Guilherme Tavares Martorelli[1]
[1] Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela PUC-SP;
Mestre e Doutorando em International Sports Law – INEFC-Lleida-Cataluña;
Auditor Pleno do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Futebol;
Coordenador do Depto. Jurídico do Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo
Membro filiado ao IBDD
O futebol profissional é, hoje em dia, uma indústria global multimilionária, onde jogadores são frequentemente vistos como meros ativos comerciais. Por mais que a grande maioria dos atletas profissionais estejam completamente fora dessa realidade, é o que se mais se propaga pela mídia, ainda assim, por trás das câmeras brilhantes e dos estádios lotados, há uma realidade complexa enfrentada pelos atletas, que muitas vezes lutam contra condições de trabalho precárias, salários não pagos e falta de proteção adequada. Neste contexto, os sindicatos de atletas desempenham um papel crucial na defesa dos direitos e no bem-estar dos jogadores. Este artigo explora o papel desses sindicatos no futebol profissional.
Os sindicatos lutam pelos direitos dos trabalhadores, representando um mecanismo fundamental para garantir condições laborais justas e uma voz coletiva para os empregados, que como na grande maioria não tem acesso a grandes salários e a mídia, precisam se socorrer deste auxílio para poder ter uma continuidade descente em suas carreiras. No entanto, o que é exatamente um sindicato e qual seu papel no futebol profissional?
Este artigo explora o conceito de sindicato, sua função e importância na no futebol profissional.
- O que é um sindicato?
Por mais que esse questionamento pareça por muitos desnecessário, por vezes encontramos na sociedade várias pessoas que não sabem exatamente qual a função de um sindicato de categorias. E em nossa seara desportiva não é diferente, muitas pessoas da imprensa assim como torcedores acabam por confundir os papéis e funções desta entidade de categoria.
A definição de um sindicato é uma organização formada por trabalhadores de uma categoria que se unem para promover e proteger seus interesses comuns relacionados ao emprego. Essa união permite que os trabalhadores tenham uma voz coletiva mais forte em questões como salários, benefícios, condições de trabalho e direitos trabalhistas em geral.
Entre as principais funções de um sindicato estão as negociações coletivas com os empregadores e Sindicatos Patronais, e isso costuma envolver Convenções Coletivas de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho, mas também podendo ser formalizados me outros documentos, como no futebol até mesmo dentro de Regulamento de Competições, como no caso da imposição da possibilidade de perda de pontos em caso de atraso salarial em competição.
Outra função importante é a representação dos interesses da categoria dos trabalhadores representando os interesses dos trabalhadores em uma variedade de questões, tanto dentro quanto fora do local de trabalho. Isso pode incluir a defesa de melhores salários e condições de trabalho, o combate à discriminação e assédio no local de trabalho, e o apoio aos trabalhadores em questões legais e de saúde e segurança ocupacional. Essa representação no futebol profissional inclui a briga na garantia dos direitos e novos direitos nas legislações vigentes e na discussão de novas legislações, como à título de exemplo as mudanças realizadas na Lei Geral do Esporte antes de sua final aprovação pelo Congresso Federal, os vetos presidências e as até mesma a possibilidade de derrubada destes vetos.
- Definição de atleta profissional.
Um atleta profissional é uma pessoa que recebe remuneração financeira em troca da prática de uma atividade esportiva em nível competitivo.
Essa remuneração pode vir de salários, prêmios em competições, contratos de patrocínio, publicidade ou outras fontes relacionadas à sua participação no esporte. Os atletas profissionais dedicam uma quantidade significativa de tempo e esforço ao treinamento e ao aprimoramento de suas habilidades esportivas, muitas vezes competindo em eventos regionais, nacionais ou internacionais representando equipes, clubes ou até mesmo seus países. A transição de um status amador para profissional muitas vezes implica em uma mudança na dedicação exclusiva ao esporte, bem como na expectativa de desempenho e resultados competitivos.
A interpretação jurídica do termo “atleta profissional” geralmente se baseia no contexto legal em que é aplicado. Em muitos sistemas jurídicos, a definição de um atleta profissional é determinada por leis, regulamentos ou contratos específicos relacionados ao esporte. Algumas considerações comuns na interpretação jurídica do termo é a Remuneração (um atleta profissional é geralmente definido como alguém que recebe remuneração financeira por sua participação em atividades esportivas). Essa remuneração pode ser proveniente de salários, prêmios em competições, contratos de patrocínio, publicidade ou outras fontes relacionadas à sua participação no esporte.
Referente ao Compromisso e Dedicação, pode-se definir o atleta profissional como quem se dedica exclusivamente à sua carreira esportiva, investindo tempo e esforço significativos em treinamento, competições e desenvolvimento de habilidades. Essa dedicação muitas vezes é refletida em contratos que estabelecem obrigações específicas entre o atleta e seu empregador ou equipe.
Em alguns casos, o status de “atleta profissional” pode ser formalmente reconhecido por órgãos reguladores esportivos ou entidades governamentais, que estabelecem critérios específicos para determinar quem se qualifica como profissional. Isso pode incluir requisitos de registro, licenciamento ou certificação, porém isso não restringe o profissionalismo aos que mesmo sem esse registro consigam se manter do esporte competitivo.
Em resumo, a interpretação jurídica de um atleta profissional envolve considerar não apenas o aspecto financeiro da atividade esportiva, mas também o compromisso, dedicação e regulamentação específica que define esse status em um contexto legal.
- Início do Sindicalismo no Futebol Profissional Mundial e no Brasil
No mundo o primeiro sindicato de atletas surge na Inglaterra, berço do futebol moderno, entre os anos de 1898 e 1901 chamada à época de “Association Footballers Union” – AFU, e foi formado pelos atletas de futebol que neste momento eram trabalhadores de fábricas inglesas que atuavam pelos times de futebol destas fábricas, e quando do início das competições de futebol estes eram proibidos de receberem salário para jogar futebol, mas neste momento já enfrentavam uma regra em que havia sido estabelecido um teto salarial de 4 libras por semana, e uma restrição de circulação de atletas para a troca de clubes, em que somente podiam trocar com a autorização dos clubes em que estavam vinculados, aqui começando o que chamamos até os dias de hoje de passe do atleta. Na prática eles somente poderiam mudar de clube no caso de autorização do clube, independentemente de terem uma possibilidade melhor de emprego e salário.
Essa luta segue por alguns anos, inclusive tendo a adesão dos treinadores ao Sindicato, transformando a entidade em “Association Football Players’ and Trainers’ Union” – AFPTU em 1907, e por se oporem as regras estabelecidas pela Federação Inglesa acaba sendo retirado seu conhecimento como representante dos atletas e treinadores e banimento dos participantes do sindicato em suas competições.
Em 1909 os atletas ameaçam a primeira greve em caso de não alteração das regras sobre teto salarial e liberdade de mudança de clubes, o que faz com que os clubes recorram a jogadores “amadores”, porém os atletas que eram vinculados ao Manchester United não aceitaram saírem do clube e com isso o clube não conseguiu vincular novos atletas, e chegam a uma ameaça de cancelamento da abertura da temporada 1909/1910.
Diante deste impasse “AFPTU” e Federação Inglesa chegam em um acordo no qual fica autorizado o pagamento de bônus aos atletas, porém ainda se mantêm o teto salarial.
O teto salarial só acaba por ser alterado realmente em 1961, quando o atleta Johnny Haynes, através de uma decisão judicial é autorizado a receber um salário de 100 libras por semana.
No Brasil, o primeiro Sindicato a ser formado é o do Estado de São Paulo, em 1947, e somente em 1973 acaba por ser formalizado outro Sindicato do Rio Grande do Sul, seguidos por Rio de Janeiro em 1979, Pernambuco em 1986 e Minas Gerais em 1996.
O Sindicato de Atletas de São Paulo, muito precursor no Brasil, foi fundado por poucos jogadores que já naquele momento entenderam pela necessidade de uma união para que pudessem galgar melhores condições profissionais e laborais.
Desde sua criação, a entidade foi denominada, na época, como partido revolucionário por lutar pelos direitos de uma classe. As muitas dificuldades para manter a entidade jamais foram motivos para que o ideal fosse abandonado, certos de que seriam vitoriosos não foram poucas as vezes que Caxambu e José Procópio colocaram dinheiro do próprio bolso para pagar os aluguéis da sede.
Para poder receber as mensalidades dos filiados nomeou-se um representante em cada Clube, ainda assim continuava difícil o recebimento das contribuições. Cansados de cobrar e não receber, Caxambu conseguiu que os clubes descontassem tal contribuição em carteira. O Palmeiras foi o primeiro clube a aceitar e apoiar o acordo e foi dele também que o Sindicato recebeu sua primeira homenagem. No dia da entrega da carta sindical, o Palmeiras ofertou uma flâmula como sinal de apreço ao Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo, que então surgia no auditório da rádio Panamericana, na Rua São Bento, na capital paulista.
Uma das principais motivações daqueles que lutavam pela sobrevivência do sindicato era a constatação de que com o surgimento do Sindicato de Atletas de São Paulo os jogadores passaram a se respeitar mutuamente, em virtude da oportunidade de se aproximarem, longe das duras disputas no campo de jogo, e se conhecerem melhor nas reuniões que aconteciam em todas segundas-feiras. Naqueles tempos, os jogadores de times adversários eram proibidos de baterem papo, porque os torcedores poderiam pensar que estavam combinando jogos.
Os problemas para manter o Sindicato de Atletas atuante sempre foram solucionados com determinação e criatividade, prova disto foi acordo inédito e avançado para a época, firmado em dezembro de 1949, com a empresa Balas Futebol, presidida por Jordão Bruno Sacomani, que mais tarde viria a ser presidente do Palmeiras, que pretendia promover seus confeitos associando-os a uma coleção de figurinhas de jogadores de futebol a serem expostos em álbum próprio. Com a negociação a empresa passou a conceder aos jogadores uma certa quantia por ano, pela utilização do uso de suas imagens.
Em outras diversas batalhas o Sindicato de São Paulo brigou para proteger e resguardar os direitos de sua categoria, como em março de 1955, o presidente José Carlos Bauer, apoiando os atletas desempregados, através de uma assistência econômica aos jogadores sem contrato e criando uma seleção formada por esses atletas, a fim de que eles permaneçam em atividade até encontrarem um novo clube.
Em janeiro de 1956 o Sindicato de São Paulo é uma das entidades envolvidas na criação do Departamento Nacional de Esportes, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, a fim de estabelecer as bases da organização do esporte no País.
Na gestão feita por Gersio Passadore a partir de 1962 o principal objetivo da gestão era a Luta pelo décimo terceiro salário para os atletas. No ano de 1965 o Conselho Nacional de Desportos estipula regras para a regulamentação da Lei do Passe, com a participação dos representantes da entidade sindical. E em 25 de novembro de 1967, foi aprovada a nova regulamentação da Lei do Passe, que vinha tramitando há alguns anos. O SAPESP teve participação direta nos trabalhos que ditaram novas normas na relação entre clubes e jogadores.
Ainda, a entidade esteve na luta para a liberação dos atletas Djalma Dias e Aldo Malagoli em 1967, respectivamente de Palmeiras e Bragantino assim como do atleta Zé Maria e sua saída da Portuguesa em 1970 para que pudesse atuar junto ao Corinthians em continuidade a sua carreira.
Entre outras campanhas como a luta contra em doping em 1965, a regulamentação da profissão em 1976.
Ainda, em uma grande mudança no futebol brasileiro, na atuação direta do primeiro projeto de lei que acaba sendo absorvido por outras propostas que acaba na promulgação da Lei 9.615/1998, denominada como Lei Pelé, que acaba com o Passe para o atleta profissional de futebol, o que vem ser a carta de alforria do atleta, que libera o atleta de seu vinculo desportivo junto ao clube conjuntamente com o contrato de trabalho, deixando o atleta livre para trabalhar por um novo clube ao final do seu contrato, o que até então não era permitido pelo passe ficar vinculado ao clube independentemente de contrato de trabalho, que fez com que muitos atletas perdessem muito tempo de suas carreiras “preso” aos clubes que sequer eram obrigados a ofertar um contrato de trabalho e consequentemente pagar salário a esses atletas no período em que estavam sem contrato.
E a luta continua, nas mais diversas tentativas de mudança legislativa, nas interpretações equivocadas tomadas pelo judiciário e até mesmo pelo executivo em tentativas de proibir que ex-atletas profissionais de futebol possam atuar como monitores esportivos em escolinhas de futebol.
Em resumo, os sindicatos desempenham um papel vital na proteção dos direitos dos trabalhadores e na promoção de condições de trabalho justas e seguras. Ao representar os interesses dos trabalhadores, negociar contratos coletivos e promover a solidariedade e conscientização, os sindicatos contribuem para uma sociedade mais equitativa e democrática.
- Dias atuais
Nos dias atuais, por mais que algumas lutas se mantenham como a de quando se iniciaram as primeiras reivindicações em 1898, os Sindicatos seguem nas lutas por mais respeito a estes profissionais, que como dito, na sua esmagadora maioria seguem sem receber salários em dia, sem respaldo quando de uma lesão (acidente de trabalho), sem uma estrutura e condições mínima de trabalho e de alimentação.
Somente para se levantar o debate, quando em 2023 a tivemos 732 clubes jogando competições profissionais de futebol, e que podemos, em alargada síntese, determinar que minimamente os clubes que jogam pelo menos as competições das Séries A, B e C do campeonato brasileiro fornecem condições profissionais de trabalho, sem entra no mérito de valores e tamanhos, estamos falando em uma realidade de 60 clubes, ou seja, menos de 9% dos clubes tem a capacidade de fornecer condições realmente profissionais de trabalho.
Ou ainda se formos considerar que cada clube tenha, minimamente, 30 atletas, falamos de 21.960 atletas profissionais, sendo que 1.976 tem regulares condições de trabalho, ainda seguem 19.984 atletas profissionais que não encontram respaldo profissional dentro do clube, e quase sempre precisam ser resguardados pelos Sindicatos.
Diante disso, ainda, os sindicatos fornecem assistência legal aos jogadores em casos de litígio com clubes, garantindo que seus direitos sejam protegidos de acordo com a legislação trabalhista e desportiva aplicável. Isso pode incluir disputas sobre salários não pagos, rescisões contratuais e questões de transferência.
Além de representar os interesses imediatos dos jogadores, os sindicatos também advogam por reformas mais amplas no sistema do futebol profissional. Isso inclui temas como fair play financeiro, questões como a regulamentação de agentes de jogadores, o combate ao assédio sexual e discriminação nos vestiários, e a melhoria das condições de trabalho em competições e clubes menos desenvolvidos.
*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do(a) Autor(a) deste texto.