João Marcos Guimarães Siqueira[1],
- INTRODUÇÃO
Após longos debates no cenário internacional, o novo Regulamento de Agentes, aprovado pelo Conselho da Fifa no último dia 16 de dezembro de 2022, já é uma realidade que vem sendo absorvido pelo mercado e debatido nos diferentes segmentos do Direito Desportivo.
Em vigor desde o dia 9 de janeiro de 2023, o novo regramento traz em sua essência algumas premissas básicas e bem definidas, como reforçar a estabilidade contratual entre jogadores e clubes, fomentar a formação de novos atletas, manter o equilíbrio das competições, além de proteger a integridade do sistema de transferências, a ponto de conferir a esse mesmo sistema uma maior transparência.
A despeito da vigência desde o mês de janeiro de 2023, haverá um período de transição que se estenderá até o final do mês de setembro do mesmo ano, de modo que até lá as novas disposições deixam de ter um caráter compulsório. Portanto, a janela de transferência do verão europeu de 2023, será a última em que o atual modelo regulatório será aplicado, sendo que até lá tanto o teto de comissões, como a própria vedação à múltipla representação por parte de agentes, deixam, momentaneamente, de possuir caráter imperativo.
Diversas foram as razões que levaram a interferência direta da FIFA na edição do Regulamento, mas a principal delas parece ter sido a busca pelo equilíbrio financeiro. Notem que no ano de 2018, o próprio Diretor Jurídico e de Conformidade da Fifa, dr. Emílio Garcia[2], já reiterava a necessidade de conciliar na norma que estaria por vir com os interesses de clubes e agentes, a ponto de equalizá-los, conforme se extrai da seguinte passagem:
“Precisamos encontrar um equilíbrio, onde os agentes sejam regulados.
“Existe um equilíbrio entre interesses e ética e muitas vezes um agente representa um clube e um jogador. Não podemos ter uma situação em que US$ 400 milhões vão para os agentes e apenas US$ 60 milhões vão para os clubes que treinaram esses jogadores.
“Precisamos encontrar um equilíbrio onde os agentes são necessários, mas devemos proteger os clubes. Encontraremos um sistema melhor do que aquele antes de termos intermediários.”
O movimento da Fifa demonstra, em boa medida, que a própria desregulamentação dos agentes no ano de 2015, dando às associações nacionais uma maior autonomia em relação à fiscalização e controle da atividade de intermediários, foi um passo malsucedido, o que obrigou a entidade a editar novas diretrizes, trazendo os agentes para o seu guarda-chuva.
A rigor, as mudanças trazidas pela FIFA passam pela instituição da própria Clearing House (Câmara de Compensação), cujo propósito é centralizar, processar e automatizar pagamentos entre clubes, inicialmente relativos a prêmios de formação (compensação de formação e mecanismo de solidariedade), promover a transparência e integridade financeira e evitar condutas fraudulentas no sistema de transferências..
No entanto, nem tudo é um mar de rosas, considerando que desde o anúncio oficial pela instituição acerca da nova regulação, houve reações contrárias ao novo modelo, de acordo com as seguintes declarações trazidas à colação[3]:
“Roberto Branco Martins, conselheiro geral da Associação Europeia de Agentes de Futebol (EFAA): “Os membros podem acolher “80%” das mudanças no RWWI – mas apenas se estiverem envolvidos no que ele descreve como “um processo de consulta oficial e formal. ”
Associação de Agentes de Futebol: “Não podemos aceitar nenhum regulamento que estabeleça um limite para nossas taxas ou restrinja nossa liberdade de agir em nome de qualquer parte em uma transação”.
Jonathan Barnett, que representa Gareth Bale: “A Fifa diz muitas coisas e, na maioria das vezes, não está correta”.
O próprio intermediário de grande relevância no mercado internacional, Mino Raiola, mesmo antes do seu falecimento ocorrido em abril de 2022, já anunciava um cenário bélico pela frente, especialmente envolvendo a questão relativa ao teto de comissões, trazida no novo regramento[4]:
“É uma piada absoluta, para ser honesto com você. Muitos de nós trabalhando neste nível não estão ganhando muito dinheiro, mas no final do dia, é toda a nossa indústria que está recebendo uma grande sacudida. O dinheiro que recebemos das comissões é nosso sustento, a maioria de nós basicamente ganha nossa renda anual em três ou quatro meses do ano. Não sei o que eles acham que vai acontecer, mas não vai acabar bem para a Fifa. definitivamente será levado ao tribunal, 100 por cento, então acho que os clubes não sentirão os benefícios por muito tempo”.
Não se pode negar, contudo, avanços por meio do sistema atualmente instituído pela FIFA. Referidos avanços, inevitavelmente, trarão uma maior segurança financeira ao mercado, sobretudo no combate à lavagem de dinheiro e demais operações financeiras ilegais, mas não se nega a necessidade de debate sobre as mudanças levadas a efeito pela entidade, como forma de se buscar, permanentemente, um modelo que atenda aos desejos e anseios da comunidade esportiva internacional.
- AS MUDANÇAS NO PLANO PRÁTICO
Toda e qualquer mudança, independentemente do segmento, produz impactos na sociedade. No cenário desportivo não é diferente, pois o pacote de alterações engloba novas diretrizes, como o estabelecimento de um teto para as comissões; restrição de representações múltiplas, com o escopo de evitar conflitos de interesse; reintrodução de um sistema de licenciamento obrigatório para agentes; criação de uma Câmara de Compensação da FIFA para garantir maior transparência financeira às transferências internacionais; criação de um sistema eficaz de resolução de disputas da FIFA para lidar com litígios entre agentes, jogadores e clubes e; maior publicidade financeira das transferências.
O FFAR (Fifa Football Agent Regulation) será aplicável aos Contratos de Representação e Transferências contendo “dimensão internacional”, conforme prevê o artigo 2º do Regulamento. Apenas uma pessoa física pode se tornar gente de futebol licenciado pela FIFA, não uma empresa. As transferências nacionais estarão, de outro lado, sujeitas aos regulamentos das respectivas associações locais, não se vinculando às diretrizes do FFAR.
Os contratos de agenciamento em vigor permanecerão válidos até as suas respectivas caducidades, contudo, todo e qualquer novo contrato, ou mesmo renovações que venham ser firmadas pelas partes deverão observar as novas dispoições da Fifa.
A norma, em relação ao teto de comissões objeto da nova regulação, trouxe novas diretrizes quanto aos percentuais de comissionamento, a saber: (i) agente atuando para clube vendedor – 10% da taxa de transferência; (ii) mandatário do clube comprador – 3%/5% da remuneração anual do atleta; e (iii) mandatário do jogador – 3%/5% da remuneração anual do atleta envolvido na negociação. No cenário único admissível de representação dupla (ou seja, agente atuando tanto para o jogador quanto para o clube comprador), o limite máximo de comissões será definido em 6% da remuneração do jogador, sendo o percentual de 3% devido por cada uma das partes (clube e atleta).
Os percentuais de 3% e 5% serão aplicados de acordo com a remuneração anual do atleta, seja ela igual superior a US$ 200.000,00, seja ela inferior ao montante anteriormente informado. É preciso ser dito, no entanto, que para efeito de cálculo da comissão devida ao agente, não se incluem na base remuneratória de US$ 200.000,00 eventuais “pagamentos condicionais”, a teor do artigo 15 no novo regramento.
A aprovação em exame passa a ser obrigatória para fins de obtenção da licença profissional, devendo o candidato ser aprovado na prova que conterá 20 questões de múltipla escolha. Para efeito de aprovação, o candidato deverá obter, minimamente, 75% de acertos na prova a ser aplicada.
Portanto, para atuar como agente de futebol é preciso que sejam preechidos os seguintes requisitos, todos eles de forma cumulativa: (a) encaminhar pedido de licença através da Plaforma; (b) cumprir os requisitos de elegibilidade discriminados no arrtigo 5º do FFAR; (c) ter sido aprovado no exame realizado pela FIFA e; (d) efetuar o pagamento da taxa anual prevista no artigo 7º do mesmo FFAR.
Outra novidade instituída é justamente a possibilidade de representação de menores. Há uma nítida preocupação da Fifa com os menores, estando os agentes proibidos de abordar um menor e/ou seus representantes legais, nos seis meses anteriores à obtenção da idade mínima necessária para assinatura do primeiro contrato profissional.
A divulgação das informações relativas aos contratos de representação serão publicadas pela FIFA na forma do artigo 19 do FFAR. Os comissionamentos serão pagos em prestações trimestrais, via Clearing House, fato esse que permitirá à FIFA supervisionar e ter um maior controle e segurança no procedimento de transferências como um todo.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
O novo FFAR trouxe mudanças relevantes na normatização do trabalho envolvendo os agentes de futebol, como por exemplo o novo regime de licenciamento, restrições de representação múltipla, dentre outras. Embora o mercado tenha reagido negativamente em alguns pontos, há inegáveis avanços, como, por exemplo, a criação da nova Câmara de Agentes, que, inevitavelmente, trará aos profissionais uma maior facilide nos pleitos de cobranças internacionais por comissões inadimplidas. Não se nega, ainda, sensível avanço no novo regramento no tocante à agentes e atletas menores de idade.
Será preciso aguardar, com alguma ansiedade, os futuros desdobramentos jurídicos em relação a uma possível resistência da comunidade desportiva às novas disposições. Independentemente do cenário futuro, os agentes que exerçam atividade de agenciamento com dimensão internacional devem, desde já, tomar as medidas necessárias à observância das novas diretrizes internacionais divulgadas pela Fifa.
[1]João Marcos Guimarães Siqueira – Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, Subprocurador Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Basquete; Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Vôlei; membro da International Sports Lawyers Association e Especialista em Direito Desportivo e do Trabalho, Sócio do Escritório Bosisio Advogados. E-mail: [email protected].
[2] Disponível em: https://www.playthegame.org/news/fifa-looks-to-change-players-agents-regulations/.
No original: “We need to find a balance, where the agents are regulated.
“There is a balance between interests and ethics and quite often an agent represents a club and a player. We can’t have a situation where $400 million is going to the agents and only $60 million is going to the clubs who have trained these players.”
“We need to find a balance where agents are necessary but we must protect the clubs. We will find a better system than the one before we had intermediaries.”
[3] Disponível em https://www.richardweechambers.com/reform-on-regulations-on-working-with-intermediaries-a-yay-or-a-nay/
No original: Roberto Branco Martins, general counsel, European Football Agents Association (EFAA): “The members might welcome “80 per cent” of the changes to RWWI – but only if they are involved in what he describes as “an official, formal consultation process.”
Association of Football Agents: “We cannot accept any regulations that provide for capping of our fees or restrict our freedom to act for any party in a transaction.”
Jonathan Barnett, who represents Gareth Bale: “FIFA says a lot of things and mostly they are not correct.”
[4] Disponível em https://www.leicestermercury.co.uk/sport/football/transfer-news/leicester-city-transfers-agents-fifa-7940743