Onde está o Bom Senso na Lei?

Gustavo Vitorino Cardoso – Associado IBDD

A prática esportiva no Brasil é organizada e o sistema no qual se estrutura tem por finalidade promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento.

O Bom Senso F.C., movimento organizado por atletas de futebol tem objetivo semelhante, embora pontual: aprimorar o calendário das competições, instituir o fair-play financeiro e melhorar a relação entre torcedor e o futebol, todos, em última análise, voltados à melhoria das condições de prática do futebol em favor dos praticantes profissionais.

Antes, a associação Atletas pela Cidadania já lutava por maior participação dos atletas na condução do movimento esportivo no Brasil.

Mas onde está o Bom Senso na lei?

Não está. Pelo menos não na organização desportivo-profissional brasileira, de modo que se o Bom Senso quisesse se organizar formalmente o faria pelas regras associativas comuns, e se quisesse ter alguma incumbência legalmente atribuída na promoção do futebol, não conseguiria, a menos que informal.

Isso porque o Sistema Nacional do Desporto está previsto na Lei 9.615/98 e congrega as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da Justiça Desportiva listando, exaustivamente:   

I – o Comitê Olímpico Brasileiro-COB;

II – o Comitê Paraolímpico Brasileiro;

III – as entidades nacionais de administração do desporto;

IV – as entidades regionais de administração do desporto;

V – as ligas regionais e nacionais;

VI – as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos incisos anteriores.

VII – a Confederação Brasileira de Clubes.

E embora a lei fale em pessoas físicas como possíveis componentes do Sistema, essas somente estarão representadas por intermédio das pessoas jurídicas acima referidas.

Dada essa estrutura, não se garante representatividade jurídica alguma aos profissionais praticantes, mas apenas às entidades formalizadas cujos interesses e propósitos nem sempre são iguais ou concordes com os dos atletas. Algumas vezes, as pessoas físicas que lideram as entidades sequer são praticantes não-profissionais da modalidade, a exemplo do último presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, e do atual, José Maria Marin, e do futuro, Marco Polo del Nero.

A Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol – FENAPAF, embora tenha sido notavelmente incluída na Lei Pelé, não recebeu do legislador dignidade suficiente para compor e influir como as demais entidades na organização e promoção do esporte brasileiro dentro do Sistema.

O próprio objetivo da FENAPAF, dedicado a prestar assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação, demonstra o quão desprotegidos se encontram os praticantes profissionais de esportes no país, e não apenas do futebol, sem representatividade no nível das entidades listadas acima.

E essa realidade de não-representatividade dos praticantes jaz desde o início da interferência estatal no esporte.

Logo na primeira lei a versar sobre a organização desportiva nacional, o Decreto-Lei 3.199, de 1941, ao criar o Conselho Nacional de Desportos fê-lo sem destacar uma representação específica dos praticantes.

O Decreto 80.228, de 1977, fixou o Sistema Desportivo Nacional sem reservar espaço ou dignidade jurídica a qualquer entidade organizada para a defesa dos interesses e direitos dos praticantes.

E assim a legislação se perpetua, com alterações dos componentes, mas não na essência antidemocrática que tanto desprestigia a Constituição Federal de 1988 e o modo já comum de se pensar a sociedade.

Nesse aspecto, a inovação trazida pela Lei nº 12.868, de 2013 (garantia da representação da categoria de atletas das respectivas modalidades no âmbito dos órgãos e conselhos técnicos incumbidos da aprovação de regulamentos das competições e participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade) deve sim ser louvada, mas não pode ser vista como realmente suficiente para que entidades preocupadas com a garantia de direitos e com as condições dos esportistas profissionais entrem no jogo em condições de competir com sucesso.

Em conclusão, o Bom Senso F.C. e qualquer outra iniciativa semelhante continuará à margem da lei e sem efetiva legitimidade jurídica até que o legislador altere a Lei Pelé para dotar o Sistema Nacional do Desporto de representatividade própria dos praticantes no nível das demais entidades.

 

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