OCUPAÇÃO EFETIVA DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL E A CRIAÇÃO DE TIME “B”

Beline Nogueira Barros¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

            Quando chega a época do meio para o final da temporada do futebol brasileiro, geralmente em agosto e setembro, e os resultados em campo já não são satisfatórios, muitos clubes, de forma desregrada começam a contratar desesperadamente, e o tão almejado planejamento é jogado para o alto. Resultado? 40 a 50 atletas em um mesmo plantel.

            E uma prática muito comum vem à tona, que são as criações dos times “B”, expressinhos ou tantos outros nomes já usados, mas o que não muda é um plantel cheio e muitos atletas colocados na geladeira. Os clubes normalmente contam com número de 28 a 32 atletas, que entre lesionados e suspensos, conseguem ter um número razoável de atletas disponíveis para a comissão técnica.

            Merece particular realce, nesta matéria, a problemática do chamado direito de ocupação efetiva (ou, noutros termos do “direito de exercício da atividade profissional”) do trabalhador. Em síntese, o problema consiste em saber se ao trabalhador, devedor da prestação laboral, assiste igualmente o “direito de trabalhar”, isto é, o direito de exercer a sua atividade profissional (em certo sentido, pois, saber se ele goza de um prima facie paradoxal “direito de cumprir a obrigação”). Poderá o empregador limitar-se a pagar a retribuição ao trabalhador, a colocar este último “na prateleira”, sem viabilizar o exercício da correspondente atividade profissional? Poderá o empregador, desta forma, como que transformar um contrato de atividade num contrato de inação?²

            O dever da Entidade de Prática Desportiva – Clube, de acordo com a Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) em seu artigo 34, é de proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais.³

            Em contrapartida, os deveres dos atletas profissionais estão no artigo 35, que são participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas. Ainda, preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas.

            Como visto, a obrigação do clube é de dar condições de treinamento e participação nas competições desportivas, e não de garantir a titularidade ao atleta, ou mesmo a sua atuação nas partidas, porém, o mínimo que se espera são condições iguais a todos para que possam exercer de forma correta a sua função enquanto atleta profissional.

            Leciona João Leal Amado que “o trabalho surge, para alguns, como a verdadeira essência do homem, como um meio de realização pessoal e da expressão de si, como um indispensável meio de aumentar a riqueza da nação e de aquisição de rendimentos para o indivíduo que o presta, como um meio de ordenar o mundo”.[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4]

            Diferente de outras profissões, a do atleta profissional de futebol é cercada de particularidades, que vão desde uma pré-temporada satisfatória a uma sequência de treinamentos, convivência com o grupo de atletas, jogos e histórico dentro de campo.

            “Cada vez mais o excelente preparo físico é requisito essencial na formação do atleta, pois o nível de competitividade está em constante crescimento, o que demanda maior esforço do jogador, sendo que para chegar a este nível de condicionamento, e depois mantê-lo, existe um desgaste físico e biológico proporcional.”[5]

            Fato é que os clubes, em sua grande maioria, afastam os atletas da equipe principal, por vezes chamada de “a”, e criam um grupo para treinamentos em separado, o time “b”, ou até treinamentos individuais, sendo certo que estes atletas continuam a receber estrutura como a Lei Pelé traz, com condições de treinamento e profissionais qualificados, porém, em alguns pontos, os prejuízos são incontáveis.

            Mesmo que com profissionais qualificados, a realidade de um afastamento e “geladeira” sofrida por um atleta tem outros pontos que por vezes não são conhecidos, como treinamento em horários diferentes, diminuição da qualidade dos treinamentos, profissionais diferentes da comissão técnica principal, amistosos duvidosos, retirada do grupo de Whatsapp, entre outros.

            A realidade é que não há condições iguais para a disputa de posição, pois os treinamentos normalmente ministrados para a equipe principal é diferente do grupo afastado, onde se tem menos atletas e menos profissionais de comissão técnica, e por vezes passa-se grande parte do tempo na academia e pouco tempo em campo, com trabalhos específicos. Por estas e outras razões, o atleta afastado sequer tem contato com o treinador da equipe principal, e assim, como será que ele será visto? Qual condição de disputar uma posição de titular quando nem é visto?

            O professor João Leal Amado é preciso ao afirmar: “o praticante desportivo precisa de se exibir, necessita de competir, sob pena de cair no esquecimento e/ou de ver desvalorizada a sua cotação no respectivo mercado de trabalho”.[6]

            Além do prejuízo momentâneo, onde tem seu nome estampado nas capas dos jornais, portais de notícias especializados e outros, como atleta afastado e que treinará com o time “b”, há outros prejuízos momentâneos e futuro, pois a inatividade faz com que os atletas sejam prejudicados inclusive no futuro, com a diminuição de propostas para mudança de clube e até variação dos proventos recebidos, onde estes caem drasticamente após o atleta ter poucos minutos em seu último contrato e ser taxado como atleta afastado.

            Como já visto, a profissão de atleta profissional exige exposição. Dessa forma, a não utilização do atleta em partidas oficiais, sobremaneira, afeta sua valorização e seu poder de negócio com outros clubes, o colocando numa situação indesejável de ostracismo, visto ser o atleta extremamente dependente de seu marketing pessoal, pois hodiernamente, o esporte é um fenômeno eminentemente midiático.[7]

            A carreira do atleta profissional costuma durar entre 12 e 15 anos, e exemplos como Zé Roberto jogando até os 43 anos de idade não são comuns. E destes anos de carreira, são jogados no “auge” em média 6 anos, e serão nestes anos que o atleta terá condições de adquirir valores que garantirão bons contratos e o seu futuro. Quando há uma quebra na continuidade ou um afastamento em sua curta carreira, os salários caem drasticamente e os contratos e a procura pelo mesmo diminui no mesmo patamar.

            Há de se considerar ainda que a participação nos jogos permite que o atleta adquira entrosamento com seus companheiros, e não digo isto em condições dentro de campo, mas a participação também nas concentrações, treinamentos em vésperas de jogos, e até nas preleções do treinador para as partidas. O que está em jogo é a participação efetiva do atleta em um grupo, e através disto, ele por razões próprias ou de escolha da comissão técnica, joga ou não.

            Não se espera que seja garantido a qualquer atleta profissional de futebol titularidade, mas que ao ser contratado por um tempo determinado, e que neste tempo, ele tenha condições iguais a seus companheiros de disputar posição e aí sim, ser titular ou não de sua equipe.

            O que as Entidades de Prática Desportiva, ou seja, os Clubes tem feito no futebol brasileiro ao longo destes anos, é a prática de afastar os atletas e/ou os colocar para treinar em separado porque não querem arcar com a Cláusula Compensatória Desportiva, visto que esta pode chegar a até 400 vezes a remuneração mensal[8] do atleta ou mesmo todo o restante do seu contrato.


¹Advogado; Pós Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus – SP; Pós Graduado em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mandes; Coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD em Goiás; Membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo – SBDD; Coordenador do Curso de Direito do Instituto de Direito Contemporâneo – IDC; Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Fisiculturismo – IFBB.

²Amado, João Leal. A cessação do contrato de trabalho: uma perspectiva luso-brasileira / João Leal Amado. – São Paulo: LTr, 2017.

³ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9615consol.htm

[4] Amado, João L. Contrato de trabalho á luz do novo código de trabalho. Coimbra, p. 17-18

[5] Veiga, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo – São Paulo: LTR, 2016.

[6] AMADO, João Leal, Vinculação versus liberdade, cit., pág. 267.

[7]Firmino ALVES LIMA, O Princípio da Ocupação Efetiva no Direito Trabalhista Desportivo, p.116, In: ANDREOTTI P. DE OLIVEIRA, Leonardo, Direito do Trabalho e Desporto, vol. II, São Paulo, Editora QuarterLatin, 2015.

[8]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9615consol.htm

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