo qualquer quantia variável (premiação, bônus, bicho, etc.).

Quando o Agente representar o antigo clube (Releasing Entity) o valor devido será sempre um percentual sobre o valor da transação, não podendo ser incluído na base de cálculo qualquer valor referente às futuras transações (cláusula sell-on fee).

Partindo dessas duas premissas principais, a FIFA estabeleceu também percentuais máximos de acordo com o salário anual do atleta. Assim, quando o salário anual for inferior a US$ 200.000,00 (duzentos mil dólares americanos), o percentual será um, quando ultrapassar essa quantia, o percentual sobre a diferença será outro.

Quando o cliente do Agente for o Atleta ou o clube contratante (Engaging Entity), o percentual máximo que poderá ser cobrado será de 5% (cinco por cento) sobre o salário anual desse atleta de até US$ 200.000,00; e 3% (três por cento) sobre o salário que ultrapassar esse valor anual. Como é possível a dupla representação nessa hipótese (Agente do Atleta e do novo clube contratante), os percentuais poderão ser somados ficando 10% (dez por cento) até o salário anual de US$ 200.000,00 e 6% (seis por cento) sobre a quantia que ultrapassar esse valor anual.

Já o teto da remuneração para o Agente que representar o antigo clube (Releasing Entity) será sempre de 10% (dez por cento) sobre o valor da transação, independentemente do valor envolvido.

A tabela abaixo ajuda a visualizar a proposta:

Obviamente que essas são apenas algumas das principais propostas de mudança que deverão ser votadas, depois de alguns adiamentos, na próxima Assembleia Geral da FIFA. Caso sejam realmente aprovadas, o texto final deverá ser amplamente divulgado, entrando em vigor apenas no segundo semestre de 2023. Até lá, além de muita atenção nas disputas judiciais e nas fórmulas de transição, muitas mudanças e adaptações por parte da CBF, Federações, Clubes, Agentes e Atletas serão necessárias para o fiel cumprimento da norma.

 

* Importante destacar que o conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor desse texto.


[1] Advogado, Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo, cursando a segunda edição do FIFA Diploma in Football Law, Sócio fundador e Conselheiro do IBDD.

 

Acompanhe o podcast em: https://open.spotify.com/episode/7HaT9I0KXHfEnr4WvgGcX7?si=h5HbAwv9QTWTDsBe43XmQA