O que muda com a decisão da FIFA?

Leonardo Neri Candido de Azevedo*

Diante da decisão da FIFA de proibir a participação de investidores nos direitos econômicos dos jogadores a equipe da BPM Marketing Esportivo solicitou ao advogado Leonardo Neri uma análise jurídica dos possíveis impactos gerados. Neri é advogado especialista em Direito Desportivo e responsável pela área na da Rayes & Fagundes Advogados Associados. Segue abaixo a análise na íntegra:

 

“Em ano de eleição, onde o debate sobre a moralização da política se converge com a da administração do desporto no Brasil, essencialmente após o fiasco da seleção brasileira na última Copa do Mundo, a FIFA resolveu intervir no âmbito do investimento para compra de jogadores por parte dos clubes, a fim de definir que apenas as entidades de prática desportiva poderão ser proprietárias dos direitos econômicos dos atletas.

 

Nesse sentido, em alguns anos (o prazo ainda não foi delimitado) será proibida a aquisição dos direitos econômicos dos jogadores por parte de empresas que compõem fundos de investimento. O tema ainda deverá ser exaustivamente examinado e regulado, com intuito de solucionar eventuais arestas, porém é certo sua breve implementação. A princípio, observa-se que no Brasil os clubes sofrerão um forte impacto na forma de contratação de seu elenco, visto que hoje as principais entidades (análise de seis grandes clubes ao final de 2013) detém cerca de 250 atletas contratados na forma de investimento com participação de terceiros. Tal alternativa foi adotada pelos clubes no Brasil como forma de manter seus craques no país nos últimos anos.

 

Ressalta-se que a Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé) extinguiu a Lei do Passe com sua promulgação. A título de conhecimento, a referida lei revogada tornava o atleta um bem do clube que somente poderia ser negociado com a devida autorização da entidade de prática desportiva. Com a entrada em vigor da Lei Pelé, os clubes começaram a realizar contratos de maior duração e, ao invés de vender o atleta, as entidades passaram a receber verba rescisória pelo término dos contratos antes do prazo, conforme determinação da cláusula indenizatória constante na legislação atual. Assim, passou a existir a divisão de direitos federativos e econômicos. Os federativos constituem os direitos do clube em registrar o atleta na Federação (CBF) que possibilitam a condição de jogo. Por outro lado, os direitos econômicos representam a receita gerada com a rescisão unilateral do contrato de trabalho por parte do atleta, via de regra, motivados pela transferência à outro clube. Trata-se de espécie de cessão onerosa do direito federativo estabelecido em contrato de trabalho. Em suma, a decisão em comento irá gerar efeitos na aquisição dos direitos econômicos dos atletas. Tais direitos são constantemente negociados com terceiros estranhos às atividades esportivas, conhecidos como investidores, que adquirem determinado percentual sobre um atleta, pagando ao clube o preço ajustado para a negociação.

 

Em contraponto, deve ser examinado o quadro atual vigente na Europa, dentre o qual as entidades conseguem, em sua maioria, se administrarem com seus próprios recursos, ou são geridos por um único dono. Tal situação denota a forte pressão exercida pelos clubes europeus à UEFA que culminou com a presente decisão da FIFA. A repercussão prática do novo modelo de negociação de jogadores incidirá na diminuição do preço dos direitos econômicos dos atletas situados na América do Sul, o que proporcionará, a princípio, um fomento de transações com as principais entidades da Europa.

 

Ao mesmo tempo, haverá maior independência dos jogadores, pois não serão fatiados por repasse de valores à investidores na oportunidade de uma transferência, bem como uma deflação do mercado e possível fortalecimento das entidades de prática desportiva no Brasil, por mais que no início aparente um enorme enfraquecimento. Enfim, o presente tema deverá repercutir muito debate na mídia, bem como por profissionais especializados.

 

Por tais razões, ao meu ver, os clubes serão forçados a concretizar o discurso de profissionalização na gestão desportiva, como principal instrumento para reeducação financeira das agremiações, sob pena de atingirmos o ápice da crise estrutural do futebol brasileiro. Os subterfúgios existentes para consolidação de conceitos aplicáveis ao mundo do futebol deverão ser decepados do nosso cotidiano. Nesse sentido, o futebol deverá ser visto pelos clubes como um produto com potencial valor agregado e vinculante às ações de marketing, administração de ativos, no propósito maior de auferir lucro para melhor desenvolvimento.

 

Não se pode olvidar, ainda, que tal fato deve ser contextualizado em conjunto com questões em pauta, pertinentes à promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, profissionalização do futebol no Brasil, bem como os limites transnacionais do desporto e as alterações da Lex Sportiva, com enfoque também no desenvolvimento educacional do desporto no Brasil.”

 

* Por Leonardo Neri Candido de Azevedo

 

Advogado especialista em Direito Desportivo e responsável pela área na Rayes & Fagundes Advogados Associados, escritório associado ao IBDD

 

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