O Princípio da Autonomia Constitucional Desportiva

Leonardo Andreotti

A elevação do desporto ao patamar constitucional foi um acontecimento extremamente importante e não menos esperado por todos aqueles que o amam e o praticam, bem como pelas Leis Ordinárias esportivas que sem uma base e um alicerce, muitas vezes restavam isoladas e desprovidas de força para que fossem eficazmente respeitadas.

A proteção e a garantia constitucional ao desporto, inseridas no artigo 217 da Constituição Federal de 1988, fazem parte de um marco histórico muito importante, uma vez que direta ou indiretamente traduzem o respeito e a atuação benéfica do Estado nesta atividade, devendo o mesmo fomentar as práticas formais e não formais do desporto, isto é, desde o desporto educacional até o desporto de rendimento e competitivo, o garantindo a todos os indivíduos da nação.

Além da atuação benéfica do Estado, através do dever de fomento das práticas desportivas, cumpre esclarecer que o alcance desse dispositivo constitucional é ainda muito maior, na medida em que restringe a atuação do próprio Estado, de maneira que não lhe permite a prática de ingerências despropositadas e interferências descabidas na atuação das entidades de administração do desporto e das entidades de prática desportiva, entendidas respectivamente como Confederações e Federações regionais e associações desportivas, ou seja, clubes de futebol.

São várias as razões para que o poder público tenha o grande interesse de ingerência no desporto, uma vez que no futebol, por exemplo, as receitas são extremamente altas, muitas vezes mais altas que o produto interno bruto de um país. Assim, não é difícil imaginarmos o motivo do grande interesse estatal no desporto, uma vez que este esporte pode ser um interessante alvo de uma possível tributação exacerbada e descabida.

Ademais, o interesse estatal no desporto também está ligado à grande capacidade de identificação pessoal do brasileiro e da própria nação frente a outros estados nacionais, de modo que se torna muito mais fácil governar fazendo uso do esporte. Um grande exemplo deste interesse foi o uso indiscriminado e muito eficaz da seleção brasileira de futebol e da conquista do título mundial, para que se desviasse a atenção da população brasileira diante das atrocidades cometidas pelos militares no poder.

Além disso, o Futebol é popularmente chamado de paixão nacional, o que exprime e demonstra o quão popular é este esporte em nosso país que, a despeito de objetivos diversos, pode ser muito bem usado para a aproximação da população a um determinado governante, que se aproveitando de um momento, vincula, com inteligência, sua imagem ao esporte nacional.

Diante desses argumentos é que se consegue extrair a importância da proteção e garantia constitucional ao desporto, onde se assegura a importante Autonomia Desportiva aos entes de administração e prática do esporte, justamente para preservá-lo de paixões maléficas e de influências políticas.

Como já visto, a autonomia desportiva surgiu, na Constituição Federal de 1988, com o propósito de restringir a atuação estatal, através de sua descabida ingerência e proteger o desporto e sua atividade das paixões exacerbadas e influências políticas, o que poria em risco a imagem e os objetivos do esporte.

Com efeito, no texto do artigo 217 da Constituição Federal, está explícito o dever do Estado em observar, dentre outras coisas, a autonomia das entidades de administração do desporto e das associações de prática esportiva quanto a sua organização e funcionamento, os preservando de qualquer interferência estatal.

O alcance dos termos “Organização” e “funcionamento” está relacionado respectivamente, com a autorização aos entes desportivos em se organizarem juridicamente da maneira que mais lhes convier e na busca por resultados positivos e formas criativas de resolução dos inúmeros problemas existentes, ou seja, na atuação dessas entidades desportivas frente aos problemas e frequentes dilemas.

Entretanto, cumpre salientar que esta autonomia não é absoluta, de modo que devam ser respeitados alguns limites impostos pela legislação ordinária, seja ela esportiva ou não, sem prejuízo das imposições provenientes de entidades desportivas internacionais, mormente as de comando do futebol mundial.

Desta forma, a relatividade quanto à autonomia desportiva existe justamente para que não haja uma liberdade prejudicial aos entes desportivos, uma vez que essa autonomia não deve se confrontar com outras normas de ordem pública, devendo se buscar uma possível harmonia entre elas.

Assim, não obstante a autonomia constitucional aos entes de administração e prática do desporto, que lhes garante uma parcela de liberdade em sua organização e funcionamento, os mesmos devem respeitar os limites impostos pela legislação ordinária, ou seja, ainda que possam decidir sobre sua conformação jurídica na forma de associação civil ou mesmo, sociedade empresária, estão vinculados a um dos tipos arrolados no Código Civil, não podendo dele se esquivar e muito menos procederem às alterações de dispositivos que não lhe são interessantes, em uma nítida atividade legiferante.

Por fim, cumpre ressaltar a grande importância da Autonomia, como meio de proteção e garantia da atividade esportiva, salientando que não se trata de uma lei, mas sim de princípio, com grande superioridade e eficácia em relação à legislação ordinária, devendo o mesmo ser respeitado e aplicado sempre em favor das entidades desportivas que, em nosso país, assumem uma característica tipicamente jus privatista, afastando-se assim o predadorismo do Estado.

Leonardo Andreotti
Leonardo Andreotti. Advogado, sócio da ANDREOTTI – Advocacia Desportiva, Mestre e Doutorando em Direito Desportivo pela Universitat de Lleida/España. Especialista em Direito Contratual – Escola Paulista de Direito-(EPD), Diretor Tesoureiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) – 2013 – 2015, membro da Asociación Española de Derecho Deportivo (AEDD) e do Instituto Ibero-Americano de Derecho Deportivo (IIDD), Auditor do STJD da Confederação Brasileira de Handebol, do STJD da CBDV, do STJDM da Prefeitura de São Paulo e Auditor do TJD da Federação Paulista de Basketball. Professor e Palestrante em diversos cursos e eventos jus desportivos nacionais e internacionais, membro da comissão de Direito Desportivo da OAB/SP, membro da Revista Brasileira de Direito Desportivo, del Elenco dei Valutatori della Rivista di Diritto ed Economia dello Sport e representante sul-americano do F.C. Internazionale Milano.

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