“O PROJETO DE LEI DO CLUBE-EMPRESA: SOLUÇÃO OU INSTRUMENTO?”

RAMON BISSON FERREIRA¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD

 

Assunto bastante discutido nos últimos anos no Brasil, o modelo de “clube-empresa” teve seu debate intensificado com a tramitação do Projeto de Lei nº 5.082-A/2016, de autoria do Deputado Federal Pedro Paulo.

O Projeto em questão dispõe sobre o clube empresa, cria o Regime Especial de Tributação de Entidades de Prática Desportiva Profissionais de Futebol além de outras providências tratando de débitos tributários, trabalhistas e recuperação judicial.

O clube-empresa tem sido apresentado por muitos como a solução para a melhoria na gestão das entidades de prática desportiva, as quais somam anos de gestões inexitosas que acarretaram grandes prejuízos e dívidas das mais diferentes naturezas.

Modelos como os adotados em países como Inglaterra, Alemanha, Portugal e Espanha são apresentados como referências para a transformação de nossos clubes associativos.

Entretanto, é fundamental que a análise das proposições apresentadas sobre os formatos dos clubes seja vista de acordo com as peculiaridades do sistema jurídico do Brasil e de acordo com a realidade do nosso futebol.

Os modelos jurídicos empresariais não são novidades para as entidades desportivas no mundo. Além do futebol, esportes como basquete, futebol americano e beisebol têm seus principais clubes constituídos no formato empresarial.

Em que pese a costumeira comparação entre os clubes brasileiros e europeus, especialmente os ingleses, as particularidades de cada país não podem ser desconsideradas em análises.

Na Inglaterra, por exemplo, as “associações”, denominadas como unincorporated associations, não constituem pessoas jurídicas distintas de seus associados, sendo que seus membros diretores respondem subsidiária e ilimitadamente perante as dívidas das associações, motivando os clubes a adotarem o modelo empresarial².

Já no Brasil, em regra, sócios e diretores, não respondem por eventuais dívidas da associação, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.398.438/SC³.

Na Espanha, motivado pelos sucessivos déficits das entidades desportivas, o Governo local determinou que as equipes interessadas em participar de competições teriam que se transformar em Sociedades Anônimas Desportivas até o ano de 1992. As únicas exceções seriam os clubes que obtiveram saldo patrimonial líquido positivo desde a temporada 1985/1986, exemplos de Real Madrid Club de Fútbol, Barcelona, Club Atlético Osasuna e Athletic Club Bilbao.

Em que pese a mudança obrigatória do formato jurídico da maioria dos clubes da Espanha, nos anos 2000 os clubes continuavam em drástica situação financeira e grandes débitos com o Poder Público, gerando mais de 20 pedidos de recuperações judiciais 4 .

Ainda que a simples adoção do modelo empresarial fosse suficiente para a melhoria da gestão dos clubes, o caminho adotado pela Espanha seria muito questionável no Brasil, pois a intervenção estatal encontra limitação constitucional em razão do princípio da autonomia das entidades desportivas, previsto no Artigo 217 de nossa Carta Magna, motivo pelo qual a imposição do modelo não parece uma saída viável.

Tratando especificamente do Brasil, a prevalência do modelo associativo decorre do caminho histórico percorrido por nossa legislação. Os primeiros dispositivos legais que tratam do tema, datados do ano de 1941, eram expressos em proibir o funcionamento de entidades desportivas que resultassem lucro.

Tal cenário somente foi alterado no ano de 1993, com a edição da Lei nº 8.672, popularmente conhecida como Lei Zico, a qual definiu a possibilidade de existência de entidades desportivas com fins lucrativos.

Entretanto, mesmo após uma sucessão de leis que possibilitaram e até obrigaram a transformação dos clubes associativos em “clubes-empresas”, poucos clubes até hoje escolheram a adoção do modelo empresarial.

No intuito de incentivar que mais clubes realizem a adoção de modelos empresariais, tramitam nas casas legislativas nacionais projetos de lei que possuem como seu objeto a criação de novos modelos como clubes-empresas, sociedades anônimas do futebol 5  e sociedades anônimas esportivas 6 .

O projeto mais avançado em sua tramitação é o de autoria do Deputado Federal Pedro Paulo, o qual foi aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro de 2019 e encaminhado ao Senado Federal 7  . Em síntese, regulamenta a criação de entidades de prática desportiva profissionais de futebol como sociedades empresárias, bem como a transformação, cisão, incorporação e fusão daquelas atualmente constituídas em forma de associação para o modelo empresarial.

Um dos pontos interessantes do projeto de lei é a criação do “Simples-Fut”, consistente em Regime Especial de Tributação de Entidades de Prática Desportiva Profissionais de Futebol. A alta carga tributária atual constitui um dos grandes óbices para adoção ou transformação das associações atuais para o modelo empresarial, a qual é relativizada pelo novo regime de tributação.

Os clubes que optarem pelo novo Regime recolherão 5% de sua receita mensal apurada, relativos a: Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep).

Ademais, 20% dos valores devidos poderão ser deduzidos com gastos para custeio da formação de atletas e investimentos no futebol feminino.

Sem adentrar no mérito de outras questões trazidas pelo projeto, bem como na ausência de discussões necessárias, este tocou em um dos pontos fundamentais para que o processo de transformação seja efetivado: a criação de regime tributário especial. A grande diferença entre a carga tributária aplicável às associações em comparação às sociedades empresárias consiste em ponto fundamental para desincentivar qualquer mudança no formato atualmente adotado.

Entretanto, devemos ter ciência de que qualquer projeto de lei que trate sobre as possibilidades de adoção de formatos jurídicos para entidades de prática desportiva não uma solução pronta para a crise vivida pelo futebol brasileiro. As legislações constituem apenas um meio para a resolução dos problemas enfrentados pelos clubes nos últimos anos.

Na realidade, o projeto de clube-empresa pode servir de instrumento de facilitação para que os clubes recebam maiores investimentos e melhorem suas gestões, pois a verdadeira mudança necessária para a evolução é interna, na própria gestão das entidades, com a adoção de boas práticas de governança corporativa, planejamento estratégico e responsabilização dos gestores.

Sendo assim, a criação do clube-empresa é apenas mais um novo instrumento para utilização das entidades de prática desportiva. No Brasil existem exemplos suficientes de associações sem fins lucrativos bem geridas, demonstrando que a melhoria da gestão das entidades não está atrelada ao seu formato jurídico.

* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.


¹Ramon Bisson Ferreira é Gerente Jurídico e Coordenador de Futebol do Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes/RJ e membro filiado do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD.

² MOTTA, Luciano de Campo Prado. O mito do clube-empresa. Belo Horizonte: Sportto. 2020. Pg. 106.

³ STJ. REsp 1. .398.438.  3ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrigi. DJ 04/04/2017.

4 Disponível em https://globoesporte.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/post/2020/03/17/espanha-nao-tem-nada-a-ver-com-projeto-de-clube-empresa-de-rodrigo-maia-entenda-como-o-futebol-espanhol-se-reestruturou.ghtml.

5  Formato jurídico previsto no Projeto de Lei 5516/2019, da Câmara dos Deputados que “Cria o sistema do Futebol Brasileiro”.

6 Formato jurídico previsto no Projeto de Lei 68/17, do Senado Federal, que “Institui a Lei Geral do Esporte”.

7  disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/619112-camara-aprova-permissao-para-clube-de-futebol-se-transformar-em-empresa. Projeto disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1840430&filename=Tramitacao-PL+5082/2016